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O STJD como câmara arbitral

Uma interessante decisão[1] foi proferida pela 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do TJSP em 16/08/2021 sobre arbitragem desportiva.

Falei sobre isso nesta coluna há um ano, abordando a questão de maneira teórica, sob o viés da reforma da justiça desportiva e questionando se seria a arbitragem o caminho apropriado.

A referida decisão do TJSP nos permite voltar ao debate, agora refletindo sobre um caso concreto.

Vamos aos fatos do caso: a Federação Paulista de Judô procurou o judiciário para questionar uma sentença arbitral proferida pelo STJD do Judô.

A decisão do STJD havia declarado a nulidade da Assembleia Geral Ordinária realizada em 23/04/2021, além de ter confirmado a intervenção na entidade anteriormente concedida por meio de liminar, que afastou o presidente eleito.

Não se questionou a competência do STJD para dirimir a questão, já que tanto o estatuto da Confederação Brasileira de Judô quanto o estatuto da Federação Paulista de Judô[2] preveem a eleição do tribunal desportivo como órgão arbitral para dirimir controvérsias como as que permeiam o caso em tela.

O questionamento da Federação Paulista de Judô está relacionado às supostas irregularidades formais no procedimento arbitral; a análise do judiciário, portanto, não recai sobre o mérito da questão, mas sobre o procedimento.

A decisão judicial deferiu o pedido da Federação Paulista de Judô para suspender a eficácia das decisões e da sentença proferida pelo STJD, determinando a retomada da administração da entidade ao presidente eleito Alessandro Panitz Puglia.

A decisão tem caráter liminar, sendo, portanto, passível de revisão ao final da demanda.

Há três aspectos que fundamentam a decisão e que serão objeto da atenção da coluna de hoje:

  1. A incompetência do STJD para a concessão da medida de urgência que suspendeu os efeitos das decisões tomadas em Assembleia e nomeou o interventor para a Federação Paulista de Judô;
  2. A irregularidade na nomeação dos árbitros para o tribunal arbitral, e;
  3. A ausência do compromisso arbitral e a convenção de arbitragem dos estatutos como cláusula compromissória vazia.

Antes de analisar cada um desses pontos, é importante ressaltar que, ainda que os estatutos da Confederação Brasileira de Judô e da Federação Paulista de Judô tenham nomeado o STJD como competente para dirimir questões como as do caso em tela, nenhuma das entidades desportivas possui regulamento próprio que discipline o procedimento arbitral.

É por isso que toda análise do caso em tela deve, necessariamente, ser realizada a luz da Lei da Arbitragem, a Lei n° 9.307/1996.

  1. A incompetência do STJD

Pode parecer contraditório falar da incompetência do STJD quando há nomeação do tribunal nos estatutos da Confederação Brasileira de Judô e da Federação Paulista de Judô como meio de resolução de conflitos

Mas é que essa incompetência é sobre a decisão liminar proferida pelo presidente do STJD na qual foi nomeado interventor à Federação Paulista de Judô.

A Lei da Arbitragem prevê que “antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência[3].

É dizer, portanto, compete à justiça comum proferir decisões de caráter cautelar ou de urgência, não ao STJD.

A lei é clara ao determinar que, antes da instauração da arbitragem, é o judiciário que deve proferir decisões liminares.

Assim, a despeito de a decisão liminar proferida pelo STJD ter mencionado a instauração do painel arbitral, tal decisão limitou-se a determinar a indicação, pelas partes, de árbitros para compor o Tribunal Arbitral.

O painel arbitral somente foi instalado em decisão posterior, datada de 23/04/2021.

  1. A irregularidade na nomeação dos árbitros para o tribunal arbitral

A Lei da Arbitragem dá às partes liberdade para decidir os termos que disciplinarão a arbitragem, apenas fazendo ressalva no que se refere à não “violação aos bons costumes e à ordem pública”.

Essa liberdade é observada, inclusive, na escolha dos árbitros. Podem as partes nomear os árbitros que comporão o Tribunal Arbitral livremente.

A lei nem ao menos limita a quantidade de árbitros; tão somente estabelece que sejam sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes.

Para a constituição do Tribunal Arbitral no caso em tela, houve a indicação de um árbitro pela Confederação Brasileira de Judô e de dois árbitros pelo próprio presidente do STJD: um em nome da Federação Paulista de Judô (que, até então, sequer havia comparecido no processo) e outro em nome do STJD, que ocuparia a função de presidente do Tribunal Arbitral.

Ocorre que essa forma como deu-se a composição do Tribunal Arbitral foi irregular.

É que, a despeito de a Lei da Arbitragem dar liberdade às partes na indicação dos árbitros que comporão o Tribunal Arbitral e a despeito de não haver um regulamento específico de arbitragem das entidades envolvidas, há previsão sobre a indicação dos árbitros no estatuto da Confederação Brasileira de Judô.

Esta é a previsão do estatuto no § 2º do artigo 6º:

“§ 2º – Para fins de arbitragem conforme previsto no presente artigo, cada uma das partes envolvidas indicará um membro Auditor do STJD, cabendo a quem estabelecer a arbitragem, a primeira indicação do árbitro e, após a indicação das partes, o Presidente do STJD indicará um terceiro membro que funcionará como Presidente da Câmara Arbitral”.

Assim, a formação do Tribunal Arbitral deveria ser realizada com a indicação de um árbitro pela Federação Paulista de Judô, um pela Confederação Brasileira de Judô e um pelo STJD, que atuaria como presidente do Tribunal Arbitral.

  1. A ausência do compromisso arbitral e a convenção de arbitragem dos estatutos como cláusula compromissória vazia

Arbitragem deve ser consensual; as partes precisam estar de acordo com a forma de resolução do conflito por meio da arbitragem.

Essa vontade de submeter seus conflitos ao juízo arbitral deve ser expressa pelas partes mediante convenção de arbitragem, que se dá em forma de cláusula compromissória e do compromisso arbitral.

A cláusula compromissória consta do instrumento firmado entre as partes sendo, portanto, prévia à existência do conflito.

Já o compromisso arbitral é realizado após o surgimento do conflito, quando ambas as partes acordam em remeter seu litígio ao crivo do juízo arbitral. É nesse documento que se delimita a controvérsia, se qualifica as partes e os árbitros, se esclarece sobre a legislação aplicável e se ordena o procedimento como um todo.

No caso em tela, foi instaurada a arbitragem, com a formação do Tribunal Arbitral, sem a celebração do compromisso arbitral.

Ora, mas se os estatutos da Confederação Brasileira de Judô e da Federação Paulista de Judô previam a arbitragem como meio de resolução de conflitos, a princípio, estaria satisfeita a declaração de vontade já que essa previsão nos estatutos seria considerada uma cláusula compromissória.

Ocorre que o TJSP considerou que, mesmo havendo a previsão nos estatutos, a celebração do compromisso arbitral deveria ser realizada, nos termos da Lei de Arbitragem.

É que as convenções de arbitragem prevista nos estatutos enquadram-se na definição de cláusula compromissória vazia, de acordo com a decisão judicial.

Uma cláusula compromissória vazia não prevê todas as regras necessárias à instituição e processamento da arbitragem.

Nesse sentido, prevê o artigo 5º da Lei de Arbitragem:

Art. 5º Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.

A existência de uma cláusula compromissória vazia, portanto, faz com que haja a necessidade da celebração do compromisso arbitral para validar a instauração da arbitragem, algo que não ocorreu no caso em tela.

Conclusão

Como destacado nesta coluna, no debate atual sobre a reforma da Justiça Desportiva, uma das ideias é a de transformá-la, adaptando-a, ao sistema arbitral.

A análise do caso ocorrido no Judô nos permitiu identificar algumas adaptações que devem ser realizadas caso, de fato, seja da vontade da comunidade desportiva a adoção da arbitragem como meio de solução de conflitos.

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[1] Processo n° 1069169-19.2021.8.26.0100

[2] Cláusula 6ª e Cláusula 71, respectivamente

[3] Artigo 22-A, Lei n° 9.307/1996.

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