O Tribunal ou Corte Arbitral do Esporte, conhecido pelas siglas inglesa CAS (Court of Arbitration for Sport) ou francesa TAS (Tribunal Arbitral du Sport), com sede em Lausanne, na Suíça (país com tradição liberal de não-intervenção estatal nos negócios privados), é um tribunal arbitral criado com a finalidade de instituição de um foro especializado na resolução de conflitos desportivos como alternativa célere e acessível (apesar de ainda considerado relativamente caro) em relação aos tribunais nacionais, com clara vocação internacional. Sua principal atribuição é a apreciação, com independência, em grau de apelação, dos casos oriundos ou decididos em última ou única instância pelas federações internacionais ou nacionais, afastado das pressões locais, funcionando como um tribunal multiesportivo para as modalidades que o reconhecem.
O Tribunal foi constituído em 1983 pelo Comitê Olímpico Internacional (COI – entidade privada que possui “benesses” de órgão público no território “neutro” suíço) por iniciativa do seu então presidente, Juan Antonio Samaranch, com o escopo de criação de um tribunal de arbitragem desportiva capaz de fortalecer as federações desportivas internacionais e de uniformizar a prestação jurisdicional desportiva mundo afora. A partir de 1994, o TAS/CAS é reestruturado e uma fundação criada para tal finalidade o assume (ICAS/CIAS), tornando-se, então, plenamente independente do COI por força da “Convenção de Paris”. O ICAS/CIAS (International Council of Arbitration for Sport) é órgão colegiado responsável pela administração e gestão do tribunal, composto por 20 (vinte) membros dotados de notório saber jurídico desportivo e nomeados por período renovável de 4 (quatro) anos como forma de assegurar certa rotatividade entre os especialistas de todos os organismos esportivos internacionais.
Na perspectiva do sistema federativo, sua jurisdição decorre de submissão contratual e voluntária das partes, posto que o TAS/CAS é uma entidade privada. As federações internacionais também passam a incluir a cláusula compromissória (cheia) em seus estatutos (que de certa forma é um contrato de adesão) como forma de obrigar seus filiados (que o são também de forma voluntária) a submeter seus litígios ao tribunal arbitral e ainda os proíbe de acessar a Justiça Comum nos Estados nacionais, sob pena de desfiliação pela FIFA. Sendo o sistema privado e a filiação voluntária, a questão fica “resolvida”, garantido o funcionamento do sistema associativo livre de intervenção estatal.
O Tribunal Arbitral do Esporte é composto por 4 órgãos, sendo eles: a) Câmara Ordinária, que atuará quando o contrato do atleta, por exemplo, já prevê uma submissão imediata ao TAS ou em relação a questões puramente comerciais, como controvérsias contratuais, direitos televisivos, patrocínios, transferência de atletas, etc.; b) Câmara de Apelação, o mais importante na prática, o qual atua como instância recursal para as questões decididas pelas instâncias internacionais ou nacionais, como em face de uma decisão do pleno do STJD, por exemplo (o TAS exige o esgotamento das instâncias anteriores e uma submissão expressa a ele), normalmente em relação a pendengas envolvendo sanções disciplinares, doping, fair play financeiro ou regularidade de atletas, com prazo de interposição de 21 dias como regra; c) Câmara ad hoc, criada com finalidade específica e com atuação delimitada no tempo, como ocorre nos Jogos Olímpicos, ocasião na qual o tribunal é instalado na sede do evento, terá um código e procedimento próprios, funcionando dos 10 (dez) dias anteriores até os 10 (dez) dias posteriores à competição, com decisões relativas ao evento sendo proferidas no prazo de 24 ou 48h; d) Órgão Consultivo, que pode ser acessado pelos diferentes organismos desportivos em caso de dúvidas acerca da aplicação de seus regulamentos, sendo que a resposta será dada na forma de parecer, e não de sentença arbitral; e) Câmara ou Divisão Antidopagem, criada em 2016 a partir de delegação ao Tribunal, por parte do COI, do poder de decidir sobre qualquer violação ao Código Mundial Antidopagem por conta dos Jogos Olímpicos. Sua atuação deve dar-se junto à Câmara ad hoc por ocasião do evento esportivo, sendo que os árbitros de uma divisão não podem atuar nos casos de competência da outra.
Com passar o tempo, o TAS/CAS foi conquistando a confiança da comunidade esportiva internacional até se tornar referência internacional em termos de celeridade, especialização, credibilidade e qualidade decisória, fora o fato de que seu “DNA” privado se acopla perfeitamente à natureza dos contratos desportivos. Assim, acaba por atender uma antiga exigência do “mercado da bola”, máxime diante da verdadeira fixação que a FIFA possui em conferir segurança e estabilidade contratual aos negócios, o que, em última análise, garantirá a solidez do próprio produto, que é o futebol.
Nos termos da teoria geral da arbitragem, impera a autonomia da vontade das partes, que exercem o direito de ter suas demandas julgadas por um árbitro da sua escolha (atentos às especificidades das demandas esportivas), com liberdade para definir aspectos procedimentais e autonomia para convencionar o prazo para a entrega da prestação jurisdicional. Neste cenário, fica criado um ambiente propício para a consolidação de uma cultura de cumprimento espontâneo das decisões do TAS/CAS, posto que as partes, agora protagonistas e, sendo-lhes oferecido um processo justo e eficaz, com o qual concordaram, tendem a se conformar mais facilmente com as decisões arbitrais.
Como é comum a previsão de sigilo nos contratos, nem todos os laudos do tribunal são publicados em seu site ou no da FIFA e, quando for o caso da fixação de um precedente importante que seja de interesse da comunidade esportiva internacional, o julgado é divulgado sem os dados das partes e omitidas partes da decisão a partir da qual seja possível uma identificação indireta. Os idiomas padrão utilizados pelo TAS/CAS são o inglês e o francês, mas há a possibilidade de convenção entre as partes para o emprego de outra língua.
É comum o apontamento de que a submissão de conflitos desportivos ao TAS/CAS trazconsigo algumas vantagens substanciais, que confirmam os benefícios oferecidos pelas arbitragens comerciais tradicionais, máxime a redução dos custos da transação, a saber: a) especialidade: os procedimentos podem conduzidos por um árbitro único ou por colegiado de 3 (três) árbitros, escolhidos perante uma lista fechada de mais de 300 (trezentos) árbitros especializados em comércio internacional e direito desportivo – arbitragem institucional; b) neutralidade: o TAS/CAS é uma entidade não-governamental e independente de outros órgãos estatais ou desportivos, localizado na Suíça, país que tem histórico de neutralidade; c) direito desportivo global (lex sportiva), que é conhecido como o conjunto de normas e princípios (como o fair play, por exemplo) que são modelados a partir do conjunto de decisões e entendimentos do tribunal via construção jurisprudencial, particularmente diante da diversidade do direito desportivo, que é produzido em diversos níveis e esferas; d) celeridade: seus procedimentos são concluídos em curtíssimo espaço de tempo, preservado o respeito ao devido processo legal; e) confidencialidade: os procedimentos são sigilosos, o que é fundamental ao ambiente negocial, exceto as decisões proferidas pela Câmara de Apelação, que devem ser públicas, a não ser que haja acordo entre as partes e o TAS/CAS (norma R59 do Código do TAS[1]); f) custos: o acesso ao TAS/CAS é substancialmente menos custoso que aos tribunais arbitrais privados tradicionais; g) irrecorribilidade: os laudos do TAS são vinculantes, finais e irrecorríveis, o que rapidamente define e estabiliza o conflito, sendo que qualquer eventual questionamento fica restrito às hipóteses previstas do Código Federal Suíço de Direito Internacional Privado – PILA (violação do devido processo legal, violação da convenção arbitral, vício de congruência, etc.), devendo ocorrer no próprio território suíço perante o “STF” local; h) revisão e execução dos laudos arbitrais: o secretaria do TAS/CAS empreende relevante esforço de revisão minuciosa de cada laudo proferido, possibilitando imediata e segura exequibilidade e reconhecimento dos mesmos em qualquer jurisdição.
Vários foram os casos paradigmáticos julgados pelo TAS/CAS que retratam a relevância da sua atuação na seara esportiva no sentido da conformação da chamada lex sportiva, como a autonomia das federações internacionais em relação à administração de suas respectivas modalidades, o fair play, a irrecorribilidade das decisões tomadas dentro de campo, a proporcionalidade das sanções a serem aplicadas ao eventual infrator e o princípio da strict liability em matéria de doping, que atribui responsabilidade objetiva ao atleta para o caso de infração às normas antidoping, cabendo ao órgão que identifica a violação a comprovação da existência da substância proibida no organismo do atleta.
Enfim, não há dúvidas que a experiência bem-sucedida do TAS/CAS inspirou a criação da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) por parte da CBF. Em algum momento futuro, em perfeita simetria em relação ao ocorrido pelo Tribunal Arbitral do Esporte em relação ao COI, seria importante que a Câmara nacional também ganhasse vida própria em relação à CBF.
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Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2024.
[1] Para acesso à íntegra do Código do TAS/CAS, versão 2023 (última), em língua inglesa: https://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/CAS_Code_2023__EN_.pdf Acesso em 11.12.2024.