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Operação Penalidade Máxima: e o que o Data Compliance tem a ver com isso?

Não chega a ser novidade as notícias informando sobre esquemas de manipulação de resultados no futebol nacional e até mesmo em outros esportes envolvendo atletas brasileiros em esquemas que, quase em sua totalidade, envolvem apostas em casas de apostas esportivas. Para refrescar a memória temos, para além das quatro linhas do futebol, o caso de um dos grandes nomes recentes do tênis nacional, João Souza, o Feijão, que foi banido do esporte em 2020 por envolvimento em casos de manipulação de resultados no tênis.

Entretanto, apesar de a Operação Penalidade Máxima não trazer algo inovador, ela traz um cenário que acaba fazendo com que a sociedade se impressione a cada novo fato revelado pelas investigações, assustando todos os apaixonados pelo maior esporte do planeta: a participação cada vez mais frequente de atletas de grandes equipes que, em tese, recebem salários maiores do que a média nacional.

Situações de manipulação de resultados esportivos envolvem muito mais vítimas do que podemos imaginar, sejam elas diretas ou indiretas. Ao meu entender, os principais prejudicados são sempre os torcedores e a sociedade de um modo geral, afinal o esporte é um instrumento social no qual as pessoas confiam e depositam grande expectativa, seja como fonte de divertimento ou como o pano de fundo de experiências únicas entre pais e filhos, amigos, etc. Ou seja, manipular resultados é mais do que simplesmente obter vantagem de forma indevida, é, de certa forma, estragar um dos maiores patrimônios da nossa cultura.

Além disso, clubes e casas de apostas também são grandes vítimas de esquemas de manipulação. Isso porque, como a própria Operação Penalidade Máxima está mostrando, os clubes e as casas de aposta acabam sendo altamente prejudicados, seja financeiramente, no caso das casas de apostas, seja esportivamente e com danos reputacionais, nos casos dos clubes, que se veem traídos pelos atletas que participam desse tipo de esquema criminoso.

Atuar de forma a punir os envolvidos nos esquemas de manipulação é essencial e isso não se discute, seja no âmbito criminal ou no âmbito esportivo para os atletas envolvidos, no qual  acredito que a punição deva ser ainda mais exemplar.

Apesar da necessidade de punições rigorosas, agir apenas depois que os escândalos se concretizam com certeza não é o caminho mais eficiente para proteger o nosso esporte, afinal, como já demonstrado aqui, não estamos diante de um fato novo e que ninguém imaginasse que poderia acontecer.

Por vezes perdemos esse referencial de vista, mas é sempre importante lembrar que o esporte não é um mundo isolado da nossa sociedade como um todo e, naturalmente, não está imune de casos de corrupção, fraude ou qualquer outro malefício que observamos em diversos setores da nossa sociedade.

A recente operação desenvolvida pelo Ministério Público de Goiás nos mostrou que, diferentemente de casos passados, o caso atual envolve, além dos resultados dos jogos, questões como número de cartões amarelos, escanteios e outros sub-momentos de um jogo de futebol disponíveis para apostas, o que traz um novo detalhe muito importante para o combate eficiente desses “novos” casos de manipulação.

O atleta, ao se dispor a tomar um cartão amarelo ou contribuir para que seja atingido determinado número de escanteios, por exemplo, tem a clara impressão de que não está prejudicando o seu time diretamente, afinal, não há, necessariamente, um vínculo direto entre essas ações e o resultado final do jogo. E essa falta de conhecimento – e aqui não há qualquer tentativa de amenizar as atitudes dos atletas envolvidos – acaba tornando os atletas ainda mais vulneráveis a aceitar participar desse tipo de esquema.

Além do fato de o atleta não se sentir manipulando o resultado de fato, é muito mais complicado, pelo menos olhando apenas para o jogo, identificar manipulações de cartões e de escanteios, uma vez que são ações que, conforme dito anteriormente, podem tranquilamente serem manipuladas sem nenhuma interferência direta no resultado final do evento esportivo.

E é nesse ponto que o monitoramento tecnológico baseado em dados faz total diferença.

Atualmente, algumas empresas oferecem o serviço de monitoramento de integridade do esporte por um viés de análise de dados, no qual há uma integração com plataformas de diversas casas de apostas para o recebimento de informações sobre a movimentação de odds de eventos esportivos – desde resultados até sub-momentos específicos como escanteios, laterais, cartões, etc.

As informações sobre a movimentação de odds das casas de apostas é então comparada com um modelo preditivo de odds feito pelas próprias empresas de monitoramento de integridade.

Ou seja, essa comparação permite a identificação de discrepâncias significativas entre as odds oferecidas nas casas de apostas e as odds dispostas pelos modelos preditivos de integridade, criando uma espécie de efeito comparativo do tipo “qual deveria ser a odd real do evento” (modelo preditivo) versus “qual a odd disponível para esse evento nas casas de aposta“.

Essa comparação pode trazer indícios de manipulação nos eventos, uma vez que um alto volume de apostas em determinado evento tende a alterar de forma “artificial” as odds das casas de apostas. Portanto, é fundamental que as essas empresas de integridade mantenham relação com os órgãos de administração do esporte, a fim de manter um fluxo de troca de informações que permite a investigação de eventos que tenham sido considerados como suspeitos.

Importante destacar que o monitoramento tecnológico e a análise desses dados deve ser sempre conciliado com uma avaliação in loco dos eventos esportivos, a fim de  verificar componentes de comportamento humano dos atletas envolvidos, um trabalho que deve fazer parte do mesmo pacote de serviços oferecidos por essas empresas de monitoramento, que ainda podem disponibilizar um relatório sobre o evento esportivo detalhando qual o grau de probabilidade de manipulação pode ter existido naquela partida.

É claro que o monitoramento em si não é, de forma isolada, uma poção mágica que vai solucionar e resolver o problema da manipulação de resultados no Brasil. Mas, sem sombra de dúvidas, é uma ferramenta tecnológica que acompanha o que há de mais moderno em outros setores e se apoia em dados para uma tomada de decisão mais fundamentada.

Além disso, os dados podem, juntamente com outros aspectos como educação preventiva de atletas, punições esportivas e responsabilização criminal dos envolvidos, auxiliar na mitigação de riscos de corrupção no esporte.

Para além das ações de monitoramento e educação, é fundamental a criação de um canal de denúncias efetivo, seguro (leia-se com a possibilidade de ser usado anonimamente) e de fácil acesso, em especial para uso dos atletas que tenham sido abordados por aliciadores.

Os atletas são parte fundamental nas ações de prevenção à manipulação de resultados e é por isso que precisam se sentir seguros no momento de denunciar qualquer ação nesse sentido.

Um programa de compliance e de integridade eficiente terá como missão principal, seja dentro de um clube ou de uma entidade de administração do esporte, educar e prevenir através da conscientização de atletas, com palestras de educação sobre o mercado de apostas esportivas desde as categorias de base, demonstrando claramente para os atletas as possíveis consequências, inclusive criminais, de estar envolvido em casos de fraude em resultados esportivos.

Com essas ações, criaremos um ambiente tecnológico de dados que, junto com outras ações aqui mencionadas, serão capazes de dar um suporte para que a ponta mais vulnerável do esquema – os atletas aliciados pelos fraudadores – se sintam confortáveis para denunciar os esquemas e, assim, poderemos identificar os verdadeiros criminosos que atuam contra um dos maiores patrimônios do povo brasileiro.

Crédito imagem: CBF

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