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Os clubes podem ser recusar a liberar atletas para mundiais das categorias de base?

Por Higor Maffei Bellini

Eu estava revisando alguns textos antigos meus aqui no “Lei em Campo” quando encontrei uma matéria interessante e antiga sobre a questão da liberação de atletas de base para a seleção brasileira1. Então pensei: por que não atualizar a discussão para o ano de 2024, quando teremos o Mundial Feminino Sub-20 e o Sub-17? Isso pode, em teoria, fazer com que algum clube que tenha em seu elenco principal atletas sub-20, ou então sub sub-17 não queira liberá-las. 

Este ano já tivemos o Sul-Americano Sub-20 Feminino e ainda teremos o Mundial, o que torna interessante revisitar esse assunto, que nunca fica velho. Pelo contrário, ele se torna cada vez mais relevante, uma vez que as equipes utilizam cada vez mais jovens atletas em seus elencos adultos. Por essa razão, a questão da idade mínima para que uma atleta possa participar de jogos oficiais adultos pode ressurgir e se tornar importante. 

Peguei duas competições Sub-20 femininas de forma proposital, pois são competições oficiais. Os clubes não deveriam sequer considerar a possibilidade de não liberar suas atletas para servir à seleção nacional, uma vez que essas competições são de interesse tanto dos países quanto da própria FIFA, que deseja ver as equipes com sua força máxima. 

É interessante trazer essa discussão agora, em 2024, pós-pandemia de COVID-19, que em razão das barreiras sanitárias, com as exigências de longos período de quarentena e apresentação de exames, para demonstrar que a pessoa, não estava naquele momento com o vírus da COVID19. Não esqueço desse evento que trouxe mudanças nas regras de vários esportes, incluindo o futebol. Por isso, temos muitos textos relativos às mudanças que a pandemia trouxe, mas que eram para um determinado período. 

Acredito que, no futuro, valerá a pena revisitar este texto para atualizá-lo em razão de mudanças nos regulamentos da própria FIFA, que pode e deve impor normas para as entidades filiadas. No nosso caso, desde a CONMEBOL, passando pela CBF e pelas federações estaduais, chegando até os clubes. Quem não cumprir essas determinações pode ser suspenso do direito de disputar as competições oficiais. 

Essa é a “mágica” que permite que uma entidade privada, como a CBF, que organiza o futebol brasileiro sem nenhuma relação com o poder estatal, imponha aos seus filiados (os clubes) a liberação de seus empregados para servir às equipes nacionais da CBF, para a disputa de competições oficiais internacionais, assim entendidas aquelas a serem disputadas dentro da chamada família do futebol. Um clube que impedir sua atleta de se apresentar à seleção brasileira, quando convocada para jogos sul-americanos ou mundiais, pode sofrer consequências esportivas. 

Mas vamos lembrar que para a república brasileira a participação em competições esportivas oficiais, é tão importante que quando o atleta convocado é servidor público, seja civil ou militar, o período em que este estiver servindo ao selecionada nacional será considerado como tempo a disposição do empregador, como informa o artigo 84 da lei Pelé2 e teve o teor repetido no artigo 205 da Lei Geral do Esporte3 

Isso, a não liberação dos atletas convocados, pode ocorrer por razões políticas contra a direção da entidade ou como forma de “esconder” a atleta que está no final de contrato, obrigando-a a aceitar a renovação nas condições que o clube deseja, impedindo-a de ser vista por outras entidades esportivas. 

Contudo o CBJD que é aplicado para todas as modalidades esportivas praticadas no Brasil, em seu artigo 207, traz a seguinte tipificação para a entidade que se recusa a liberar os seus atletas quando convocados: 

Art. 207. Ordenar ao atleta que não atenda à requisição ou convocação feita por entidade de administração de desporto, para competição oficial ou amistosa, ou que se omita, de qualquer modo. 

Ou seja, a entidade esportiva que se recusar a liberar um atleta devidamente convocado, para participar de uma competição, seja ela oficial ou amistosa, ou seja, não precisa ser apenas nas datas FIFA, ou competições organizadas e chancelas, por ela, comete uma infração disciplinar que pode trazer as seguintes penalidades: 

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (NR). 

Mas então, Higor, o clube pode se recusar a liberar a atleta se aceitar pagar a multa? Se a única consequência fosse essa, então estaria resolvido. Mas não é isso. 

Primeiro, porque no regulamento da FIFA para o ano de 2024, que não faz distinção entre equipes nacionais, de base ou principais, existe a determinação de que as atletas sejam liberadas para os jogos oficiais. Isso está claro no Anexo 01, 1bis “Principles for women’s football”, nos itens 1 a 44. Não poderia haver tal diferenciação, pois, se houvesse, os clubes poderiam criar contratos de trabalho profissionais para burlar a obrigação de liberar as atletas. 

Aqui vale muito guardar a seguinte passagem: 

Clubs are obliged to release their registered players to the representative teams of their country for which the player is eligible to play on the basis of her nationality if they are called up by the association concerned. Any agreement between the player and a club to the contrary is prohibited. 

Usando o tradutor do google, pois é o que vocês põem usar para conferir, caso eu tivesse efetuado a tradução livremente, temos que: 

Os clubes são obrigados a ceder os seus jogadores inscritos ao representante times de seu país para os quais o jogador é elegível para jogar com base em seu nacionalidade se forem convocados pela associação em causa. Qualquer acordo entre o jogador e um clube em contrário é proibido. 

Além disso, não poderia haver distinção entre equipes de base e a equipe principal, pois os clubes poderiam preferir a profissionalização das atletas já aos 16 anos, alegando que não podem ser consideradas de base, mesmo tendo idade, porque teriam contratos profissionais. E a retirada dessas atletas para servir à seleção acabaria por interferir no equilíbrio da competição. 

E segundo, antes de encerrar a questão da obrigação dos atletas de base, para as competições internacionais, é necessário dizer que essas datas são conhecidas desde muito tempo antes das competições se iniciarem, podendo as equipes terem todo o tempo necessário para se adaptarem, para ficarem sem aquelas atletas. E deveria dar o tempo necessário, para que o calendário das competições nacionais fosse elaborados respeitando os eventos internacional, já pré agendados, pois é a entidade nacional que tem de adequa o seu calendário à entidade internacional e não o contrario 

O clube precisa cumprir a determinação da CBF para liberar o jogador convocado, sob pena de responder pelas perdas que sua atitude causou ao atleta, que perdeu a oportunidade de disputar uma competição importante. Isso pode ser fundamentado no direito civil e no direito do trabalho. Sobre o tema, é importante lembrar o que consta do REsp 1.291.2475, quando o ministro do STJ, Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que a teoria da perda de uma chance (la perte d’une chance) foi desenvolvida na França e se aplica quando um evento danoso acarreta para alguém, no nosso caso a atleta, a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda, como a de atuar em um evento de reconhecimento mundial. 

Esse pensamento de que o atleta não pode ser impedido de participar de um evento tão importante quanto uma Copa do Mundo foi utilizado para liberar o atacante peruano Paolo Guerrero6 para disputar uma Copa do Mundo que poderia ser sua última, em razão da idade. Mas quem pode garantir que uma jovem de 18 ou 19 anos terá outras Copas do Mundo pela frente? A convocação é um momento único. 

O clube não pode privar a pessoa de disputar uma competição da FIFA, que pode ser sua primeira e última, por entender que ela deve estar à disposição para ser utilizada em seus jogos, seja na sua categoria ou na principal. 

Esse pensamento de que o atleta, não pode ser impedido de participar de evento dão importante como uma copa do mundo, foi o que foi utilizado para liberar o atacante Peruano Paolo Guerreiro7, para disputar uma copa do mundo que poderia ser a sua última em razão da idade, mas, quem diz que uma jovem de 18 ou 19 anos terá mais copas do mundo pela frente? convocação é momento. 

O clube não pode privar uma atleta de disputar uma competição da FIFA, que pode ser sua primeira e última, alegando que ela deve estar disponível para seus jogos, seja na sua categoria ou na principal. O atleta tem uma vida esportiva que dura até por volta dos 35 anos, com alguns chegando aos 40 em boa forma física, mas, ainda assim, essa vida é única. Ele não pode ser privado de momentos únicos por causa das necessidades imediatas do seu empregador. 

Amanhã, quando o atleta encerrar sua carreira, ele só verá a tristeza do eterno “e se” tivesse ido, sem saber o que poderia ter acontecido se tivesse jogado o Mundial pelo seu país, em vez de ficar no banco de reservas do seu clube. O empregador pode, logo depois, negociá-lo ou afastá-lo do elenco sem maiores considerações sobre sua pessoa. Quem tem de amar o clube somos nós, torcedores, não o empregado, que tem contrato de trabalho por prazo determinado e que, em algum momento, será aposentado e dispensado do clube, às vezes sem receber sequer um “muito obrigado” do dirigente que pediu para ele não ir ao Mundial. 

Encerrando o texto, mas não a questão que sempre valerá a pena ser revisitada, hoje nenhuma equipe pode se negar a ceder uma jogadora sua para competições internacionais de base, como a Copa do Mundo Sub-20, ou sub-17. Se não fizer a liberação, poderá responder administrativamente junto à CBF e à FIFA, bem como perante a Justiça do Trabalho, pelos prejuízos causados à atleta que perde a chance de disputar um evento que pode ser único em sua vida.

Crédito imagem: Flamengo/Divulgação

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