Nas últimas semanas vinha contando como João Lyra Filho se tornou o Pai Fundador do Direito Esportivo brasileiro, analisando sua história e suas ideias. Mostrei a grande influência que diferentes correntes tiveram sobre sua obra, como o Movimento Modernista, a Jurisprudência Sociológica norte-americana e, sobretudo, as ideias sociólogo e jurista brasileiro Oliveira Vianna.
O que não falei ainda foi o porquê de nas últimas colunas ter parado de contar diretamente acerca da história de Lyra Filho e ter focado nas divisões da organização esportiva nacional e o avanço do regime varguista no controle da área no país, o que culminou na edição do Decreto-lei n° 3.199, de 1941, a primeira Lei Geral do Esporte brasileira.
Vou a partir de agora buscar o retorno acerca da trajetória de João Lyra Filho mostrando que ele é não apenas um filho de todas aquelas correntes artístico-teóricas, como também resultado do próprio Decreto-lei n° 3.199, de 1941.
Se o Modernismo, como já escrevi anteriormente, valorizava a cultura nacional e certo nativismo, o futebol no início do século XX era um dos elementos que demonstravam a condensação de vários elementos da formação sociocultural dos brasileiros. Friedenreich e Leônidas da Silva, o Diamante Negro, eram os melhores exemplos.
Ademais, o futebol, por essas mesmas características, mobilizava massas e corações.
Junto a esse movimento, tanto Oliveira Vianna como Lyra Filho perceberam que havia um indício de um direito de criação popular no esporte, a que já denominavam por Direito Desportivo. O primeiro já vinha defendendo essa ideia na área do Direito Trabalhista; enxergava nos estivadores a criação de um direito peculiar, não deixando de também o ver no jusesportivismo. Já Lyra Filho apreende com Vianna essa teoria e bem a desenvolve no Direito Esportivo, principalmente na defesa da autonomia do setor.
Esse tipo de direito surgido das massas, a que Oliveira Vianna denominava por direito do povo-massa, tinha características que os dois teóricos aqui estudados pensavam se aproximar da jurisprudência sociológica de Oliver Holmes, como também já mostrei em edições anteriores. Sabe-se que não era bem assim, mas realmente Holmes defendia que “A vida do direito não tem sido lógica: tem sido experiência”.
Assim, dada a importância crescente do esporte no imaginário popular, especialmente do futebol, a tendência de o Estado Novo resolver o “Dissídio Esportivo” por meio de uma intervenção que apoiasse seu prócer Luis Aranha e sua CBD, ambos em apuros após a Aliança Vasco-América, e o ideário antidemocrático, antiliberal, do ideário do guru varguista Oliveira Vianna, o decreto-lei do esporte foi a saída para a tutela estatal do esporte no início dos anos 1940.
Como se viu na última coluna, e conforme nos conta Valed Perry, o próprio setor esportivo, seus dirigentes à época, clamavam por uma intervenção federal. Clara demonstração de imaturidade sistêmica e dificuldade de agir autonomamente.
Vou iniciar na próxima edição uma análise detida de todo o Decreto-lei n° 3.199, de 1941, mas de antemão gostaria de fazer essas remissões acerca de suas origens autoritárias.
Veja que mesmo sua redação, ou ao menos do anteprojeto, obedece tanto ao modus operandi viannista de comissões corporativas substituindo o Parlamento quanto à ideia de se resolver o conflito no campo esportivo por meio da intervenção estatal. A minuta da Lei Geral do Esporte do Estado Novo foi redigida pela “Comissão Nacional de Desportos”, criada por meio do Decreto-lei 1.056, de 1939. Eram membros do referido colegiado:
1. José Eduardo Macedo Soares – presidente da CBD no início dos anos 1920 e dono do jornal Diário Carioca, apoiou a Revolução de 1930 (era o presidente da referida Comissão);
2. Luis Aranha – um dos principais líderes da Revolução de 1930 ao lado de seu irmão Osvaldo Aranha, e então presidente da CBD, foi também dirigente do Botafogo e rivalizava com o grupo de Arnaldo Guinle;
3. Arnaldo Guinle, ex-presidente do Fluminense e da CBD, foi um dos responsáveis pela “Cisão Esportiva” em seus embates contra o dirigente botafoguense Rivadávia Meyer;
4. Major Joaquim Alves Bastos – era um esportista do Exército brasileiro e, à época, comandante do Forte de Copacabana; e
5. Capitão de Fragata Átila Monteiro Achê – membro do Movimento Tenentista que apoiou a Revolução de 30 e, à época, exercia a subchefia do gabinete do ministro da Marinha.
Como se vê, a redação do anteprojeto da primeira Lei Geral do Esporte brasileira ficou a cargo não de cultores do Direito Esportivo, mas sim dos dois lados em conflito na “Cisão Esportiva” (Botafogo e Fluminense) e de militares que pretendiam a intervenção total do governo federal no esporte. Um jornalista que presidiu a CBD antes da Revolução de 30 completava a comissão, talvez em busca de um equilíbrio entre os diferentes setores.
Assim, ao invés de se prestigiar a resolução do Dissídio Esportivo no seio do próprio sistema autônomo do esporte, os dirigentes em conflito não só pediram como também assumiram função na comissão que formulou a intervenção do Estado Novo no esporte, abandonando o acordo entre Vasco e América-RJ que primava por uma solução com respeito à autonomia esportiva.
Iniciava-se o período do “futebol totalitário”, tema de minha próxima coluna.