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O susto e a segurança

A corrida do último domingo na Fórmula 1 foi marcada pelo impressionante acidente sofrido pelo francês Romain Grosjean logo na primeira volta. Uma colisão improvável com o guard rail em plena reta provocou imediata explosão, em cena que não se via na principal competição de automobilismo do mundo há décadas. Após alguns minutos de tensão, enfim a transmissão do evento exibiu o piloto são e salvo sob os cuidados da equipe médica, para alívio de todos.

As imagens posteriormente exibidas dão a dimensão da gravidade do acidente: o carro partido ao meio, com a parte traseira de um lado do guard rail e a parte dianteira (incluindo a célula de sobrevivência, onde fica o piloto) tendo atravessado essa barreira; depois a cena do piloto deixando o carro em meio às chamas e sendo socorrido pelo médico. Muito provavelmente, se essas imagens fossem parte de uma produção de Hollywood, julgaríamos inverossímil que o protagonista saísse dessa situação apenas com queimaduras nas mãos e num dos pés; mas, felizmente, foi exatamente esse o saldo de um acidente tão grave e chocante.

Esta não é a primeira vez que tratamos de segurança em nossa coluna; há alguns meses, abordamos aqui a importância das bandeiras e do safety car, ambos exemplos de como a Lex Sportiva contribui na mitigação dos riscos inerentes ao esporte. Tendo em vista a repercussão do acidente havido no último fim de semana e, sobretudo, o fato de Grosjean ter sofrido apenas lesões “leves” diante de cenário tão impressionante, faz-se necessário retornar a esse tema – dessa vez trazendo elementos dos regulamentos da Fórmula 1 que contribuíram para a segurança do piloto nesse caso concreto.

De início, cumpre ressaltar que as especificações dos carros de Fórmula 1 são definidas no Regulamento Técnico da competição, aprovado pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA). É, portanto, esse documento criado no âmbito da Lex Sportiva que define todos os detalhes técnicos a serem seguidos pelas equipes ao projetar e construir seus carros.

Seus itens 15.4 e 15.5 definem as especificações da célula de sobrevivência em que fica o piloto, incluindo suas dimensões e seus materiais; a descrição é minuciosa, revelando a justa preocupação em preservar a segurança do piloto em caso de choques violentos, por meio da construção de uma peça altamente resistente. E a verificação do atendimento a todas as condições se dá por meio de testes de carga descritos no artigo 18. Esse arcabouço normativo, responsável pela criação da célula de sobrevivência e por assegurar sua eficiência, certamente contribuiu para que Romain Grosjean não tenha sofrido nenhuma fratura apesar do forte impacto.

Além disso, o mesmo regulamento prevê ainda que todos os carros devem ser submetidos a testes de impacto. É o artigo 16 que dispõe sobre isso, assegurando que os carros somente vão às pistas caso aprovados nessas avaliações; ademais, determina que quaisquer alterações significativas na estrutura de um carro demandam a realização de novos testes.

Mas a preocupação com a segurança não se restringe ao Regulamento Técnico da competição. A FIA tem, ainda, normas que tratam de aspectos importantes nesse âmbito e que são aplicáveis a categorias diversas.

Exemplo disso é a Norma FIA 8869-2018, que trata da proteção frontal adicional para monopostos – o que é comumente chamado por halo, e que também exerceu papel importante para preservar a integridade de Grosjean no acidente desta semana. A norma estabelece os requisitos mínimos do equipamento (inclusive definindo seu material), bem como os procedimentos de sua homologação pela própria FIA.

Além disso, também vale destacar as Normas FIA 8860-2010 e 8856-2018. A primeira dispõe sobre os capacetes dos pilotos, contemplando o procedimento de homologação, os testes necessários para tanto e o peso máximo do equipamento, dentre outros aspectos. A segunda trata dos equipamentos de proteção dos pilotos (macacão, luvas, sapatilhas, etc), e expressamente aduz que eles devem ser projetados com ênfase na proteção contra “exposição direta ao fogo” e “queimaduras de segundo grau por um período limitado de tempo” (traduções livres). No caso do acidente havido no último fim de semana, o rigor da FIA quanto às especificações de capacetes e macacões foi preponderante para que o piloto, mesmo envolto pelas chamas por quase meio minuto, não inalasse fumaça nem tivesse queimaduras mais graves.

Enfim, no momento em que se presencia um acidente tão impressionante quanto o do último fim de semana, não raro se atribui o fato de o piloto escapar quase ileso a um milagre ou à sorte. Mas, sem afastar a possível influência desses aspectos[1], a verdade é que as múltiplas normas da FIA revelam que os padrões de segurança estabelecidos no âmbito da Lex Sportiva também contribuíram decisivamente para que tudo não passasse de um imenso susto.

……….

[1] Como diria Nelson Rodrigues: “Sem sorte não se chupa nem um Chicabon. Você pode engasgar com o palito ou ser atropelado pela carrocinha”.

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