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O ressurgimento do Botafogo e o ressurgimento da NBA relatado na série “Lakers – Hora de Vencer”

Por José Francisco C. Manssur

Como pode alguém que gosta de futebol não celebrar tudo de bom que tem acontecido nos últimos meses com o Botafogo de Futebol e Regatas?

Os últimos nos vinham sendo de enormes dificuldades para o Time da Estrela Solitária, em face de gestões com todas as características ruins do modelo associativo, que, de mais a mais, não souberam explorar o potencial de uma torcida cujo amor, “ninguém cala”.

Muito ao contrário, os dirigentes eleitos em processos políticos afundaram o Clube em dívidas astronômicas e o levaram ao ostracismo no contexto das grandes disputas, que foram substituídas por idas vindas à Série B do campeonato nacional.

O Glorioso é o time que mais cedeu jogadores para as seleções brasileiras em copas do mundo. O time de Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Zagallo, Jairzinho e Paulo Cezar Caju é protagonista da História vencedora do futebol brasileiro.

Não poderia continuar trilhando o perigoso caminho que vinha seguindo. O Botafogo estava longe de ocupar o lugar condizente com sua grandeza, a bem da justiça histórica com o próprio futebol brasileiro e mundial e flertava perigosamente com um cenário de irreversível insolvência.

Eis que então, também em razão do desprendimento de dirigentes atuais, mesmo que também oriundos do modelo associativo – justiça seja feita – o Botafogo teve a coragem de realizar a necessária mudança estrutural. Constituiu a SAF nos moldes da lei 14.193/2021 e permitiu a alienação de ações da companhia recém-constituída em favor de investidor estrangeiro.

John Textor assumiu o controle do Botafogo SAF com um cronograma de aporte de recursos que permitiu a contratação de atletas para reforçar o elenco que vinha do acesso da Série B e um plano efetivo de enfrentamento das dívidas, a partir da utilização da ferramenta dos Modelos de Quitação de dívidas previstos na Lei da SAF.

Seria justificável acreditar que o início da virada do Botafogo teria resultado, exclusivamente, da capacidade e disponibilidade do investidor para o aporte de recursos financeiros. Entretanto, os fatos mostram que não foi apenas isso. Da mesma forma, também é precipitado constatar que a mudança estaria consolidada, quando, saudando o bom começo, devemos reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer.

Ocorre que, John Textor, com a experiência no comando de negócios envolvendo a transmissão de modalidades esportivas populares nos Estados Unidos e participação acionária em equipe que disputa o Campeonato Inglês de Futebol, agregou rapidamente conceitos de Esporte & Entretenimento aos jogos do Botafogo, principalmente aqueles realizados no Estádio Nilton Santos, além de uma profunda mudança nos processos internos de gestão.

A combinação entre a montagem de um time competitivo, a retomada da autoestima e da confiança do torcedor e o conceito de que uma arena esportiva deve oferecer uma experiência de entretenimento que vá além dos 90 minutos de jogo resultaram em um dos espetáculos mais bonitos de se presenciar no futebol brasileiro atual: o Nilton Santos lotado e o maravilhoso apoio que os botafoguenses dão ao time, com seus cantos que transformam o jogo em uma ópera popular emocionante mesmo para aqueles que não comungam de suas cores.

O conceito do investidor “frio e calculista”, que só pensa nos lucros e menospreza paixão que move o futebol cai por terra, e constrange seus ainda resistentes defensores, no momento em que o bilionário empresário norte-americano entra em campo, passeia pela pista de atletismo ostentando a bandeira da Estrela Solitária, visivelmente emocionado com a reação da massa.

Como ninguém havia pensado antes na ideia de o time com o nome de Botafogo entrar em campo saudado por candentes lança chamas? Chega a ser daquelas invenções que são tão belas, uma vez que até um pouco óbvias.

Quem conhece os conceitos de Esporte & Entretenimento aplicados com sucesso nas modalidades norte-americanas e, cada vez mais, no futebol europeu, sabe que a exploração econômica do negócio não pode prescindir da emoção e da paixão dos fãs.

Basta assistir às disputas atuais entre Liverpool e Manchester City na Premier League Inglesa, para se notar o enorme desafio retórico de quem pretenda seguir defendendo que os clubes-empresa não priorizam o bom futebol, os anseios do torcedor apaixonado, a vitória em jogos e conquistas de títulos ou que a substituição do modelo associativo pelo empresarial irá tornar o futebol um “negócio frio”, sem o componente emocional. Os fatos se impõem.

E nesse ponto contribui para a discussão a ótima série veiculada na HBO com o título “Lakers: Hora de vencer”.

A série se passa no final dos anos 70 e começo dos anos 80. Mostra o cenário de uma NBA – a Liga Americana de Basquete – muito diferente daquela que o Mundo assiste maravilhado hoje em dia. A NBA daqueles tempos vivia anos de decadência, ginásios sujos e descuidados, muito mais voltados a criar ambientes hostis para adversários do que conforto para o público, atletas despreocupados com o exemplo e as mensagens a serem transmitidas aos fãs, espetáculos esteticamente pobres, enfim, uma Liga triste que só atraia a atenção e a presença dos apreciadores mais fervorosos da modalidade.

É triste constatar, mas a NBA daqueles tempos faz lembrar em muito o ambiente soturno e temerário de várias partidas da Taça Libertadores da América ou da Copa Sul-americana de hoje em dia. Mas, isso é tema para outro texto.

Voltando à série, o argumento relata a aquisição do tradicional time de basquete de Los Angeles – os Lakers – por um investidor, Jerry Buss, que passa a defender e aplicar conceitos de Esporte & Entretenimento.

A compra dos Lakers por Buss não só muda completamente a face da franquia, para além da montagem de uma das equipes mais fantásticas que a NBA já teve – os Lakers de Earving “Magic” Johnson, Kareem Abdul-Jabbar e Cia. levaram ao extremo a alcunha que receberam, de “Show Time”, dentro e fora das quadras – mas também, provoca o início de uma revolução na própria NBA, quando, impulsionada pela jovialidade do futuro Gerente Geral David Stern, olha para os Lakers de Buss e passa aplicar suas premissas de organização para toda a Liga.

Buss menciona, em diversos momentos, que uma arena esportiva somente será atraente se oferecer ao público, mais do que o entretenimento do jogo em si, opções de lazer antes, durante e depois da subida da bola laranja. “As pessoas quando saem de casa precisam viver uma experiência”, diz o novo dono do time de basquete em seus textos ditos na série pelo brilhante ator John C. Reilly, o que vai muito além de presenciar em um evento esportivo, por mais disputado em alto nível que seja.

Então, o ginásio dos Lakers passa a absorver e pulsar toda a efervescência da Los Angeles daqueles tempos. Uma casa noturna que funciona não só antes, durante e depois das partidas, mas também, em dias nos quais não havia jogos, serve para tornar a arena esportiva um lugar frequentado por artistas e celebridades. A série mostra momentos em que Buss, conhecido bon vivant, cuida de cada detalhe da boate, às vezes, com mais atenção do que aquela que dispensa, por exemplo, ao processo de escolha do treinador do time.

As celebridades que passam a frequentar a casa noturna, criam, então, o hábito de “aparecer” nas primeiras fileiras de cadeiras estrategicamente instaladas à beira da quadra nos jogos. Em dado momento, Buss afirma, ao determinar o enviou de ingressos para toda a temporada ao ator e torcedor fanático Jack Nicholson, que “quem está na arquibancada precisa ver que grandes estrelas também vieram aqui assistir ao mesmo jogo que eles”. É a aplicação prática do conceito de experiência, que coloca o torcedor como protagonista e parte integrante do evento, não só um mero expectador passivo. O conceito absorve para o interior da arena esportiva e explora a fixação da população da Meca do Cinema por celebridades. É ou não é uma sacada de mestre? O futuro mostrou o tamanho do sucesso obtido.

Além de uma ótima aula sobre gestão do esporte, “Lakers: Hora de Vencer” tem um elenco em grande forma – além de Reily e de Quincy Isaiah, mais que atuando, “incorporando” Magic dentro e fora da quadra, o lendário treinador Pat Riley é interpretado pelo brilhante Adrien Brody de “O Pianista” – a série tem um diretor consagrado que traz uma linguagem de filmagem e fotografia autoral e interessantíssima, além de um roteiro que aborda diversos assuntos fundamentais que se desenvolvem em paralelo à abordagem esportiva. É dramaturgia de grande qualidade.

Tal qual o Lakers dos anos 80, o Botafogo SAF de 2022 pode ser a fagulha – com o perdão do trocadilho – do ressurgimento, não só do Glorioso, mas de todo um novo futebol brasileiro, para mostrar que o estímulo à chegada de novos agentes aos nossos times, mais do que o fundamental aporte financeiro, pode contribuir para a implementação de novos conceitos de gestão do espetáculo esportivo, para quem sabe, em breve, tenhamos estádios pulsando de forma tão efervescente como hoje, a torcida do Fogão, consegue fazer no Estádio consagrado com o nome do Gênio Nilton Santos.

Sempre que o Botafogo esteve nos seus melhores dias, assim também esteve o futebol brasileiro. Oxalá!

Crédito imagem: Botafogo

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