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OIT e o primeiro acordo global sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho desportivo

Ao longo desta semana se noticiou o Acordo Global de Trabalho movido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) junto às estruturas associativas internacionais do futebol. O objetivo é bastante claro: possibilitar um diálogo social que fortaleça a negociação coletiva, a criação de mais normas coletivas de trabalho desportivo, introdutórias de princípios e direitos fundamentais mínimos de condições trabalhistas para o futebol feminino e masculino pelo mundo.

O escopo do acorco global resumido acima, enfatizado no discurso de Guy Ryder, diretor-geral da OIT, além de referenciar as convenções internacionais de princípios e direitos fundamentais no trabalho, com intensidade para as de negociação e criação de normas coletivas de trabalho (Cvs. Ns. 87 e 98), remete-se ao Fórum de Diálogo Global da OIT sobre o Trabalho Decente no Mundo do Esporte de 2020.

Em termos de futebol brasileiro, este Acordo Global de Trabalho assume uma importância inegável e deveria ser seguido pelas estruturas internas, pelo menos no sentido de estabelecer de vez o trabalho decente no âmbito da prática desportiva do futebol (feminino e masculino).

As dificuldades brasileiras são descomunais, primeiro porque, conforme já esclarecemos no capítulo 23 do nosso livro “Curso de Direito do Trabalho Desportivo”, faltam normas na Lei Pelé e no Projeto da Lei Geral de Esporte que solidifiquem a negociação coletiva no Brasil.

A maioria esmagadora dos sindicatos de atletas profissionais no Brasil são “yellow dogs” ou “company unions”, por isso mesmo, em um país deste tamanho não há sequer, até hoje, uma Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo de Trabalho, ao contrário do que acontece há mais de 20 anos no Direito do Trabalho Desportivo português com um denso Contrato Coletivo de Trabalho entre Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol.

Outro ponto muito problemático para que o discurso do diretor-geral da OIT saia do papel e entre para a prática necessitada do futebol brasileiro são os retrocessos normativos do Projeto da Lei Geral de Esporte que, além de não aprimorar normas de Direito Coletivo do Trabalho no Desporto brasileiro, abre espaço em seu art. 81 para que o trabalho subordinado (vínculo empregatício) deixe de ser a referência do sistema no futebol brasileiro.

Vale destacar que o Brasil detém problemas graves quanto ao trabalho decente no futebol. A verdade é que em vários campeonatos de seriés Bs para baixo, existentes pelos Estados brasileiros, os jogadores nem sequer recebem o salário mínimo descrito no Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD). Aqui se reporta sobre a prática “dita profissional” do futenol masculino, para não adentrar na categoria feminina, onde há um abissal esforço das próprias estruturas internas em mantê-lo como “amador”, negando às jogadoras o acesso ao regime do CETD e todos os princípios e direitos fundamentais no trabalho.

Ademais, não é raro no Brasil casos como o decorrido no primeiro semestre de 2022 em Salvador-BA, em que se flagrou por Auditores Fiscais do Trabalho condições análogas a de escravo e abusos sexuais sobre jogadores menores nas instalações de um certo clube local.

Acerca do futebol feminino, o Projeto da Lei Geral de Esporte pretende realizar “um mero decalque” de uma norma federativa existente no regulamento de transferência de jogadores da FIFA, ao sancionar os clubes que dispensem jogadoras gestantes à impossibilidade de contratação por 1 ano de outras jogadoras, considerando-se hipótese de rescisão indireta (art. 89, § § 9o e 10 do Projeto de Lei n. 1.153-B/2019), bem como a seguinte disposição: “Os contratos celebrados com atletas mulheres, ainda que de natureza cível, não poderão ter qualquer tipo de condicionante relativo a gravidez, a licença-maternidade ou a questões referentes a maternidade em geral” (art. 85, § 11 do Projeto de Lei n. 1.153-B/2019).

Em se tratando de um Projeto de Lei Geral do Esporte, de nada adianta estabelecer legalmente sanção desportiva se não é acompanhada das regras de estabilidade provisória e licença maternidade (normas trabalhistas mínimas de proteção à maternidade).

A respeito da outra projeção de tentativa de afastamento de discriminação em relação à maternidade, também é “chover no molhado” não impor qualquer tipo de sanção aos clubes empregadores, uma vez que o estigmatizado futebol feminino necessita muito de proteção contra medidas discriminatórias que o acompanha, basicamente, a vida inteira no desporto brasileiro. Neste aspecto, poderia caber algum tipo de sanção desportiva, ainda que não exclusivamente financeiro.

Em síntese, como se observa diante de meros exemplos, há um longo caminho para o futebol brasileiro percorrer se, de fato, gostar de seguir o diálogo social proposto pelo Acordo Geral de Trabalho/2022 e o estabelecimento do Fórum de Diálogo Global da OIT sobre o Trabalho Decente no Mundo do Esporte/2020, pois urge o surgimento efetivo de sindicatos autônomos, livres, que possam auxiliar a República Federativa do Brasil a cumprir as Convenções Internacionais do Trabalho da OIT e solidificar legislativamente os princípios e direitos fundamentais do trabalho no futebol brasileiro (feminino e masculino).

De todo modo, no espectro internacional, não deixa de ser um progresso o esforço da OIT perante as estruturas do futebol mundial (FIFPRO, etc.).

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