Por Vitor Silva Muniz
Em meio aos debates aprofundados do Direito Desportivo, tratando das minúcias das relações desportivas de trabalho, das recuperações judiciais do futebol ou das mais novas SAFs, é fundamental relembrar as bases filosóficas, sociológicas e históricas do esporte, um fenômeno essencialmente social, com participação fundamental na construção milenar dos ideais de lealdade, honestidade e demais princípios do jogo limpo.
Não só isso, mas o esporte é, antes de entretenimento, um fenômeno fundamental na idealização de políticas públicas em favor da saúde e do bem-estar. Ainda que não se trate de uma correlação inédita, o rigor científico recomenda que sejam feitas referências a estudos cuja metodologia inspire credibilidade: um estudo do British Journal of Sports Medicine [1] aponta que a atividade física tem um papel tão importante quanto parar de fumar na redução da mortalidade de homens idosos.
Resumidamente, a observação concluiu que a prática de trinta minutos de exercício físico por seis dias por semana está associada com a queda do risco de mortalidade em 40% no público-alvo. Aliás, dentro do referido trabalho, entendeu-se que praticantes regulares de exercício moderado ou intenso tendem a ter cinco anos de vida a mais que pessoas sedentárias. Se pessoas idosas se beneficiam, ainda mais benéfico é que jovens adotem o hábito de se movimentar e o preservem ao longo da vida.
Mas, como sempre, nem tudo são flores. Na sociedade da performance, não assusta que a indústria de substâncias ilícitas que potencializam as habilidades esportivas tenha se tornado uma subversora do sentido tradicional do esporte, sacrificando justamente a saúde e segurança para elevar as capacidades físicas e mentais a níveis inalcançáveis por outro meio, destacadamente dentro do campo profissional da prática esportiva.
Nesse contexto é que emerge a importância do tripé antidopagem, conciliando as agências reguladores, laboratórios de testagem e tribunais, procurando impedir que a dopagem se torne uma lógica, e não uma exceção, dentro do universo olímpico. Assim, não se pode formar o acadêmico do Direito Desportivo sem que sejam reforçados rotineiramente os princípios e a estrutura da luta contra o doping no esporte profissional.
No Brasil, as três vertentes são representadas por três siglas: ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), JAD (Justiça Desportiva Antidopagem) e LBCD (Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem). O presente texto, lançando as bases do cenário antidopagem nacional, visa explicitar a função, origem e sujeição internacional das três figuras.
Sendo parte do Ministério do Esporte, a ABCD foi criada em 2011 e é responsável pela coordenação das políticas nacionais de prevenção e combate ao doping, tendo importância nuclear não apenas no mapeamento e punição daqueles que perpetram condutas ilícitas, mas principalmente resgatando os princípios do jogo limpo e garantindo que os praticantes do esporte entendam a necessidade da abstenção em relação ao uso das substâncias proibidas não só para a manutenção do fairplay, que caracteriza o Movimento Olímpico, mas para a própria proteção da integridade física e psíquica daqueles que realizam atividades esportivas. Guiada pela Agência Mundial Antidopagem (AMA, em inglês WADA), a ABCD é responsável pelos procedimentos de controle de dopagem dentro da jurisdição desportiva pátria.
A Justiça Antidopagem tem como ponto central o TJD-AD (Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem), cuja organização dos membros e departamentos merece aprofundamento em apartado, e é competente para julgar exclusivamente as denúncias referentes a transgressões das normas ora analisadas. A primeira composição do referido tribunal se deu em 2016, atendendo à necessidade de cumprir o compromisso firmado junto à Unesco na luta contra as substâncias ilícitas do meio desportivo, devendo, na lógica internacional em que se insere, dar efetivação nacional ao que dispõe a AMA.
O Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem, por seu turno, se localiza no Polo de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sendo um projeto de 1989, o local foi reinaugurado em 2015, com equipamentos adequados para a análise e testagem antidopagem, o que fez inclusive nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro. Assim, é o centro de inteligência química para a efetivação dos trabalhos da ABCD e da JAD.
A breve exposição apresentada procura, antes de tudo, informar e introduzir o interesse em uma das grandes bases do esporte enquanto ciência social, cujo estudo é crescente no âmbito acadêmico, relembrando que, antes de tudo, a prática esportiva deve ser manifestação do Estado Democrático de Direito na efetivação do mais importante bem jurídico de nossa ordem constitucional: o direito à vida.
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Vitor Silva Muniz é advogado e membro do GEDiDe – UNESP Franca.
[1] Estudo disponível em: <https://bjsm.bmj.com/content/49/11/743>.
[2] Material didático antidopagem oficial (2022): <https://www.gov.br/abcd/pt-br/composicao/educacao-e-prevencao/material-educativo-antidopagem-1/arquivos-material-educativo-antidopagem/copy2_of_apostilaantidopagemltimaverso.pdf>.
[3] Visita da WADA ao Brasil (2023): <https://www.gov.br/abcd/pt-br/acesso-a-informacao/noticias/brasil-reforca-compromissos-no-combate-a-dopagem-no-esporte-durante-visita-de-presidente-da-agencia-mundial-antidopagem>.