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Os documentos históricos do início dos trabalhos do Conselho Nacional dos Desportos (CND)

Retorno ao tema da história do Direito Esportivo e da Justiça Esportiva brasileiros, agora para contar como foram os inícios dos trabalhos do Conselho Nacional dos Desportos, o longevo e poderoso CND.

Como já vimos, em 1941 foi baixado por Getúlio Vargas o Decreto-lei n° 3.149. Tratava-se de uma lei, porém sem aprovação pelo Congresso Nacional, visto que a Ditadura do Estado Novo o havia fechado. Um dos principais objetivos da norma foi a criação do CND e ao mesmo tempo colocá-lo como ápice da Pirâmide Olímpica nacional.

Depois, na forma em que já contei aqui na coluna, o CND também evoluiu para assumir a função de órgão de cúpula da nascente Justiça Esportiva, o que se deu por meio de sua Resolução de 1942 que criou os Tribunais de Penas nas federações estaduais de futebol. Por meio de documentos praticamente inéditos que encontrei e que revelam como se normatizou de modo pioneiro o funcionamento da Justiça Esportiva em nosso país por meio de uma norma estatal, foi possível entender o seu surgimento.

Ainda imbuído da curiosidade academia, continuei a pesquisar os documentos que me chegaram às mãos e agora tenho a mostrar às atentas e atentos leitores como foi a instalação do CND ainda em 1941, bem como a redação de seu primeiro Regimento Interno, datado de 1942.

Assim, este será o tema desta e da próxima edição da coluna.

Em 22 de julho de 1941, portanto há poucos meses da publicação da primeira Lei Geral do Esporte brasileira, o Decreto-lei n° 3.199, de 16 de abril de 1941, foi editada no Diário Oficial da União da ata de instalação do CND e posse de seus membros, ocorrida no dia 7 de julho daquele mesmo ano.

Apenas para auxiliar a rememorar, o CND era órgão colegiado que tinha todos os seus membros indicados e nomeados pelo Presidente da República e que se vinculava ao então Ministério da Educação e Saúde, à época chefiado pelo grande político mineiro e estadista Gustavo Capanema que atuou como Ministro da Educação e Saúde – MES desde 1934 até 1945.

O CPDOC da FGV assim descreve a atuação de Capanema à frente o Ministério (MES):

Sua gestão no ministério foi marcada pela centralização, a nível federal, das iniciativas no campo da educação e saúde pública no Brasil. Na área educacional tomou parte do acirrado debate então travado entre o grupo “renovador”, que defendia um ensino laico e universalizante, sob a responsabilidade do Estado, e o grupo “católico”, que advogava um ensino livre da interferência estatal, e acabou conquistando maiores espaços na política ministerial. Em 1937 foi criada a Universidade do Brasil a partir da estrutura da antiga Universidade do Rio de Janeiro.

Imbuído de ideais nacionalistas, Capanema promoveu a nacionalização de cerca de duas mil escolas localizadas nos núcleos de colonização do sul do país, medida intensificada após a decretação de guerra do Brasil à Alemanha, em 1942. No campo do ensino profissionalizante foi criado, através de convênio com o empresariado, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Na área de saúde foram criados serviços de profilaxia de diversas doenças.

Outra importante iniciativa do ministério foi a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Capanema buscou, como ministro, estabelecer um bom relacionamento com os intelectuais brasileiros, tendo sido auxiliado nessa tarefa pelo poeta Carlos Drumond de Andrade, seu chefe-de-gabinete. (in https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/gustavo_capanema)

Do mesmo modo que enfrentou as tarefas de centralização e nacionalização na área de educação, o mesmo podemos dizer acerca de sua atuação à frente da área esportiva, principalmente pelas mãos de João Lyra Filho e o CND, como já vimos anteriormente. Na mesma linha, se ele se tendeu à conciliação frente às demandas privadas no ensino, também conciliou os setores que estavam em profunda divisão desde a Cisão Esportiva que se iniciou em 1916 e reverberou até os primeiros anos do Estado Novo.

Quanto ao CND propriamente dito, a solenidade de instalação foi iniciada com seu discurso. Do que apurei dos documentos que pude analisar, seu pronunciamento se deu em torno das demandas que repassava aos membros do CND aos quais dava posse naquele momento para vê-las enfrentadas pelo colegiado. Ainda voltarei a este tema.

Chamo a atenção ao fato de que nem todos os membros do CND tomaram posse na ocasião, tendo sido empossados somente o General Newton de Andrade Cavalcanti, o Almirante Alvaro Rodrigues de Vasconcellos e o Dr. João Lyra Filho, único civil ali dentre os empossandos, já que tanto Luiz Aranha como José Eduardo de Macedo Soares não compareceram ao ato. Aliás, dois atos são dignos de nota acerca das presenças e ausências: 1. Luiz Aranha era presidente da CBD, a mais importante entidade esportiva nacional, um misto de CBF e COB, e não esteve presente; e 2. todas as principais tarefas distribuídas aos membros pelo Ministro Capanema na posse foram destinadas aos militares, tendo João Lyra Filho assumido um papel bem periférico naquele instante.

Nota-se, ainda, na ata de instalação, que o próprio Ministro Gustavo Capanema reivindicou a ele a presidência do CND, portanto, antes mesmo da redação do Regimento Interno do órgão.

Pode haver aqui uma ligação tanto com a ausência do sabidamente influente Luiz Aranha, prócer da Revolução de 1930 e amigo e conselheiro do Presidente Getúlio Vargas, como com a pouca expressão alcançada por Lyra Filho no momento, com todas as funções iniciais de prestígio tendo sido repassadas pelo Ministro aos conselheiros militares do CND.

Lembre-se que além do fato de Luiz Aranha presidir a CND, ele provinha da corrente vitoriosa da Cisão Esportiva, justamente liderando os botafoguenses Rivadávia Meyer e João Lyra Filho e que havia derrotado Arnaldo Guinle, do Fluminense.

Teríamos aqui uma afirmação do nacionalismo e centralismo estadonovistas frente às demandas autonomistas do setor esportivo ou simplesmente uma supremacia militar na área?

Bom, espero que nas próximas edições possamos desafiar esse enigma.

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