Pesquisar
Close this search box.

Os fins justificam os meios na Justiça Desportiva?

“Não há nada mais difícil ou perigoso do que tomar a frente na introdução de uma mudança.”¹

Em que pese a sábia lição de Maquiavel, precisamos repensar Justiça Desportiva no Brasil!

No último dia 22 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol proferiu uma decisão histórica, mas com viés negativo. A polêmica começou quando, em posição irregular, um jogador da Ponte Preta aproveitou rebote do goleiro do clube goiano Aparecidense e marcou o gol que seria o da classificação para a fase seguinte da Copa do Brasil, lance que aconteceu aos 44 minutos do segundo tempo. O árbitro da partida validou o gol, entretanto, após sete minutos de muita confusão, voltou atrás e anulou.

No período da confusão, diversas pessoas conversaram com a arbitragem dentro do campo, o que fez o time de Campinas alegar que o delegado da partida havia passado informações ao auxiliar de arbitragem para que o árbitro anulasse o gol, o que suscitaria impugnação da partida. A Ponte levou o caso ao STJD, deixando a classificação da equipe de Goiás sub judice.

No Direito Desportivo Disciplinar, uma das lições básicas é diferenciar o erro de fato do erro de direito. A legislação, inclusive, prevê a possibilidade de anulação de partida quando houver, comprovadamente, erro de direito, como uma equipe jogar com 12 jogadores sendo que a regra só permite 11, ou ainda quando comprovadamente houve ato atentatório à dignidade esportiva, como no suborno da arbitragem, a exemplo do fatídico caso do árbitro Edilson Pereira de Carvalho. Mas não há essa possibilidade quando há erro de fato, como em uma mera interpretação equivocada da arbitragem, caso da decisão da validação de um gol irregular.

Ocorre que o Tribunal decidiu anular o jogo, ordenando a marcação de uma nova partida com o fundamento de que houve interferência externa da arbitragem, ainda que não tenha existido nenhuma prova robusta dessa interferência, inclusive com o próprio árbitro afirmando não ter conversado com o delegado da partida, como apontava a Ponte.

Não bastasse isso, houve remanejamento dos auditores para o julgamento, votando um auditor suplente da Comissão Disciplinar no Pleno, mesmo não havendo previsão regimental ou legal para tal. Por fim, ainda foi permitida uma instrução processual nada comum, com a apresentação de uma prova de vídeo editada que não tinha sido juntada aos autos.

No julgamento, a votação chegou a estar 4 a 0 para indeferir a impugnação da partida, entretanto, com o voto do presidente do órgão, ocorreu a virada.

A Associação Nacional dos Árbitros de Futebol contestou a decisão com uma nota oficial. “Entendemos que o STJD, instituição para com a qual estabelecemos uma relação respeitosa e valoramos importância, em sua sessão itinerante na última sexta-feira (22), ocorreu em infelicidade procedimental, desafiando o entendimento da entidade máxima do futebol – FIFA –, que, em seu compêndio normativo, precisamente na regra número 5, versando sobre arbitragem, se mostra enfática nos termos a saber: ‘As decisões do árbitro sobre fatos relacionados ao jogo, incluído o fato de um gol ter sido marcado ou não e o resultado da partida, são definitivas’.”

Classificando a decisão como temerária, comparando o STJD a tribunais de exceção e seus membros a inquisidores, a ANAF ainda completou: “Por fim, lamentamos essa atipicidade do Tribunal, tribal em sua voracidade sobre a honra e a competência alheia e banal sobre seu próprio regimento interno, ao desrespeitar o artigo 13, parágrafo único STJD: ‘Não poderão ser indicados como substitutos dos auditores do Pleno membros da Justiça Desportiva em exercício’, sendo esse outro grave vício jurídico que praticaram na malfadada sentença”.

Alinhado ao pensamento maquiavélico de que “uma mudança deixa sempre patamares para uma nova mudança”², e sabendo que esta não é a primeira vez que o modelo estrutural da Justiça Desportiva brasileira é posto em xeque, pensamos que a atual mudança de rumo dessa Justiça especializada, que foi remodelada após a Carta Magna de 1988, quando a Justiça Desportiva passou a ser constitucionalmente prevista, poderá ensejar uma nova mudança. Todos os envolvidos com o Esporte, em especial nós que militamos na Justiça Desportiva, precisamos refletir o que esta foi, o que esta é e o que poderá ser.

“Nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge, mas apenas se adia para desvantagem própria.”³

O esporte precisa de justiça, e a Justiça Desportiva precisa de todos nós!

……….
1 a 3 – Frases do filósofo Maquiavel

……….

Foto: Daniela Pinho.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.