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Os mecanismos substitutivos ao passe (parte III): direitos federativos, direitos econômicos, TPI e TPO

Ao longo das últimas semanas, dedicamos nossa coluna à repercussão histórica do caso Bosman no cenário das transferências no futebol mundo afora e às mudanças que o mesmo aprofundou na dinâmica das transações. Com o fim do passe, instituto que mantinha o atleta vinculado ao clube mesmo após o término do contrato, a FIFA precisou se movimentar para adequar seus regulamentos às exigências do Tribunal da União Europeia, prever novos institutos que continuassem a garantir remuneração aos clubes formadores e garantir estabilidade contratual no sistema associativo que comanda.

O caminho adotado pela FIFA foi no sentido da previsão de mecanismos substitutivos ao passe, no escopo de coadunar a liberdade laboral dos atletas com a necessidade de dar segurança jurídica às avenças. No Brasil, a Lei Pelé veio a reboque deste movimento. Desconsiderando eventuais mudanças que podem advir do recente caso Diarra, a aposta deu-se, especialmente, na vinculação contratual.

Ao final do contrato, o atleta torna-se um free agent, podendo negociar livremente com outro clube sem a necessidade de pagamento de multa ou qualquer outro valor. É comum a afirmação de que o jogador pode, a partir desse momento, transferir-se “de graça” para outro clube, sem despesas, o que não é integralmente verdadeiro. O novo clube não precisará arcar com as taxas da transferência, já que não houve rompimento contratual, mas terá de negociar salários, eventuais add ons, luvas, comissões de intermediários, etc. Para os atletas de maior renome, tais transações estão longe de poderem ser consideradas como gratuitas.

Caso haja um rompimento contratual sem justa causa (art. 17 do RSTP), seja por parte do clube ou do atleta, será devida a respectiva compensação financeira, com a consequente possibilidade de aplicação de sanções associativas e/ou disciplinares para o caso de não pagamento. Exatamente por conta de tal regime é que atualmente os clubes precisam manter seus principais atletas sob contrato e antecipar eventuais renovações, eis que seus principais ativos.

Chegamos, então, aos direitos federativos e econômicos, previstos no novo cenário das transações no pós-Bosman.

Os direitos federativos dizem respeito ao direito do clube de registrar o atleta na respectiva Federação e nascem a partir da celebração do contrato de trabalho, sendo acessório ao pacto laboral. Rescindido ou terminado o contrato, extingue-se o direito federativo, que é 100% da agremiação e não pode ser fatiado ou parcialmente cedido.

Os direitos econômicos, por sua vez, fazem alusão à receita gerada com a transferência do atleta, sendo decorrência da cessão onerosa (definitiva ou temporária) dos direitos federativos em caso de rompimento antecipado do contrato. Estes podiam ser cedidos parcialmente pelas entidades desportivas a terceiros, sendo muito comum o fatiamento dos direitos econômicos via negociação com grupos de investidores, como foi o caso do jogador Neymar, quando transferido do Santos ao Barcelona. Os clubes brasileiros, em especial, valiam-se do fatiamento como forma aumentar a arrecadação e como mecanismo de manutenção do atleta no clube por mais tempo via cessão de tais direitos. Como se nota, os direitos econômicos representam importante fonte de receita dos clubes via inserção de cláusulas penais nos contratos, especialmente os “exportadores”.

A partir de maio de 2015, movida por escândalos de fraudes cometidas em transações envolvendo o futebol, a FIFA passou a proibir a cessão dos direitos econômicos a terceiros, especialmente a intermediários e grupos de investimento, como forma de prevenir eventual conflito de interesses e dar mais poderes aos clubes, que seriam, a partir de então, os únicos que poderiam detê-los (mas, respeitados os contratos anteriores). Trata-se da vedação ao TPI (Third-Party Influence) e ao TPO (Third-Party Ownership), estampada nos arts. 18bis e 18ter do RSTP, cuja fiscalização ficaria a cago do Comitê Disciplinar da entidade. Terceiros, a partir de então, não podem mais ter influência sobre questões trabalhistas ou relativas à transferência dos atletas, assim como deter parcela de direitos econômicos, tudo no escopo de garantir mais autonomia aos atletas e clubes na celebração de transações, preservar maior estabilidade no cumprimento dos contratos, garantir a integridade das competições e maior transparência, além de evitar fraudes e lavagem de dinheiro. A ideia seria manter o dinheiro gerado pelo futebol dentro de suas próprias estruturas.

Em maio de 2019, com a publicação de uma nova versão do RSTP pela FIFA, ficou definido que, a partir de junho daquele ano, os atletas poderiam ser detentores de parte de seus direitos econômicos, não podendo ser considerados como terceiros para tal finalidade, conforme nova redação do art. 18ter. Ou seja, a cessão de parte dos direitos econômicos ao próprio atleta passou a constituir um novo instrumento de barganha nas transações, mas, muitas vezes, apresentando o efeito colateral de fazer o jogador pressionar o clube constantemente por transferências. A FIFA tem levado muito a sério as restrições ao TPI e ao TPO, o que levou a entidade, inclusive, a editar um manual específico sobre o tema em 2020[1], certamente no sentido de buscar reeducar os atores das transações. O tema é fascinante.

Nas próximas colunas, seguiremos a série tratando dos mecanismos substitutivos ao passe, mais especificamente as cláusulas penais e os mecanismos de solidariedade e de indenização por treinamento.

Crédito imagem: FIFA

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[1] Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/6413cca6d9bc5032/original/MANUAL-ON-TPI-AND-TPO-IN-FOOTBALL-AGREEMENTS-Dec-2021-Update.pdf. Acesso em 23/10/2024.

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