“Não se trata de uma questão de levar à justiça, seja na Inglaterra ou em outra jurisdição, mas, sim, entender claramente se o cancelamento nos termos que foi apresentado é válido ou não. Mesmo porque, para cumprir o contrato com a FOM, nossa empresa firmou outros contratos, e para rompê-los precisamos apresentar motivos válidos”, explica Tamas Rohonyi, promotor do GP Brasil de Fórmula 1.
O contrato com a Formula One Management (FOM), empresa inglesa responsável pelos direitos comerciais da categoria, prevê o cancelamento das obrigações entre as partes por motivo de “força maior”, ou “atos de Deus”. No entendimento de Tamas Rohonyi, seria algo “que não pode ser remediado pelas partes. Por exemplo, os carros pegarem fogo durante o transporte ou o autódromo sofrer inundações”.
Luiz Gustavo Costa, advogado especialista em direito esportivo que mora em Londres, explica que o termo “força maior” não tem significado específico no direito inglês. “Os eventos precisam ser expressos no contrato, como guerra, comoção social ou epidemia, por exemplo. Se não tiver escrito no contrato, não dá para alegar tal questão para suspensão e rompimento unilateral”.
Além disso, para contratos desta natureza é possível que exista uma cláusula de resolução de conflitos. Exatamente para se evitar um processo judicial. “Em contratos que elegem direitos ingleses e jurisdição inglesa, pode se esperar uma cláusula de arbitragem ou procedimento de mediação”, explica Luiz Gustavo.
Nos dois casos, as partes concordam em decidir o conflito por meio de um painel arbitral. O processo é confidencial e não judicializado. A diferença entre eles é que, na mediação, a decisão é sugerida e não imposta como na arbitral.
Tamas Rohonyi não especificou se o contrato “promoter agreement” com a FOM traz esse detalhamento e acredita que o cancelamento das quatro provas nas Américas “precisa agora ser examinada”.
Se no contrato não tiver a cláusula de resolução de disputas, é possível que o caso vá para a justiça inglesa. Mas, diferentemente do que acontece no Brasil, há protocolos prévios que precisam ser seguidos sob pena financeira por descumprimento.
O requerente envia uma notificação com detalhes da causa. O requerido tem até três meses para responder por carta. “Essa correspondência visa estreitar os pontos entre as partes. Muitos acordos surgem em razão desse protocolo. Se não acontecer, o processo judicial é iniciado. E, mesmo assim, apenas 5% das ações chegam a audiência final (trial). Mediação, arbitragem ou uma simples negociação podem acontecer pelo caminho”, esclarece Luiz Gustavo Costa.
A Fórmula 1 anunciou o cancelamento das provas no Canadá, Estados Unidos, México e Brasil no dia 24 de julho, e o motivo de força maior alegado foi a crise do coronavírus nas Américas. “Quanto à reação dos outros países do continente não posso me manifestar, mas os prejuízos causados pelo cancelamento certamente não são diferentes”, acredita Tamas.
O Lei em Campo ouviu especialistas sobre o impacto econômico da não realização da Fórmula 1 no país. “É um dos maiores eventos da cidade. Em três dias movimenta mais de R$ 330 milhões, sendo que boa parte desse valor é gasto por turistas que vêm até São Paulo participar do evento. Será uma perda econômica muito acentuada”, analisou Amir Somoggi, consultor especializado em marketing esportivo.
A desconfiança é que o motivo dos cancelamentos poderia ser financeiro. As provas no continente americano são do tipo “flyaway“, que dependem de transporte aéreo. O momento de pandemia torna o deslocamento de toda estrutura da Fórmula 1 bem mais caro do que em anos anteriores, em razão da grande demanda por aviões cargueiros.
Essa teoria ganhou força após o anúncio das provas na Rússia, Espanha e Itália. “O nível de perigo de contaminação nesses países certamente não é menor do que em São Paulo, onde o governo elaborou diretrizes eficientes para controlar a epidemia. Se, na opinião de advogados, o cancelamento nos termos apresentados não se justificar, o próximo passo será conversar com a FOM para esclarecer as respectivas posições e encontrar uma solução amigável”, informou promotor do GP Brasil.
Desde 1973, essa será a primeira temporada que o Brasil não sediará a Fórmula 1. A decisão veio em um momento em que São Paulo e Rio de Janeiro disputam a sede da categoria no país, a partir de 2021.
“As tratativas para renovação do contrato certamente não serão afetadas. Pessoalmente acredito que a categoria não pode deixar de correr no Brasil e, pelo que se sabe até o momento, a solução mais sensata é continuar no centro econômico do país e em um autódromo considerado um dos melhores do mundo”, finaliza Tamas Rohonyi.
Crédito da foto: chuttersnap
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