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Os limites impostos pelas leis nacionais

Na semana passada, chamou a atenção uma notícia vinda da Holanda em relação a um jogo eletrônico: o governo do país multou a Electronic Arts (EA) por suposta violação da legislação nacional relativa a jogos de azar. A EA é a desenvolvedora do tradicional game FIFA, que inclusive é utilizado em importantes competições de eSports ao redor do mundo. Em resumo, o jogo possui um mecanismo por meio do qual o jogador obtém recompensas (dentre as quais cartas valiosas de jogadores que podem fortalecer o time dentre do game) ao abrir pacotes de cartas; a matéria reporta que as autoridades holandesas entenderam que esse sistema é baseado em mera sorte, configurando-se as características de um jogo de azar. A mesma reportagem informa, ainda, que a desenvolvedora já encontrara problemas em relação ao mesmo tema na Bélgica.

Trata-se de um duro golpe para a desenvolvedora, visto que o modo de jogo mais popular do game (FIFA Ultimate Team) baseia-se consideravelmente nesse sistema de recompensas. Mas traçando um paralelo entre os jogos eletrônicos (que são objeto de competições de eSports em nível mundial) e os eventos internacionais relacionados aos esportes tradicionais, não é propriamente algo surpreendente. O ocorrido remete às limitações eventualmente impostas por leis nacionais capazes de afetar um evento esportivo e/ou seus participantes.

Quem acompanha automobilismo há mais tempo provavelmente há de se lembrar que equipes icônicas de Fórmula 1 eram patrocinadas por empresas da indústria tabagista, com a exposição de marcas de cigarros nos carros. Atualmente, não mais se veem marcas de cigarros expostas com a mesma frequência na categoria (ainda que algumas empresas do setor ainda sejam patrocinadoras) – e o motivo disso é a existência de restrições em leis de diversos países.

No Brasil, é a Lei nº 9.294/96 que dispõe sobre a publicidade de produtos fumígenos. O caput do artigo 3º estabelece como regra o seguinte: “é vedada, em todo o território nacional, a propaganda comercial de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco”. A exceção a essa regra diz respeito apenas à exposição dos produtos nos locais de vendas – ainda assim, acompanhados das advertências sobre os males que causam à saúde.

A mesma lei versa, ainda, sobre publicidade de bebidas alcoólicas. Segundo o artigo 4º, a propaganda comercial desses produtos em emissoras de rádio e televisão somente é permitida “entre as vinte e uma e as seis horas”. No que tange especificamente ao esporte, é o §1º que determina: “a propaganda não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição”. Além disso, o artigo 6º veda a exibição de marcas de bebidas alcoólicas (e também de cigarros) em trajes esportivos.

O leitor mais atento provavelmente se lembrará, contudo, que nos últimos anos o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 foi patrocinado por uma cervejaria, cuja marca era estampada em diversos pontos da pista. Estaria, então, o evento contrariando a limitação imposta pela Lei nº 9.294/95? Não, porque o parágrafo único do seu artigo 1º define que “consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac”. Logo, essas restrições não se aplicam à ampla maioria das cervejas mais conhecidas do público (inclusive aquela cuja marca foi exposta no Grande Prêmio do Brasil), cujo teor alcoólico é inferior ao estabelecido na lei.

Mas o Brasil é apenas um dentre tantos países que recebem as corridas de Fórmula 1. A cada etapa do campeonato, a categoria precisa se adaptar às respectivas leis nacionais – e a publicidade de produtos como bebidas alcoólicas e tabaco é apenas um dentre tantos exemplos de particularidades que podem variar de país a país.

E isso não é “privilégio” da Fórmula 1; até mesmo os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo demandam alguma adaptação. A diferença é que, como esses eventos são realizados (via de regra) em um único país, é comum que o COI e a FIFA negociem com o governo local a criação de normas vigentes por prazo determinado e/ou específicas em relação aos eventos. Não por acaso, o Brasil editou leis específicas em ambos os casos: Lei nº 12.663/2012 (relativa à Copa do Mundo 2014) e Lei nº 13.284/2016 (referente aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016).

Esses poucos exemplos de Fórmula 1, Copa de Mundo e Jogos Olímpicos ilustram que eventos internacionais encontram-se sujeitos a variações conforme a localidade em que se realizam. Muitas vezes, elas não são visíveis ao grande público; mas os organizadores (e até mesmo os participantes, como é o caso das equipes de Fórmula 1) precisam estar atentos às especificidades das leis de cada país.

Voltando ao âmbito específico dos games e dos eSports, essa lógica também é aplicável. Ainda mais tendo em vista que os jogos eletrônicos são comercializados em todo o mundo, e que o esporte eletrônico tem o potencial de ver competições realizadas em países diversos – até mesmo com participantes competindo uns contra os outros de lugares distintos.

Assim, da mesma forma que organizadores de eventos esportivos de nível internacional devem observar as leis específicas de cada país onde pretendem realizá-los, os promotores de competições de esportes eletrônicos precisam estar atentos a isso. E no caso das desenvolvedoras, como mostra o recente caso da EA na Holanda, em alguns casos não bastará essa precaução apenas quanto ao nível competitivo; pode ser necessário, também, adequar a própria concepção do jogo (ou de parte dele) a eventuais limites impostos por leis nacionais.

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