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O que torna o Ferroviária e o Corinthians os grandes campeões do cenário de futebol feminino do Brasil?

Por Heloisa Schmidt

Antes tema esquecido, a proibição do futebol feminino no Brasil através do Decreto-Lei nº 3.199/41agora é de grande conhecimento. Em 17 de abril de 2021, 80 anos (e 3 dias) após a proibição, começou a edição mais competitiva e mais vista do Campeonato Brasileiro Feminino desde seu início – em 2013.

A temporada 2020 (encerrada em 2021 pelos atrasos do COVID-19) marcou um ano de muitas conquistas na modalidade, deixando a devida – e necessária – atenção para os clubes paulistas e os títulos que têm empilhado.

Como lembrete, a América também foi brasileira nos últimos dois anos. Em 2019, o Corinthians (SP) garantiu a glória eterna e a Ferroviária (SP) ficou com o título brasileiro – com as duas finais sendo disputadas pela dupla paulista. A temporada 20/21 deixou evidente que esses dois clubes não deram sorte. Dessa vez, a Ferroviária foi campeã da América em cima das colombianas do América de Cali, enquanto o Corinthians conquistou o Brasil contra o Avaí/Kindermann (SC).

Os campeões de 2020 carregam a metade dos títulos do Campeonato Brasileiro, dois para cada. Com edições desde 2013, o Ferroviária garantiu o troféu em 2014 e 2019, já o Corinthians levantou a taça em 2018 e 2020. Além disso, dos 8 campeões, apenas um não é paulista – o Flamengo/Marinha foi campeão em 2016 e os paulistasCentro Olímpico (2013), Rio Preto (2015) e Santos (2017) completam a lista.

Para somar ao sucesso do futebol feminino paulista, dos 16 clubes do Campeonato Brasileiro Série A1 de 2021, 6 são do estado de São Paulo e enquanto os outros 10 se dividem entre 5 estados e o Distrito Federal.

O histórico recente do Campeonato Brasileiro Feminino tende a demonstrar dois pontos que merecem destaque – o segundo talvez o mais relevante no histórico brasileiro:

1) Paciência é uma virtude, mas muito esquecida no futebol: investimento gera visibilidade, e visibilidade gera retorno e os grandes campeões não surgiram da noite para o dia;
2) Preconceito com o futebol feminino: situação essa que surge com a proibição que perdurou por 40 anos e continuou com a falta de incentivo da modalidade.

Em primeiro plano, reconhece-se incompatível com a importância do tema um tratamento raso de cada ponto e, por isso, esse texto tratará apenas do tópico 1, deixando o segundo debate para um futuro próximo com o desenvolvimento merecido.

Dito isso, precisamos entender um pouco os projetos do futebol feminino do Corinthians e da Ferroviária.

Foi em 2017 que a CONMEBOL exigiu a existência de um time feminino em competições nacionais, a partir de 2019, para que os times masculinos disputassem a Copa Libertadores.

Mas o caso de sucesso da equipe feminina do Ferroviária não começou com o Brasileiro de 2014 ou com a Libertadores de 2015. O investimento da equipe do interior paulista começou em 2001 e, até hoje, investe na modalidade sem qualquer exigência, já que a equipe masculina não está na Libertadores e joga a Série D da sua modalidade.

A Ferroviária de Araraquara entendeu que o futebol feminino não depende ou interfere no masculino, tendo seu próprio espaço no meio esportivo e do entretenimento. Em 20 anos, o futebol feminino do clube acumulou 7 títulos profissionais em território brasileiro (Campeonato Paulista – 2002, 2004, 2005 e 2013; Copa do Brasil – 2014; e Brasileiro – 2014 e 2019), além das duas Libertadores.

Foi com o time da Ferroviária que Tatiele Silveira se tornou a primeira técnica mulher a conquistar um título nacional com o Brasileiro de 2019. O pioneirismo das técnicas mulheres continuou na Libertadores de 2020, com Lindsay Camila também como primeira técnica mulher campeã da competição.

Em Araraquara, as modalidades feminina e masculina não se dividem tanto. Por exemplo, o departamento médico, o marketing e o estádio são os mesmos. O recado do Ferroviária para os grandes times do futebol masculino brasileiro é simples: o futebol feminino não depende ou afeta o masculino, apenas exige investimento e confiança para garantia do sucesso.

Por sua vez, o Corinthians passou por um caminho mais rápido para o sucesso do futebol feminino. Em 2016 iniciou uma parceria com o Grêmio Osasco Audax, que já contava com uma equipe feminina, que durou dois anos e a conquista de uma Copa do Brasil (2016) e uma Libertadores (2017).

Com o resultado vitorioso, a equipe do Parque São Jorge, uma das camisas mais tradicionais do futebol brasileiro (em ambas as modalidades) e com a segunda maior torcida do país, decidiu que era o momento de garantir o seu próprio elenco.

Com uma excelente gestão do projeto da Diretora de Futebol Feminino, Cris Gambaré – que começou na parceria de 2016 –, e a manutenção do trabalho da comissão técnica de Arthur Elias, o projeto de futebol do Corinthians garante a hegemonia no cenário nacional.

Demonstrando que o esporte é um negócio e não uma obrigação, o Ferroviária garante a profissionalização de toda sua equipe feminina desde 2017. Já o Corinthians também contou com todas as atletas profissionais na temporada de 2020, garantindo o mesmo sistema nas modalidades masculina e feminina – com valores em suas devidas proporções.

Apesar do debate tratar dos campeões da temporada 2020, o excelente projeto de futebol feminino do Avaí/Kindermann, vice-campeão do Campeonato Brasileiro Feminino de 2020, também merece destaque.

Além disso, vale mencionar que o projeto de sucesso do Corinthians pressionou os rivais estaduais, Palmeiras, São Paulo e Santos (que já foi uma potência do futebol feminino brasileiro) a reforçarem as suas equipes femininas e garantindo a rivalidade – saudável – do futebol paulista em todas as modalidades.

Podemos compreender que o futebol feminino pode ser um case de sucesso e que o resultado do projeto pode ser longo, como o da Ferroviária, ou mais curto, como ocorreu com a equipe do Corinthians, mas que o investimento, um projeto bem estruturado, a confiança e o respeito com a modalidade são imprescindíveis para as conquistas.

Assim, a pergunta final – que será abordada em breveé “por que os grandes clubes não veem o futebol feminino como um projeto de sucesso?”

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Heloisa Schmidt F. Medeiros é advogada graduada em Direito pelo Ibmec RJ. Fundadora e Pesquisadora do Grupo de Estudos em Direito Desportivo – Ibmec RJ. Defensora Dativa do TJDAD. Certificada em Direito Desportivo pela PUC Rio, ESA RJ e FUTJur. Pós-graduanda em Direito Contratual e Responsabilidade Civil pela EBRADI/ESA SP.

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