Por Alice Laurindo e Beatriz Chevis
A Série A1 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino – edição 2020 contou, para alegria e alívio dos espectadores da modalidade, com a transmissão de todos os seus jogos[i]. Assim, seja por meio do Twitter, da plataforma MyCujoo, da Band ou, no caso das partidas finais, da ESPN, os torcedores puderam, pela primeira vez, acompanhar todas as partidas da competição, que alcançou números expressivos de audiência. Apesar disso, as questões atinentes à transmissão dos campeonatos femininos ainda são pouco debatidas e, certamente, demandam maior atenção diante da importância do tema para o desenvolvimento do esporte.
Para melhor compreensão do contexto geral da discussão, é essencial resgatar o histórico de transmissão da competição nacional. De 2013 a 2017, o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino contava com patrocínio da Caixa Econômica Federal, que aportava a quantia anual de dez milhões de reais à agência de marketing Sport Promotion. Por sua vez, a Sports Promotion – que permanece parceira da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) até os dias de hoje – detinha os direitos da competição e era responsável pela sua organização[ii]. Em que pesem as polêmicas envolvendo tal sistemática, fato é que parte do referido montante era utilizado para a geração de imagens, o que possibilitava a transmissão de alguns jogos, notadamente na SportTV, na Band Sport e/ou na TV Brasil.
Diante da não renovação do patrocínio da Caixa, o ano de 2018 trouxe uma série de desafios para aqueles que desejavam acompanhar a competição, que precisavam se valer de transmissões esporádicas realizadas pelos próprios clubes em suas redes sociais. Felizmente, a situação começou a se alterar já no início de 2019, mediante acordos realizados pela CBF com o Twitter[iii] e com a empresa MyCujoo[iv] (plataforma de streaming), para transmissão de parcela dos jogos da edição daquele ano. Significativo ressaltar que tais acertos previam a exclusividade com relação à internet e ao streaming, de modo que as agremiações deixaram de transmitir os jogos nas suas mídias sociais. Ademais, no decorrer da competição, a Band, resgatando sua tradição de incentivo à modalidade, passou a reproduzir algumas partidas na TV aberta[v].
O ano de 2020, por sua vez, contou com novos e significativos avanços. Pela primeira vez na história, todas as partidas do campeonato foram transmitidas ao vivo. A referida edição, além de contar com as já mencionadas parcerias com o Twitter, com a plataforma MyCujoo, e com a rede Band, ainda teve as suas finais transmitidas na TV fechada através da ESPN[vi] – o que muitos especulam ter sido apenas o pontapé inicial da emissora no apoio ao futebol feminino brasileiro.
Não obstante, a edição de 2020 da competição também bateu uma série de recordes de visibilidade, tendo atingido audiência por jogo equivalente ao triplo do ano anterior, bem como alcançado números expressivos quanto ao engajamento nas redes sociais[vii]. A título de exemplo, aponte-se que a partida disputada entre Corinthians e Palmeiras, em 17 de novembro de 2020, válida pela semifinal do campeonato, contou com o significativo número de 1.583.850 views no Twitter, certificando o potencial comercial da competição.
Traçado o contexto, mostra-se relevante tecer alguns comentários a respeito da negociação desses direitos. Com efeito, os artigos 31 e 32 do Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino – Edição 2020 (REC) estabelecem que as propriedades comerciais atinentes às partidas da competição devem ser definidas em acordos autorizados ou firmados pela CBF, bem como que tais acertos devem ser respeitados por todas as agremiações participantes, sendo objeto de Diretriz Técnica específica.
Na prática, isso demonstra uma opção associativa e de mercado no sentido de que os direitos de transmissão da competição nacional sejam negociados de maneira coletiva e, mais do que isso, tendo a entidade de administração do futebol como titular e como parte de qualquer contratação. Assim, ao mesmo tempo em que essa disposição sobressalta o protagonismo da CBF – em detrimento da autonomia individual dos clubes – ela também endereça à entidade uma sensível responsabilidade no tocante à produção de conteúdo e, consequentemente, ao desenvolvimento da modalidade como um todo Inclusive, à luz dessa métrica, convém destacar que as imagens das cento e trinta e sete partidas do Campeonato Brasileiro de 2020 foram geradas mediante emprego, pela CBF, do financiamento decorrente do Fundo de Legado da Copa do Mundo de 2014[viii].
Ao que tudo indica, as transmissões do campeonato brasileiro feminino, ao contrário do que ocorre na modalidade masculina, ainda não constituem fonte significativa de lucro. Depreende-se dos dados divulgados na imprensa que as parcerias realizadas com o Twitter e com a MyCujoo são gratuitas. Já no que se refere à cessão dos direitos de transmissão à Band e/ou à ESPN, não há publicização dos termos, de modo que não foi encontrada informação a respeito de eventuais valores envolvidos.
É certo, no entanto, que a importância de tais transmissões não deve ser subestimada. Com efeito, além do já mencionado crescimento do público espectador, a potencialização da transmissão dos eventos desportivos está diretamente ligada à valorização da competição enquanto produto (tornando-o mais atraente aos potenciais investidores e/ou aos patrocinadores[ix]), bem como à ampliação do público que acompanha a modalidade e ao aumento da exposição das atletas. Além disso, eventual onerosidade na cessão dos direitos televisivos do campeonato ainda poderia suscitar valiosas conclusões a respeito do direito de arena[x] das atletas profissionais que disputam a competição e da arbitragem contratada, constituindo interessante fonte de receita para as próprias atuantes de tais eventos esportivos.
Em todo caso, ainda que em constante implementação, fato é que a transmissão das competições femininas ainda está longe de atingir todo o seu potencial. Os direitos de transmissão podem ser negociados, fundamentalmente, para cinco segmentos distintos: (i) TV aberta, (ii) TV fechada, (iii) payperview, (iv) internet e (v) OTT[xi]/Streaming, sendo que alguns deles permanecem integralmente inexplorados no âmbito do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. É possível – e também desejável –, portanto, encontrar parceiros, distintos ou não, para todas essas categorias, de modo a explorar todas as oportunidades.
Além dos segmentos não explorados, também existem dúvidas quanto à continuidade dos projetos já iniciados, como é o caso da parceria com o Twitter, cujo acerto inicial se findou após dois anos. Ademais, muito se especula quanto à possível entrada de outros grandes agentes no mercado, como a Globo[xii], bem como quanto à possível intensificação da participação de outros já inseridos, como a ESPN e a Band.
Resta saber, então, quais serão os próximos passos no tema, que deve ser debatido e explorado, tanto por profissionais e gestores da modalidade, quanto por seus espectadores e apoiadores. De uma forma ou de outra, é certo que o ano de 2021 trará novos desafios, sendo forçoso concluir que as transmissões dos campeonatos femininos brasileiros ainda não atingiram todo o seu potencial e podem ser fundamentais para o desenvolvimento da modalidade, seja por seu potencial de gerar novas receitas – oriundas da própria transmissão ou dos patrocínios intensificados pela maior divulgação das competições – ou pela possibilidade de ampliar e consolidar o público que acompanha e contribui para esse cenário.
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Alice Maria Salvatore Barbin Laurindo é graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Atua em direito desportivo no escritório Tannuri Ribeiro Advogados. É conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e membra da IB|A Académie du Sport.
Beatriz Chevis é advogada associada do CSMV Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e conselheira do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da USP. Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Universitária Paulista de Esportes.
[i] ASSESSORIA DA CBF. Brasileirão Feminino A-1 2020 finaliza maior edição em oito anos de competição. 07 de dezembro de 2020. Disponível em < https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-feminino/brasileirao-feminino-a-1-2020-finaliza-maior-edicao-em-oito-anos-de-co-1 >.
[ii] VECCHIOLI, Demétrio. Brasileirão Feminino perde único patrocinador e não terá transmissão na TV. 03 de maio de 2018. Disponível em < https://olharolimpico.blogosfera.uol.com.br/2018/05/03/brasileirao-feminino-perde-unico-patrocinador-e-nao-tera-transmissao-na-tv/ >.
[iii] ASSESSORIA CBF. CBF e Twitter fecham acordo para transmissão do Brasileiro Feminino. 15 de março de 2019. Disponível em < https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-feminino/cbf-e-twitter-fecham-acordo-para-transmissao-do-brasileiro-feminino >.
[iv] ASSESSORIA CBF. CBF e MyCujoo firmam parceria para transmissão de oito competições. 03 de maio de 2019. Disponível em < https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro/cbf-e-mycujoo-firmam-acordo-que-garante-cobertura-de-oito-competicoes >.
[v] EL PAÍS. Campeonato Brasileiro Feminino Ganha Transmissão na TV Aberta. 02 de maio de 2019. Disponível em < https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/02/deportes/1556827788_761838.html >.
[vi] VAQUER, Gabriel. ESPN fecha compra do Brasileirão Feminino e fará finais ao vivo na TV paga. 09 de novembro de 2020. Disponível em < https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2020/11/09/espn-fecha-compra-do-brasileirao-feminino-e-fara-finais-ao-vivo-na-tv-paga.htm#:~:text=A%20ESPN%20BrasIl%20fechou%20nesta,de%20futebol%20feminino%20do%20Brasil.&text=As%20finais%20do%20campeonato%2C%20marcadas,com%20transmiss%C3%A3o%20na%20ESPN%20Brasil >.
[vii] ASSESSORIA DA CBF. No Twitter, Brasileiro Feminino triplica audiência e quebra recordes em 2020. 01 de janeiro de 2021. Disponível em <https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-feminino/brasileiro-feminino-bate-recordes-de-audiencia-em-2020 >.
[viii] ASSESSORIA DA CBF. Brasileirão Feminino A-1 2020 finaliza maior edição em oito anos de competição. 07 de dezembro de 2020. Disponível em < https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-feminino/brasileirao-feminino-a-1-2020-finaliza-maior-edicao-em-oito-anos-de-co-1 >.
[ix] SACCHITIELLO, Bárbara. As oportunidades geradas pelo futebol feminino na TV. 06 de maio de 2019. Disponível em < https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2019/05/06/as-oportunidades-geradas-pelo-futebol-feminino-na-tv.html >
[x] Em linha com o artigo 42 da Lei Federal nº 9.615/98 (Lei Pelé), “5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil”, sendo este direito referido no meio desportivo como “direito de arena”.
[xi] Sigla utilizada para se referir ao termo “on the top”, que denota plataformas que realizam transmissão de conteúdos que podem ser assistidos sob demanda.
[xii] VAQUER, Gabriel. Globo reforça plano com narradora e mira Brasileirão Feminino em 2021. 08 de dezembro de 2020. Disponível em < https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2020/12/08/com-1-narradora-globo-segue-plano-para-ter-brasileirao-feminino-em-2021.htm >