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O racismo no futebol brasileiro

Por João Francisco Cepeda e Vinícius Bisognin

O racismo sempre foi um tema presente na sociedade brasileira. Desde a época da escravidão, a população negra sofre de violência verbal e física, mesmo atualmente com leis e programas sociais visando coibir tais discriminações.

No futebol isso não se mostra diferente. Por mais que o esporte tenha como objetivo povos e culturas diferentes, ainda é reflexo da sociedade que está inserida.

A origem do futebol no Brasil foi marcada por ser praticado pelas pessoas que estavam na elite da sociedade. Os primeiros clubes só admitiam, em sua maioria, a presença de famílias tradicionais, muitas dessas de descendentes de europeus. Com isso, os participantes dos torneios não eram das classes populares.

Somente foi quebrado essa percepção a partir de 1923, com o advento do Vasco da Gama, clube de origem popular e que era formado por operários, negros e moradores da periferia. Após ser admitido na prática de torneios esportivos, em 1925, o futebol brasileiro começou, aos poucos, a abrir espaço para os negros.

Ao longo dos anos, com o grande sucesso do esporte no Brasil, o futebol foi marcado por grandes jogadores negros como Arthur Friedenreich, Domingos da Guia, Didi, Coutinho, Garrincha, Jairzinho, Djalma Santos, Cafú, Dida, Neymar, não podendo ser esquecido o maior de todos os tempos, o Rei Pelé+. Estes são alguns nomes conhecidos mundialmente pelo seu talento no futebol, mas que, por serem negros, sofrem – ou sofreram – preconceito durante suas vidas e carreiras.

A primeira regulamentação frente ao preconceito racial somente se deu em 03 de julho de 1951, data da promulgação da Lei n.º 1.390/51, conhecida como Lei Afonso Arinos. Com grande importância histórica, a normativa buscava punir a discriminação racial no país. No entanto, tipificava tais condutas somente como contravenções penais, além de penas leves.

Somente com promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º XLII, que o racismo passou a ser constituído como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei editada posteriormente, no caso a Lei n.º 9.459/97. Também foi tipificado no Código Penal o crime de injúria racial, em seu artigo 140, § 3º, quando o agente se utiliza da etnia, cor, religião, origem, ou pessoa portadora de deficiência para ofender a honra subjetiva da vítima.

Dentro da legislação desportiva, somente neste século que passou a existir uma normativa exclusiva ao desporto. Dentro do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), promulgado em 2003, há o artigo 243-G, que prevê quais punições serão aplicadas a quem praticar atos discriminatórios pela origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou com deficiência. As punições podem ser suspensão de cinco a dez partidas (quando praticada por atletas ou membros da comissão técnica) ou suspensão de 120 a 360 dias (quando praticada por qualquer outra pessoa física), além de multa de R$ 100 a R$ 100 mil.

Nos últimos anos, foi possível notar um grande número de julgamentos pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) com base nessa normativa. É preciso, então, fazer uma análise de casos concretos que geraram grande repercussão popular na última década, além dos argumentos utilizados e seus desfechos.

O mais conhecido e mais emblemático caso ocorreu em 2014. No primeiro jogo das oitavas de final da Copa do Brasil, entre Grêmio e Santos, foram captadas imagens de torcedores gremistas proferindo injúrias raciais ao goleiro Aranha, da equipe santista.

Em um julgamento longo, de quase quatro horas, a defesa do Grêmio apresentou vídeos para mostrar as ações tomadas pelo clube contra o racismo, além de depoimentos de atletas em uma campanha contra atos discriminatórios raciais. Do outro lado, a Procuradoria, além da imagem clara da partida, exibiu imagens da torcida entoando cantos racistas na partida seguinte ao ocorrido.

A argumentação da defesa do clube gaúcho foi de que houve tentativa de prevenir as atitudes, seja por meio de ações sociais ao longo dos últimos anos, sendo punindo os torcedores que proferiram tais ofensas.

Já o representante da Procuradoria defendeu que as palavras proferidas por uma quantidade considerável de torcedores do Grêmio foram além das palavras “macaco”. Além disso foi utilizada em flagrante, sendo captada pela transmissão de televisão ao vivo, e a mulher Patrícia Moreira ainda não havia prestado depoimento.

O relator do processo, Francisco Pessanha, aplicou como pena ao clube gaúcho as seguintes punições: perda de 3 pontos Grêmio da Copa do Brasil, o que acarretou na sua eliminação da competições tendo em vista que foi derrotado no primeiro confronto por 2 a 0. além de multa em R$ 50 mil pela discriminação, R$ 2 mil pelo arremesso de papel higiênico em campo e mais R$ 2 mil pelo atraso na entrada em campo, totalizando R$ 54 mil aos cofres do clube gaúcho, com base no artigo 243-G do CBJD. Ao Santos, o relator aplicou multa total de R$ 4 mil. Já aos árbitros, Wilton Pereira Sampaio foi suspenso por 90 dias e multado em R$ 1,6 mil, enquanto os assistentes e o quarto árbitro pegaram suspensão de 60 dias e multa de R$ 1 mil, por não terem relatado o episódio a súmula da partida.

O julgamento mais recente feito a respeito do tema pelo STJD foi a denúncia de injúria racial por parte de um dirigente do clube Brusque ao atleta Celsinho, do Londrina. O caso ocorreu no dia 28 de agosto de 2021, pela 21ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro. Na súmula do jogo, o árbitro cita as palavras ouvidas pelo meia Celsinho, nos minutos finais do primeiro tempo: “vai cortar esse cabelo seu cachopa de abelha”. O infrator foi identificado como presidente do Conselho Deliberativo do clube.

No dia 10 de setembro, o Londrina ingressou com uma Notícia de Infração junto do documento do jogo, o Boletim de Ocorrência registrado pelo atleta, um vídeo do segundo tempo da partida em que é possível ouvir alguém gritar “macaco” e diversas matérias jornalísticas nacionais sobre o caso. O clube argumento que a nota oficial do Brusque após o episódio critica e tenta desqualificar Celsinho, além da nota posterior com pedido de desculpas do clube catarinense ao meia.

A Procuradoria enquadrou o Brusque e seu dirigente Júlio Antônio Petermann no artigo 243-G do CBJD, dispondo que “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Por não fiscalizar o comportamento dos seus integrantes, o clube foi responsabilizado por violar o item três da Diretriz Técnica Operacional de Retorno das Competições da CBF e foi denunciado também por infração ao artigo 191, II, III do CBJD.

Julgados em primeira instância pela Quinta Comissão Disciplinar, o Brusque foi multado em R$ 60 mil e punido com a perda de três pontos na Série B e o dirigente Júlio suspenso por 360 dias e multado em R$ 30 mil, ambos enquadrados no artigo 243-G.

No entanto, no dia 18 de novembro do mesmo ano foi julgado o recurso interposto pelo Brusque contra a decisão do STJD. O argumento da parte ré é de que essa questão não se enquadra como caso gravíssimo previsto no artigo 243-G. Sendo assim, a pena não poderia afetar o mérito esportivo do clube, ou seja, a perda de pontos da competição, pois é desproporcional. Já o advogado representante do Londrina afirmou que o racismo não tem nível e o sentimento do atleta não pode ser mensurado, reiterando os argumentos apresentados no primeiro julgamento.

A votação dos auditores foi por maioria em 6×2, divergiram o relator Mauricio Neves Fonseca e Paulo Feuz, em retirar a perda de pontos do Brusque, acatando os argumentos da defesa. Contudo, foi mantida a multa de R$ 60 mil ao clube e a pena de 360 dias de suspensão mais a multa de R$ 30 mil ao dirigente Júlio Antônio Petermann, além da perda de um mando de campo.

Outro caso que ganhou grade notoriedade na mídia esportiva foi o zagueiro do Corinthians do Danilo Avelar, que durante partida de videogame em meados de junho deste ano, proferiu as seguintes palavras no chat: ‘Filho de uma rapariga preta”, sendo identificado no momento em que estava jogando, assumindo o ‘erro no dia’ seguinte. Neste episódio, como não se deu dentro de um estádio, não houve qualquer punição de cunho esportivo, mas de cunho social, tendo o jogador sido afastado do elenco, e não entrado em campo após o episódio. O Corinthians tenta se desfazer do jogador, havendo clubes interessados, no entanto, as torcidas encontram-se muito contrárias – e com razão – à contratação do atleta, não podendo, de forma alguma tais ‘erros’, como descrição do atleta ao episódio, serem cometidos por jogadores de alta notoriedade dentro do futebol brasileiro.

Ainda, infelizmente, durante jogo pela Copa do Brasil do ano de 2021, foram observados atos racistas de torcedores do Athetico Paranaense em direção à torcida do Atlético Mineiro, que acabou se consagrando campeão da competição.  Clube soltou em suas redes, notas repudiando as condutas de seus torcedores, e dizendo que não medirá esforços para a investigação e punição dos torcedores,o que de fato se espera

Analisando os dados dos últimos anos no campeonato brasileiro, podemos verificar que ainda que existam muitas ações de clubes, federações e demais entidades dentro fora do esporte visando coibir práticas discriminatórias de cunho racista, os números seguem aumentado, conforme dado divulgado ontem pela revista Abril, segundo a qual no ano de 2021 já tiveram 53 casos que se encontram em investigação, o maior número junto com ano de 2019, conforme dados do Observatório Racial do Futebol.

Diante de todo o exposto chegamos à conclusão de que o racismo está enraizado dentro de nossa sociedade, ao serem analisados os casos mencionados, tendo em vista a quantidade de casos de alta relevância não soemnte para o esporte, mas também para a sociedade brasileira. Não podendo tais condutas discriminatórias, de maneira alguma, serem consideradas como um deslize ou erro do agente, pois racismo é crime imprescritível e inafiançável, sujeito à grave – e merecida pena para tais condutas.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


João Francisco Cepeda, 23 anos, Jornalista, Acadêmico de Direito, Integrante do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da PUC/PR

Vinícius Bisognin, 22 anos, Acadêmico de Direito, Integrante do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da PUC/PR

https://www.stjd.org.br/noticias/gremio-e-excluido-da-copa-do-brasil-por-injurias-raciais

https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201507/20150709151309_0.pdf

https://www.stjd.org.br/noticias/pleno-aplica-perda-de-mando-ao-brusque

https://placar.abril.com.br/placar/casos-de-racismo-disparam-em-2021-no-futebol-brasileiro/

https://ge.globo.com/futebol/noticia/com-a-pandemia-casos-de-racismo-no-futebol-brasileiro-caem-em-2020-mas-voltam-a-crescer-em-2021-diz-relatorio.ghtml

https://conteudo.cbf.com.br/cdn/stjd/resultado/32168286f2b75476d75f884a86a7b23e.pdf

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