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O trio ESG – a bola da vez no esporte

Por Daniel Falcão, Leonardo Franco Belloti, Felipe Ferreira e Camilo Jreige

As questões ambientais, sociais e de governança são fatores, cada vez mais, levados em consideração pelos participantes de mercado, fazendo com que estes pontos se tornem balizadores importantes em processos de alocação de recursos. E estes aspectos relacionados ao investimento responsável são definidos pelo acrônimo ESG (Environmental, Social & Governance)[1],  que vem constantemente ganhando espaço nos noticiários de negócios e investimento.

O avanço de temáticas relacionadas ao ESG significa uma mudança de paradigma com relação à tomada de decisão em processos de investimentos. Com isso, há uma verdadeira tendência no mercado de que a alocação de recurso por parte dos investidores não se baseie apenas em critérios financeiros, levando-se em consideração princípios e políticas relacionadas ao investimento responsável.

Este fenômeno é bastante significativo e é impulsionando, principalmente, por investidores institucionais, que, crescentemente, levam em consideração uma análise de fatores ESG das companhias objeto de seus investimentos. No entanto, não é raro observar um equivocado desvirtuamento da “bandeira” ESG ao resumir esta sigla a um viés ideológico e altruísta, quando, em realidade, o propósito visado é a identificação de oportunidades e uma adequada mensuração de riscos ambientais e sociais para melhor embasar a tomada de decisões[2].

Esta visão errônea dos aspectos ESG, muitas vezes, é amparada numa ideia de que o conceito emoldurado pelo acrônimo é amplo e identificável apenas em oportunidades e mercados específicos. Assim, também se desenvolve uma falsa ideia de que a incorporação dos fatores ESG às tomadas de decisões econômicas não é algo capaz de impactar os negócios de uma forma ampla e irrestrita, se restringindo a negócios que demandem uma relação sustentável com o meio ambiente ou a companhias abertas.

Por esta lógica simplória, é difícil, a princípio, levar em consideração que a agenda e as implicações do avanço do universo ESG é capaz de impactar a indústria esportiva. No entanto, uma análise numérica simples nos mostra que uma parcela considerável de investidores relevantes do mercado esportivo leva em consideração fatores ambientais, sociais e de governança em suas teses de investimentos.

Segundo estudo realizado pela consultoria PwC com 209 participantes – incluindo 198 fundos de private equity[3] – localizados em 35 diferentes países, 72% daqueles que responderam ao estudo indicaram que avaliam os riscos e oportunidades ESG em um momento anterior à realização do investimento e 56% destes participantes do estudo deixaram de realizar um investimento por conta de fatores ESG[4].

A preocupação crescente de fundos de private equity com relação a questões ambientais, sociais e de governança é bastante sintomático para a indústria esportiva, justamente porque são estes agentes que impulsionam e ditam a nova lógica de investimentos no esporte, sendo que os valores levados em consideração por estes investidores são indissociáveis dos investimentos como um todo.

Para uma melhor noção desta relação intrínseca entre private equity e investimento no esporte, temos que sete franquias da NBA contam com participação majoritária de investidores com um passo relacionado a fundos de private equity[5].

De outra mão, no futebol, notamos que, apesar da pandemia, em 2021, os 20 times de futebol mais valiosos do mundo tiveram um salto de 30% com relação ao seu valor médio. Neste cenário, a manutenção deste crescimento expressivo, por óbvio, demanda um alinhamento e uma participação de investidores cada vez maior, tornando necessário e ressaltando a importância de que as entidades esportivas e demais participantes desta indústria reconheçam e observem as tendências levadas em considerações pelos investidores.

A preocupação da indústria esportiva com aspectos ESG transcende o cenário acima indicado e, ainda que de forma incipiente, já ocupa o discurso de participantes relevantes da cena do esporte.

A título ilustrativo do que foi dito, o campeão mundial de Fórmula-1 e ex-piloto da categoria, Nico Rosberg, é dono de uma das equipes participantes da Extreme E, competição de automobilismo sancionada pela FIA que utiliza SUVs elétricos e levanta questões ambientais e sociais bastante relevantes, e, em entrevista recente, alertou sobre a necessidade do esporte possuir um propósito e ser um agente importante na conscientização sobre mudanças climáticas[6].

A crescente preocupação de investidores institucionais, que, como apontado, não estão distantes da indústria esportiva, e o próprio reconhecimento da comunidade esportiva indicam que, realmente, urge para o esporte incorporar questões ESG ao seu cotidiano, não só pelo impacto gerado e pela relevância social deste segmento, mas, até mesmo, por uma questão financeira e com o propósito de se revelar um objeto de investimento relevante.

Levando em consideração esta situação do ponto de vista prático, questões relacionadas ao “S” e ao “G”, referentes, respectivamente, à social e governança, são completamente palpáveis e já são preocupações relevantes no âmbito das organizações esportivas para além da utilização de critérios ESG para os processos de tomada de decisões de investimento.

Com relação à governança, apesar de iniciativas neste sentido ainda serem incipientes e serem comuns problemas relacionados a ela no esporte brasileiro, é amplamente reconhecido que uma boa gestão no âmbito esportivo demanda integridade, transparência e participação de toda a comunidade relacionada ao esporte nos processos deliberativos das entidades.

Mais do que isso, escândalos de corrupção ocorridos no âmbito das principais entidades de administração do esporte fizeram com que as discussões com relação ao “G” do acrônimo ESG fossem impulsionadas e avanços fossem produzidos neste sentido. No entanto, há um longo caminho ainda a ser percorrido com relação a este aspecto e é interessante que as entidades levem isto em consideração sob a óptica do ESG, concretizando a ideia de que estruturas eficientes de gestão são sinônimas de bons resultados financeiros e esportivos.

Sobre as questões sociais, ações relacionadas à diversidade e igualdade são pontos que já ocupam a pauta de muitas das entidades esportivas. Por conta disso, estas entidades que tratam destes temas de forma séria e proativa, com toda certeza, se posicionam de uma maneira diferenciada no mercado, agregando valor ao seu ativo com o reconhecimento e a adequada instrumentalização do valor social intrínseco ao esporte.

Mais do que trazer estas pautas para o âmbito das competições esportivas, como, por exemplo, fez o Vasco em tempos recentes com a utilização de uma camiseta em alusão à bandeira LGBTQIA+[7], as entidades precisam reforçar as ações relacionadas ao tema em seu cotidiano e, mais do que isso, conduzir as suas atividades no dia a dia de forma consoante aos valores sociais levantados por meios destas ações, devendo, neste ponto, haver uma preocupação em sempre dialogar e impactar a ampla comunidade ligada a estas entidades com as ações.

Apesar de avanços sociais significativos, ainda se vê alguma resistência de entidades em compreenderem o papel social que exercem, não sendo raro, infelizmente, ainda vermos manifestações de preconceito de dirigentes esportivos e uma preocupação pequena em tornar este ambiente mais receptivo. Sob este aspecto, portanto, apesar de facilmente sermos capazes de apontar ações em potencial e o valor social do esporte, ainda é necessário que seja dado um sentido prático aos aspectos sociais para uma efetiva concretização deste ponto no ponto de vista operacional.

Por fim, com relação ao “E” e as questões ambientais relacionadas ao esporte, temos que este é o aspecto de mais difícil visualização na indústria esportiva, com exceção a algumas modalidades específicas, como o automobilismo, que, nos últimos tempos, já vem se mostrado receptivo a iniciativas com a finalidade de reduzir a emissão de gases poluentes e ser um esporte mais limpo do ponto de vista ambiental.

Ainda que menos óbvio, o aspecto ambiental também é capaz de incentivar a adoção de condutas relevantes dentro da indústria esportiva. Em 2019, por exemplo, a World Surf League (WSL) anunciou que adotaria um conjunto de esforços e medidas para que o circuito mundial de surfe se tornasse carbono neutro, conduzindo, em paralelo, uma série de ações destinadas a alertar os fãs da modalidade sobre as mudanças climáticas e poluição dos oceanos, em uma iniciativa que pode, facilmente, ser replicada em outras modalidades e por outros agentes[8].

Muito além do desenho de ações a ser adotada por todos aqueles envolvidos com a indústria esportiva, o mais relevante para as entidades esportivas e o objetivo precípuo deste artigo é salientar que não há mais margem para que as entidades esportivas ignorem os aspectos ESG ou assumam que a realidade relacionada aos investimentos responsáveis está muito distante do esporte.

A importância de se observar as questões ligada ao ESG se tornam ainda mais evidentes diante da provável sanção presidencial ao Projeto de Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAF)[9], que pode ser um facilitador na entrada de investidores (inclusive os fundos de private equity) no futebol brasileiro.

Por óbvio, a integração genuína das questões ESG ao dia a dia do esporte e à cultura da gestão esportiva não é algo a ser feito de forma abrupta e impensada, sendo importante que este processo seja conduzido de forma diligente e paulatinamente, justamente para que signifique um continuísmo nas organizações.

De todo modo, desde já, é importante que os integrantes das indústrias esportivas levem em consideração que falhas com relação aos fatores ESG podem significar um custo elevadíssimo, tanto no que se refere ao apoio popular, como também no financiamento e no investimento em suas atividades. Mais do que nunca, meio ambiente, social e governança devem ocupar as escalações destas entidades.

Crédito imagem: Divulgação

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Daniel Falcão – Advogado e Cientista Social. Doutor e Mestre em Direito pela USP. Professor de Direito Desportivo do IDP. Controlador Geral do Município de São Paulo

Leonardo Franco Belloti – Advogado. Mestrando em Direito Desportivo pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela FDRP-USP.

Felipe Ferreira – Advogado. Bacharel em Direito pela FDRP-USP.

Camilo Jreige – Bacharel em Direito pelo IDP. Graduando em Ciência Política pela UnB.

[1] Na ainda incipiente literatura pátria sobre o tema, o acrônimo ESG é traduzido pelo acrônimo ASG, que corresponde a “ambiental, social e governança”.

[2] WELLISCH, Julya Sotto Mayor; SANTOS, Alexandre Pinheiro dos. Investimento Responsável no Século XXI: Gestão de Recursos de Terceiros, Questões ESG (Environmental, Social & Governance) e Aspectos Regulatórios. In: CANTIDIANO, Maria Lucia; MUNIZ, Igor; CANTIDIANO, Isabel (Coord.). Sociedades Anônimas, Mercado de Capitais e Outros Estudos: Homenagem a Luiz Leonardo Cantidiano – Vol. I. São Paulo: Quartier Latin,, 2019, p. 700.

[3] Private equity refere-se à aquisição de participações societárias com a perspectiva de potencial elevado de ganho financeiro a médio e longo com a valorização desta participação e uma futura venda.

[4] Disponível em: <https://www.pwc.com/gx/en/news-room/press-releases/2021/private-equity-esg-strategic-driver.html>. Acesso em 11 de julho de 2021.

[5] Disponível em: <https://pitchbook.com/news/articles/barbarians-at-the-ticket-gate-the-pe-moguls-who-own-14-of-the-nba?mod=article_inline>. Acesso em 11 de julho de 2021.

[6] Disponível em: <https://www.bbc.com/sport/motorsport/56597110>. Acesso em 11 de julho de 2021.

[7] Disponível em: <https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/8835190/vasco-lanca-camisa-de-apoio-ao-movimento-lgbtqia+-e-diz-se-negar-a-aceitar-a-homofobia-e-a-transfobia>. Acesso em 11 de julho de 2021.

[8] Disponível em: <https://www.worldsurfleague.com/posts/397508/the-world-surf-league-leads-the-way-for-global-professional-sports-by-becoming-carbon-neutral-and-eliminating-single-serve-plastics>. Acesso em 11 de julho de 2021.

[9] Disponível em: < https://www.camara.leg.br/noticias/785567-camara-aprova-projeto-que-viabiliza-transformacao-de-clube-de-futebol-em-empresa-sociedade-anonima/>. Acesso em 15 jul. 2021.

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