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O sujeito do Direito Esportivo, este ser soberano

Não há como falar acerca de direito sem se passar sobre a categoria do “sujeito”. Seja o portador de direitos, seja aquele a quem se destinam as obrigações, seja o sujeito que constitui direitos. E aqui menciono o sujeito enquanto o indivíduo, homem ou mulher que se relaciona em sociedade. Desde a revolução copérnica que o ser humano passa a ser o centro do debate filosófico ocidental, e isso tem forte influência na constituição do Estado e dos direitos modernos.

O fim do absolutismo, principalmente tendo como marco a Paz da Vestfália de 1648, é também a tradução para a política da ruptura com um Direito Natural fundado em bases teológicas. A razão humana passa a ser o fundamento do jusnaturalismo. É o que já defendia Hugo Grotius, autor das primeiras minutas de tratados que puseram fim, por meio da Paz da Vestfália, à “Guerra dos 30 anos” que assolava a Europa.

Mais de um século depois, Immanuel Kant, na mesma esteira do combate ao absolutismo, desenvolve a noção de indivíduo como portador da razão em que se funda o Estado. Não mais um ente celestial ou um monarca seria a justificativa para o poder estatal, cedendo lugar ao indivíduo, como portador da razão. Esse indivíduo surgiria com liberdade para racionalmente escolher aderir a um imperativo categórico que funcionaria como uma lei maior. Se todos os indivíduos acolhessem o imperativo categórico voluntariamente, estaria pavimentado o caminho para uma paz perpétua universal.

Georg F. Hegel parte de Kant em sua teoria acerca da racionalidade como constitutiva do poder, porém dele discordando quanto a fundamentar a justiça no indivíduo. Ao contrário, Hegel vê o Estado como concretizador da razão. O Estado seria a “razão em-si e para-si”.

Todos já devem estar se perguntando onde entra o Direito Esportivo nessa longa introdução. Vamos lá. Em colunas anteriores, vimos que o problema da autonomia esportiva estava relacionado à própria noção filosófica de autonomia. Pois esse aí em cima é o principal debate histórico relacionado ao tema. Mas onde?

O problema está na interpretação do sentido da soberania ou, como já fizera antes Jean-Jacques Rousseau, no embate entre soberania popular e soberania estatal. O Estado moderno fundou-se na ideia de uma soberania estatal que se fundava na soberania popular. Temos aqui, assim, também um embate entre autonomia do indivíduo e heteronomia. A soberania popular se realizaria por meio do Estado, e o desejo da maioria se imporia mesmo que contra a vontade individual.

Esse novo Estado, ou Estado burguês, baseava-se não mais no Direito Natural, mas no Direito Positivo. Havia dificuldades para se conceber pluralidade de fontes normativas, tarefa sob monopólio estatal. Tanto a produção de direito deveria se limitar à esfera do Estado, como a vontade individual deveria se curvar ao império da maioria.

Sabemos que o Estado constitucional contemporâneo surge como garantidor dos direitos individuais e da proteção das minorias. Ainda que se resguarde amplo espaço para a heteronomia, a autonomia do indivíduo passa a ser um bem jurídico tutelado constitucionalmente. Também na teoria constitucional dos nossos dias, o indivíduo é tido não só como sujeito de direitos, como também um sujeito constitucional (na linha de Michel Rosenfeld). Isso significa que um Estado de Direito se funda, dada a característica aberta e indeterminada das normas, na forma como o cidadão se relaciona com as leis no seu cotidiano, legitimando-as e ressignificando-as.

Isso ocorre também no campo do Direito Esportivo. Não se concebe hoje que somente o Estado seja fonte normativa (o Direito Esportivo é filho do “pluralismo jurídico”). Do mesmo modo, não se entende que qualquer norma jus-esportiva possa ter assento fora da legitimidade que a ela se dá pelos sujeitos desse direito (o atleta, primordialmente; e, de forma mediata, os membros de comissões técnicas, dirigentes e organizações esportivas).

O sujeito do Direito Esportivo é por si mesmo autônomo e constitui, legitima e relegitima/deslegitima cotidianamente o arcabouço jurídico que envolve o sistema esportivo transnacional (Lex Sportiva). A legitimidade do direito e da autonomia no esporte está nesse indivíduo/sujeito jurídico.

Aqui entra um necessário diálogo com J. Habermas, e é o que me proponho a fazer em nosso próximo encontro.

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