Na edição passada desta coluna, iniciei a análise da ata de instalação do Conselho Nacional de Desportos – CND, que se deu 1941, logo após a edição da primeira Lei Geral do Esporte brasileira, o Decreto-lei n° 3.149, do mesmo ano. Como contei, ali foram empossados os membros do CND indicados e nomeados pelo Presidente Getúlio Vargas. Eram eles o General Newton de Andrade Cavalcanti, o Almirante Alvaro Rodrigues de Vasconcellos e o Prof. João Lyra Filho, único civil ali dentre os empossandos, justamente o fundador do Direito Esportivo no Brasil. Já Luiz Aranha e José Eduardo de Macedo Soares faltaram à solenidade, porém tendo integrado os quadros do colegiado.
É provável que a não presença do mais importante dos membros do CND e seu futuro presidente, Luiz Aranha, o amigo pessoal de Getúlio Vargas e prócer da Revolução de 1930 que venceu ao lado de Rivadávia Meyer a batalha da Cisão Esportiva contra Arnaldo Guinle, tenha sido provocada pelo teor do que se viria no discurso do Ministro da Educação e da Saúde, o mineiro Gustavo Capanema.
Primeiro, porque, como já contei, o próprio Ministro pessoalmente disse que Getúlio Vargas gostaria que ele assumisse a Presidência do CND. Depois, em razão dos anúncios que fez durante o discurso, todos eles bastante centralizadores e tendentes à empoderar os conselheiros militares e não o próprio Luiz Aranha.
Quanto ao pronunciamento em si, verifica-se de início a inclinação à valorização do amadorismo no esporte, em detrimento da evidente supremacia da visão profissionalista no comando do movimento no país. Inclusive, esta era a dimensão que o Ministro dava ao Decreto-lei n° 3.199, de 1941, como se lê na referida ata:
Esclarece os diferentes aspectos do decreto-lei número três mil cento e noventa e nove, demorando- se em considerações sobre as virtudes educacionais do amadorismo desportivo.
A ideia do ministro Capanema acerca da função social do esporte era bastante utilitarista, voltada à doutrinação da juventude por meio da educação através do esporte, algo bastante comum à época. Contudo, há uma parte da ata em que se revela algo um tanto avançado para a época, a participação feminina nos esportes:
Focaliza a questão da prática dos desportos pelo sexo feminino para salientar os cuidados que este assunto deve merecer do Conselho.
Ainda que o Decreto-lei de 1941 seja tutelador quanto à prática esportiva pelas mulheres, ao ponto de restringir as modalidades que poderiam praticar em nome de sua segurança, percebo uma tendência de valorização da participação feminina nos esportes.
Em outra passagem da ata, há uma clara menção à vontade do Estado Novo em integrar o território nacional por meio de políticas públicas, inclusive as voltadas à prática esportiva:
Refere-se à divisão administrativa do território nacional, alinhando números e manifesta o desejo de ver em cada município brasileiro uma praça de desportos.
Mais adiante, o Ministro Capanema, enquanto Presidente do CND (Luiz Aranha só viria a assumir esta função depois), distribui aos membros ali presentes as tarefas de elaboração de documentos, como “a organização da superintendência técnica das atividades amadoras nas entidades desportivas que abranjam desportos de prática profissional” – clara intervenção em assuntos internos dos clubes de futebol – e “instruções relativas à prática dos desportos pelo sexo feminino”, ambas incumbidas ao General Newton Cavalcanti.
Houve ainda o repasse de demandas a outros conselheiros, cabendo ao único civil, João Lyra Filho, um papel meramente secundário naquele momento, voltado à preparação de um informe não previsto em pauta relacionado à tributação de partidas esportivas.
Por fim, o Ministro Capanema também buscava já integrar os órgãos do governo em torno da segurança dos atletas profissionais, como ficou marcado no registro oficial da reunião:
Ficou assentado que o senhor ministro da Educação pediria ao seu colega da Pasta do Trabalho a designação de uma comissão para estudar e elaborar um plano de seguro em benefício dos jogadores sujeitos a acidentes…
Trata-se de um conjunto importante de informações de valor histórico inquestionável. Gustavo Capanema, como já escrevi aqui na coluna, não apenas era o Ministro da Educação e Saúde como desempenhou um papel fundamental na modernização do país. Era o homem forte do Estado Novo para educação e a saúde, mas também para a cultura e o esporte. Tinha como chefe-de-gabinete nada mais nada menos que Carlos Drummond de Andrade.
Sua manifestação na posse do órgão mais importante na história do Direito Esportivo brasileiro revela, assim, não apenas a voz de um destacado intelectual e estadista brasileiro como, principalmente, a própria vontade do Estado Novo para o esporte nacional.