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Ordem executiva de Trump sobre transgêneros fere autonomia esportiva e pode gerar punição aos EUA

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou nesta quarta-feira (5) uma ordem executiva para impedir que pessoas designadas biologicamente como do sexo masculino ao nascer participem de competições femininas. A medida vale para torneios profissionais, escolares e amadores.

Em novembro de 2021, o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu que cada federação esportiva teria autonomia para definir seus critérios sobre a participação de atletas transgêneros e intersexuais. Desde então, as resoluções sobre elegibilidade de atletas trans foram estabelecidas no âmbito esportivo para o alto rendimento. No entanto, a ordem executiva de Trump rompe com essa lógica, por se tratar de um decreto governamental, interferindo na autonomia das entidades esportivas.

Vinicius Calixto, advogado especialista em direitos humanos, considera a medida uma clara interferência estatal no esporte. Segundo ele, cabe agora ao COI e às federações internacionais pressionar e dialogar com o governo norte-americano.

“O COI havia deixado a decisão a cargo das federações internacionais, não dos governos. Essa ordem representa uma interferência estatal na regulamentação esportiva, restringindo e violando direitos humanos. Agora, será necessário observar se as entidades esportivas terão força para pressionar e dialogar com o governo Trump a fim de revogar, reavaliar ou flexibilizar a medida. Ainda é cedo para prever os desdobramentos”, avalia.

Calixto também ressalta que a ordem executiva de Trump provavelmente será contestada na Justiça dos Estados Unidos.

“Essa ordem deve ser questionada juridicamente nos tribunais norte-americanos e terá grande impacto no esporte mundial. Vale lembrar que a próxima Olimpíada ocorrerá nos Estados Unidos, e essa medida vai contra as diretrizes de inclusão de atletas trans. Já houve precedentes em que o sistema esportivo pressionou governos, como no caso do Irã, quando ocorreram graves violações de direitos humanos. O mesmo pode acontecer com os EUA”, acrescenta o advogado.

“Mais uma triste notícia para os direitos humanos e o esporte, especialmente com os Jogos Olímpicos de 2028 nos EUA já definidos. É hora de os atletas se mobilizarem para conter interferências negativas. As regras de participação cabem às federações internacionais, considerando igualdade e inclusão, sem ingerência estatal. É essencial vigiar qualquer tentativa de marginalizar os direitos humanos no esporte e esperar que as federações resistam à interferência do governo dos EUA”, diz Alessandra Ambrogi, advogada especializada em direitos humanos.

Segundo Andrei Kampff, advogado especializado em direito desportivo, essa interferência estatal contraria regulamentos esportivos e pode levar a punições aos Estados Unidos.

“Nem precisamos entrar no mérito da medida ser discriminatória sob o ponto de vista dos direitos humanos, pois ela fere a autonomia esportiva. Quem define as regras de elegibilidade no esporte são as federações, respeitando direitos universais, já que o esporte é transnacional. O Estado não tem competência para isso. Essa decisão deveria resultar em sanções aos Estados Unidos. Resta saber se o movimento olímpico e as federações terão coragem de aplicar as penalidades previstas nos regulamentos”, analisa.

Estados Unidos podem ser punidos pela comunidade esportiva?

O COI e outras entidades internacionais possuem mecanismos para lidar com interferências estatais, incluindo sanções previstas nos regulamentos esportivos. No caso dos EUA, as punições podem incluir:

– Suspensão de federações nacionais: Federações esportivas dos EUA podem ser suspensas, impedindo a participação de atletas norte-americanos em competições internacionais;

– Participação nos Jogos Olímpicos: Em casos extremos, o Comitê Olímpico Nacional pode ser banido, como ocorreu com a Rússia em casos de doping estatal;

– Impacto econômico: A exclusão de eventos internacionais nos EUA pode gerar perdas financeiras e prejudicar o desenvolvimento esportivo do país;

– Danos à reputação: A imagem do esporte norte-americano pode ser abalada, afetando seu papel de liderança global.

No futebol, a FIFA também proíbe interferências estatais. Os dispositivos 19 e 58 de seu estatuto determinam que federações devem administrar seus assuntos de forma independente e sem interferência de terceiros. Além disso, a busca por justiça comum é proibida, sendo recomendado o recurso a órgãos arbitrais independentes.

O artigo 55 do Estatuto da FIFA e o Código Disciplinar da entidade preveem sanções que vão desde advertências e multas de até um milhão de francos suíços até a exclusão de competições em curso ou futuras.

Consequências para o esporte internacional

Já no primeiro dia de mandato, Trump emitiu uma ordem que determinava que o governo federal reconhecesse apenas os gêneros masculino e feminino, refletindo essa definição em documentos oficiais e políticas públicas. A nova ordem executiva assinada nesta quarta-feira reforça esse posicionamento sob o lema de campanha: “Manter os homens fora das competições femininas”.

De acordo com o jornal americano “ABC News”, Trump pretende pressionar o COI a adotar essa política internacionalmente. A Casa Branca convocará órgãos esportivos privados, como a NCAA (National Collegiate Athletic Association) e a WNBA (Women’s National Basketball Association), para discutir a medida.

“O documento pede a convocação de representantes dessas entidades na Casa Branca para ouvir relatos de atletas femininas que alegam terem sido prejudicadas pela participação de atletas trans em suas modalidades”, afirma um trecho da ordem, segundo o jornal.

Caso Lia Thomas

Um dos casos mais emblemáticos envolvendo atletas trans nos Estados Unidos é o de Lia Thomas. A nadadora de 25 anos foi impedida de disputar a seletiva norte-americana para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 por ser uma mulher transgênero.

Lia recorreu à Corte Arbitral do Esporte (CAS), instância máxima da Justiça Desportiva mundial, mas teve seu pedido rejeitado. A Corte suíça entendeu que ela não tinha legitimidade para contestar a regra da World Aquatics, entidade que regula os esportes aquáticos e que proíbe a participação de atletas trans em competições femininas.

Desde 2022, a World Aquatics estabelece que apenas mulheres trans que completaram sua transição até os 12 anos podem competir em torneios femininos. A entidade argumenta que essa restrição visa garantir um nível de igualdade, embora reconheça que, em muitos países, a transição de gênero antes dessa idade não seja permitida.

A Associação Mundial para a Saúde de Transgêneros recomenda 14 anos como idade mínima para o processo de transição. Na prática, a regra da World Aquatics praticamente impede a participação de mulheres trans nas principais competições da natação, incluindo os Jogos Olímpicos.

Crédito imagem: Getty Images

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