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O registro e transferência de atletas investigados em casos de suspeita de manipulação de resultados

Por Matheus Laupman

Não é de agora que a integridade esportiva, e principalmente o futebol brasileiro tem sofrido com suspeitas de manipulação de resultados. Inclusive, recentemente estamos diante da “Operação Penalidade Máxima” comandada pelo Ministério Público de Goiás que visa investigar a manipulação de resultados por meio das apostas esportivas.

Já é sabido que a operação está a todo vapor, com diversos atletas denunciados, atletas que fizeram acordos com o próprio MP, bem como atletas punidos no âmbito da Justiça Desportiva, inclusive com penas de eliminação, como foi o caso dos atletas Gabriel Tota e Matheus Gomes.

Já é sabido, que a Justiça Desportiva por meio do STJD do Futebol e demais TJD’s regionais devido as previsões do CBJD (Artigos 242[1], 243[2], 243 -A[3] e demais) possuem disposições e competência suficientes para julgar, processar e combater as práticas ilegais da manipulação de resultados, uma vez que as penas e o processo desportivo judicante é rápido e objetivo.

Entretanto, a este sistema jus desportivo, me parece haver uma séria e preocupante lacuna. Escrevo isto, pois estive em contato com duas notícias que me fizeram refletir sobre o sistema jus desportivo, são elas: (i) a transferência do Zagueiro Eduardo Bauermann ao Alanyaspor da Turquia e (ii) A transferência temporária (“empréstimo”) do Atleta Alef Manga do Coritiba ao Pafos, do Chipre.

A primeira transferência se refere a um atleta que deteve uma pena por manipulação de resultado, e que após sua rescisão com o Santos Futebol Clube, fechou seu contrato com o Alayapor da Turquia.

A segunda transferência, do atleta Alef Manga se trata de uma transferência temporária (“empréstimo) internacional, ou seja, com a anuência dos clubes envolvidos e utilizando o sistema TMS da FIFA.

A FIFA como entidade máxima do futebol, em seu Estatuto[4] estabelece que um de seus objetivos é prevenir e combater práticas ilícitas, como por exemplo, a manipulação de resultados.

Desta forma, me questiono, como atletas punidos ou suspeitos de manipulação de resultados, podem se transferir entre associações pertencentes ao sistema FIFA, de forma tão fácil? E até mesmo fugir de uma pena já estabelecida no país anterior? Não deveria esta pena ser aplicada em todo sistema jus desportivo do futebol?

Para cumprir seu objetivo estatutário e zelar pela integridade futebol não poderia a FIFA coibir as transferências destes atletas e seu registro?

A resposta para tal pergunta em minha visão seria que sim, a FIFA busca sempre de forma exemplar, regular as transferência e registro de atletas por meio de seu Regulamentos de Status e Transferências – RSTP, e poderia, portanto, aditar tais regulamentos para que as transferências de atletas punidos e suspeitos não ocorrem.

Poderia ainda, as associações filiadas a FIFA buscarem se movimentar, e sugerir mudanças a entidade máxima do futebol neste sentido. As penas sofridas para casos que prejudiquem a integridade das competições não devem ser apenas regionais, uma vez que o futebol é transnacional, ultrapassando toda e qualquer fronteira.

Em âmbito nacional, o artigo 9º da Nova Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597) define que “Em todos os níveis e serviços da prática esportiva haverá a prevenção e o combate às práticas atentatórias à integridade esportiva e ao resultado esportivo.”

Logo entendo haver a possibilidade de que a CBF como entidade máxima do futebol em nosso país, a FIFA e demais Associações Nacionais, sugerirem e criarem barreiras diante a transferência de atletas suspeitos e punidos por manipulações de resultados ou demais ações que prejudiquem a integridade do esporte.

Ademais, entendo possível que o STJD do Futebol, como órgão judicante da Justiça Desportiva Constitucional, possui a competência no julgamento de seu tribunal pleno para estes casos de manipulação, de determinar que a CBF emita ofício informando a pena e situação imposta caso o atleta venha se transferir internacionalmente.

Inclusive, o próprio STJD, buscou a internacionalização das penas de manipulações de resultados provindas de seu processo 134.2023 de relatoria do Professor Dr. Paulo Sérgio Feuz. Em síntese com base no artigo 70 do Código Disciplinar da FIFA, o Tribunal buscou a extensão da pena e determinou que a Confederação Brasileira de Futebol solicitasse à FIFA a extensão internacional dos efeitos das sanções aqui aplicadas, bem como proceda a averbação das punições no Registro dos Atletas[5].  Um importante precedente, que merece atenção em situações futuras e novos casos de manipulação.

Ademais, a Procuradoria pode ainda requerer a suspensão posterior do registro dos atletas envolvidos após consolidado e comprovado a prática ilícita, com base no já mencionado artigo 9º da Nova Lei Geral do Esporte. Entretanto, o pedido deve ser acolhido pelo Tribunal.

As ações sugeridas, até pelo princípio da legalidade, ampla defesa e contraditório, não são de punir e bloquear a transferência e registro imediato do atleta, mas sim de buscar fornecer transparência aos envolvidos sobre os fatos, de forma que tais assumam suas consequências, e principalmente buscar proteger e prevenir o sistema jus desportivos de atos que afetem sua integridade.

Em suma, entendo que a transferência de atletas suspeitos ou punidos por manipulação de resultados e demais infrações que afetem a integridade esportiva são uma lacuna presente no sistema desportivo atual, e que merecem atenção dos stakeholders.

Entretanto, mesmo com lacuna existente, o sistema jus desportivo detém de métodos para coibir a lacuna, por meio do aditamento de seus regulamentos e por meio da ação direta da Justiça Desportiva, que inclusive já criou um importante precedente com base no mencionado processo 134.3023.

Por fim, lembramos que o futebol é transnacional assim como os atos ilícitos contra a integridade esportiva, e que, portanto, suas penas deveriam seguir a mesma lógica.

Crédito imagem: Juventude

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Matheus Laupman, advogado de Murta Goyanes (equipe de mídia, entretenimento e esportes), mestrando em Direito Desportivo pela PUC-SP, gestor esportivo pela FGV/FIFA/CIES, auditor assistente do STJD do Futebol, membro filiado do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, ex-secretário do TJD–SP do Futebol e ex-responsável pelo Departamento de Filiação da FPF.

[1] Art. 242. Dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural mencionada no art. 1º, § 1º, VI, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).  PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e eliminação.  Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o intermediário.

[2] Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.  – 56 – PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias. (NR). § 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (NR).  § 2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com pena de eliminação, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (NR).

[3] Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).  PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).  Parágrafo único. Se do procedimento atingir-se o resultado pretendido, o órgão judicante poderá anular a partida, prova ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de doze a vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

[4] 2 Objectives The objectives of FIFA are: to promote integrity, ethics and fair play with a view to preventing all methods or practices, such as corruption, doping or match 11I. GENERAL PROVISIONS manipulation, which might jeopardise the integrity of matches, competitions, players, officials and member associations or give rise to abuse of association football.

[5] A despeito de estarmos diante de infrações disciplinares cometidas, processadas e julgadas em território nacional e a gravidade do fato determino a extensão da punição de eliminação ao Atleta Marcos e suspensão de 720 diasao Atleta Gabriel, nos termos do Código Disciplinar da FIFA – 2023, em seu artigo 70.1:

  1. Extending sanctions to have worldwide effect
  2. If the infringement is serious, in particular but not limited to discrimination, manipulation of football matches and competitions, misconduct against match officials, or forgery and falsification, as well as sexual abuse or harassment, the associations, confederations, and other organising sports bodies shall request that the Disciplinary Committee extend the sanctions they have imposed so as to have worldwide effect (worldwide extension).

Tradução Livre: 70. Ampliação das sanções para efeito mundial Rua Uruguaiana 55, 10º andar / Sala 1002 – Centro – RJ e-mail: [email protected] | www.stjd.org.br | + 55 21 3035-6200

  1. Se a infração for grave, particularmente mas não limitada à discriminação, manipulação de partidas e competições de futebol, má conduta contra arbitragem, ou falsificação e falsificação, bem comomabuso sexual ou assédio, as associações, confederações e outros esportes organizadores devem solicitar ao Comitê Disciplinar a extensão das sanções eles impuseram de modo a ter efeito mundial (extensão mundial).
  1. Dessa forma, determino que a Confederação Brasileira de Futebol solicite à FIFA a extensão internacional dos efeitos das sanções aqui aplicadas, bem como proceda a averbação das punições no Registro dos Atletas

https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202306/20230623154443_837.pdf

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