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O tal do transfer ban no Cruzeiro – poderia o clube sofrer sanções mais pesadas na FIFA por falta de pagamento?

No último dia 07 de julho o presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, concedeu uma entrevista coletiva na qual foram abordadas diversas questões relevantes para o clube. Uma delas é sobre a punição aplicada pela FIFA na qual há a proibição de realizar novos registros de atletas, o famoso transfer ban.

A punição está vigente desde o dia 29 de junho e assim permanecerá até que o clube quite a dívida de aproximadamente R$ 7 milhões com o Defensor Sporting do Uruguai, oriunda da contratação do meia De Arrascaeta no ano de 2015.

O transfer ban não é novidade no futebol brasileiro. Recentemente também o Santos foi apenado com a medida, que vigorou até que o clube conseguiu quitar a dívida com o Huachipato.

O transfer ban não é novidade nem no Cruzeiro. Em setembro de 2020 o clube também foi proibido de registrar novos atletas até que quitasse a dívida de quase R$ 8 milhões com o Zorya, da Ucrânia, oriunda da contratação do atacante Willian “Bigode”.

Também em novembro de 2020 houve transfer ban no clube mineiro por inadimplemento junto ao PSTC, clube paranaense, pelo não repasse de 20% dos valores oriundos da transferência do atleta Bruno Viana ao Olympiacos, da Grécia.

Além disso, o Cruzeiro já enxerga no horizonte outro transfer ban, este advindo de uma dívida com o clube mexicano Mazatlán por conta da contratação do atacante Riascos.

É nesse cenário que se questiona sobre a possibilidade de aplicação de uma medida mais gravosa ao clube mineiro; afinal, qual seria a real efetividade de um transfer ban sobre um clube que já está proibido de registrar novos atletas?

Entendo que é possível a aplicação de uma punição distinta, a despeito de, obviamente, não poder afirmar com certeza o que a FIFA decidirá.

Sustento meu entendimento na leitura que faço do artigo 15 do Código Disciplinar da FIFA[1]. O transfer ban é uma medida aplicada justamente por infração a este artigo. Veja o teor do artigo 15 (até a alínea “c”), numa tradução livre:

Artigo 15. Descumprimento de decisões

  1. Qualquer pessoa que deixar de pagar a outra pessoa (como um jogador, um treinador ou um clube) ou a FIFA uma quantia total ou parcial em dinheiro, mesmo após ser instruído a fazê-lo por um órgão, comitê ou instância da FIFA ou por decisão do CAS (decisão financeira), ou qualquer pessoa que não cumpra outra decisão final (decisão não financeira) aprovada por um órgão, uma comissão ou um instância da FIFA, ou pelo CAS:

a) será multado por descumprimento de decisão; além disso:

b) terá prazo final de 30 dias para efetuar o pagamento do valor devido ou para cumprir a decisão não financeira;

c) no caso de clubes, ao expirar o prazo final acima mencionado e em caso de inadimplência persistente ou falha no cumprimento integral da decisão dentro do prazo estipulado, será proibida a transferência de atletas (transfer ban) até que o valor total devido seja pago ou que a decisão não financeira seja cumprida. Além da proibição de transferência (transfer ban), a dedução de pontos ou o rebaixamento para uma divisão inferior também pode ser ordenada no caso de inadimplemento persistente, ofensas repetidas ou infrações graves ou se a proibição de transferência não puder ser imposta por qualquer motivo[2].

O Comitê Disciplinar da FIFA possui a tarefa de garantir que as decisões aprovadas por um órgão, um comitê ou uma instância da FIFA ou, ainda, uma decisão recursal do Tribunal Arbitral do Esporte, na Suíça (“CAS”), sejam são respeitadas e cumpridas.

O procedimento, então, é o seguinte:

  1. O credor aciona o Comitê Disciplinar para informar sobre um suposto inadimplemento;
  2. O Comitê conduz o procedimento para verificar se, de fato, há o inadimplemento;
  3. Confirmado o inadimplemento, aplica-se uma multa e estabelece-se o prazo de 30 dias para pagamento;
  4. Permanecendo o inadimplemento, aplica-se automaticamente o transfer ban até que a dívida seja quitada. A CBF tem a obrigação de verificar o adimplemento. Caso negativo, deve aplicar a sanção automaticamente.

Observe que a alínea “c” do artigo 15 prevê que a perda de pontos ou o rebaixamento também podem ser aplicados a depender do caso. O artigo fala em “caso de inadimplemento persistente, ofensas repetidas ou infrações graves. ”

É importante, conduto, analisar as palavras que a FIFA utiliza no artigo. Quando o artigo fala da aplicação do transfer ban o verbo usado é “será” – “será proibida a transferência de atletas” (“a transfer ban will be pronounced”).

Já quando o artigo fala da perda de pontos e do rebaixamento, este utiliza a palavra “pode” – a dedução de pontos ou o rebaixamento para uma divisão inferior também pode ser ordenada” (“A deduction of points or relegation to a lower division may also be ordered”)

Pode parecer papo de advogado, mas o uso das palavras “será” e “pode” é importante.

Significa que a perda de pontos e o rebaixamento são medidas que o Comitê Disciplinar só fará uso caso entenda pertinente; dito de outra forma, é uma decisão subjetiva, que permite uma análise casual.

Já no caso do transfer ban, cujo verbo aplicado é o “será”, não há espeço para análise: constatado o inadimplemento, aplica-se.

O caso que o Comitê Disciplinar analisará é o do Cruzeiro: clube sobre o qual já está aplicado o transfer ban. Pode ser que o Comitê Disciplinar (caso confirme o inadimplemento do clube) decida por manter somente o transfer ban.

E pode ser que o Comitê Disciplinar decida por aplicar a medida da perda de pontos ou do rebaixamento, já que o artigo 15, alínea “c” dá ao Comitê essa possibilidade. Observemos.

Caso Denilson, a perda dos 6 pontos e o rebaixamento para a série C (ou até para a série D)

O Cruzeiro iniciou a temporada de 2020 na série B do Campeonato Brasileiro com 6 pontos a menos em relação aos outros clubes da competição. A punição foi imposta por inadimplemento para com o Al-Wahda, dos Emirados Árabes Unidos, referente ao empréstimo do volante Denilson, em 2016.

Essa punição seguiu uma ordem distinta daquela que desenhamos acima. Isso porque o caso foi julgado à luz do Código Disciplinar antigo, que (resumidamente) invertia a lógica das punições por inadimplemento: aplicava-se a perda de pontos antes de aplicar-se o transfer ban.

Assim, de acordo com a antiga versão do Código Disciplinar (de 2017), a sanção padrão para clubes que não cumprissem com as decisões da FIFA ou do CAS (apenas em caso de recurso) era a dedução de pontos ou o rebaixamento para uma divisão inferior, com a possibilidade de transfer banem caso de persistir o inadimplemento.

Segundo a nova lógica do Código Disciplinar (a partir de 2019), a posição é inversa: se os clubes não obedecerem a uma decisão da FIFA ou do CAS (agora não somente em caso de recurso, mas também em processos originários daquela corte), a medida disciplinar padrão é o transfer ban, com possibilidade de redução de pontos ou rebaixamento, em caso de falha persistente, ofensas repetidas ou infrações graves[3].

No relatório disciplinar e ético publicado pela FIFA (abrangendo os anos de 2019 e 2020)[4], a entidade afirma que esta lógica provou ser mais eficaz do que aquela contemplada na anterior versão do código.

Ocorre que, de acordo com o presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos Rodrigues, a dívida com o Al-Wahda (que ocasionou na perda dos 6 pontos na temporada passada) ainda não foi quitada.

Pela permanência do inadimplemento, o Al-Wahda acionou novamente o Comitê Disciplinar da FIFA que, ainda em 09 de agosto de 2020, emitiu decisão[5] no sentido de:

  1. Conceder novo prazo de 30 dias ao Cruzeiro para que quitasse a dívida;
  2. Em caso de permanência do inadimplemento, o Al-Wahda pode requerer ao Comitê que ordene o rebaixamento do Cruzeiro na temporada seguinte.

Dessa decisão cabia recurso ao CAS.

Em maio de 2020, o Lei em Campo publicou um artigo sobre as implicações práticas de um eventual rebaixamento do Cruzeiro à Série C do Campeonato Brasileiro[6], desenhando cenários para o caso de aplicação da sanção.

A referida decisão do Comitê Disciplinar “resolveu” essa questão, determinando que:

No que diz respeito ao tempo de implementação do rebaixamento do Devedor para a próxima divisão inferior da liga nacional, o membro do Comitê decide que o rebaixamento terá que ser implementado após o final da atual temporada e antes de a nova temporada começar, tendo assim um impacto na nova temporada. O Comitê especifica que, por exemplo, caso o time do Devedor seja rebaixado no final da temporada atual por razões desportivas ligadas à classificação final do campeonato que o Devedor está atualmente disputando, isso implicaria que o mesmo time seria rebaixado uma segunda vez, desta vez devido ao rebaixamento ordenado pelo membro do Comitê.

É dizer, portanto, que a aplicação da medida do rebaixamento somente seria feita após o término do Campeonato Brasileiro da série B. A depender do resultado desportivo (caso o Cruzeiro seja rebaixado “em campo”), o clube poderia ser rebaixado uma segunda vez e teria que disputar a série D do Campeonato Brasileiro.

Sem dúvida tratam-se de medidas extremamente gravosas, com as quais o clube deve atentar-se.

Crédito imagem: Cruzeiro

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[1] Disponível em https://digitalhub.fifa.com/m/2b6a6b73ba614d53/original/twc8yxh6fn0kjkgxhe9e-pdf.pdf

[2] Failure to respect decisions

  1. Anyone who fails to pay another person (such as a player, a coach or a club) or FIFA a sum of money in full or part, even though instructed to do so by a body, a committee or an instance of FIFA or a CAS decision (financial decision), or anyone who fails to comply with another final decision (non-financial decision) passed by a body, a committee or an instance of FIFA, or by CAS:

a) will be fined for failing to comply with a decision; in addition:

b) will be granted a final deadline of 30 days in which to pay the amount due or to comply with the non-financial decision;

c) in the case of clubs, upon expiry of the aforementioned final deadlineand in the event of persistent default or failure to comply in full with the decision within the period stipulated, a transfer ban will be pronounced until the complete amount due is paid or the non-financial decision is complied with. A deduction of points or relegation to a lower division may also be ordered in addition to a transfer ban in the event of persistent failure, repeated offences or serious infringements or if no full transfer could be imposed or served for any reason.

[3] https://www.lawinsport.com/topics/item/an-overview-of-the-new-fifa-disciplinary-code

[4] Disponível em https://digitalhub.fifa.com/m/51948471ba404788/original/hnuvyrpsxcu5lllv6sxy-pdf.pdf

[5] https://digitalhub.fifa.com/m/b1d4cdd68fde5f6/original/m04gzghp2kkyw7393ezz-pdf.pdf

[6] https://leiemcampo.com.br/as-implicacoes-praticas-de-um-eventual-rebaixamento-do-cruzeiro-a-serie-c-do-campeonato-brasileiro/

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