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Os mecanismos substitutivos ao passe (parte V): indenização por formação

Chegamos a última parte da repercussão histórica do caso Bosman. Na última semana, vimos como a FIFA, a partir do fim do passe, e, reconhecendo como a receita gerada pela negociação de direitos econômicos de atletas permanece como importante fonte de renda para os clubes, compondo grande parte do “PIB” do futebol, baseada na noção de fraternidade, incorporou o mecanismo de solidariedade em seus regulamentos como forma de remunerar os clubes formadores garantindo um percentual do valor da transação toda vez que o atleta é objeto de transferência internacional antes do término do contrato. Junto ao referido mecanismo, a FIFA introduziu o sistema TMS (Transfer Matching System) para efeito de controle e registro das transações, além de que, ao final de 2022, colocou em operação uma Câmara de Compensação (Clearing House – FCH) com a função de centralizar, processar e automatizar os pagamentos, atuando como intermediária de transações financeiras relativas aos mecanismos de solidariedade e de indenização por treinamento. Passemos a este último.

O RSTP[1] da FIFA prevê, no art. 20, que uma compensação deve ser paga ao clube formador em 2 hipóteses: quando o atleta assina seu primeiro contrato como profissional (quando o atleta, então amador, assina seu primeiro contrato profissional com um clube diverso daquele que o formou); e, a cada transferência internacional até o final da temporada na qual o jogador completa 23 anos (a FIFA considerada que o período de formação é compreendido entre os 12 e 23 anos, mas a indenização devida é relativa ao treinamento até os 21 anos). Neste último caso, diferentemente do mecanismo de solidariedade, a obrigação de pagar a compensação por treinamento incide independentemente do fato de a transferência ocorrer durante ou ao término do contrato do atleta.

Não há um percentual ou valor fixo aplicável a todo e qualquer caso. A FIFA divulga uma tabela (anexo 4 do RSTP) a partir da qual cada clube ocupa uma categoria (de 1 a 4), levando em conta sua importância no futebol mundial e quanto os integrantes de cada faixa costumam investir em suas categorias de base, seja em treinamento seja na educação dos atletas. O pagamento deve ser feito em até 30 dias do novo registro do atleta via Clearing House, devendo ocorrer um rateio proporcional entre os clubes formadores caso o atleta tenha realizado treinamentos por mais de uma agremiação entre os 12 e 21 anos. O anexo 4 do RTSP ainda estipula que o pagamento da compensação não será devido caso o clube anterior tenha rompido o contrato sem justa causa, se o jogador é transferido para um clube de categoria 4 ou na hipótese de o atleta profissional readquirir o status de amador após uma transferência.

No Brasil, a Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023) também implementa uma espécie de indenização por formação nacional, estabelecendo, no art. 99, que a organização esportiva formadora terá preferência na assinatura do primeiro contrato profissional do atleta por ela formada, a partir dos 16 anos de idade. Caso o atleta opte por assinar o primeiro contrato com outro clube, o § 5º do mesmo dispositivo prevê que a equipe formadora fará jus a valor indenizatório, desde que o atleta esteja regularmente registrado e não tenha se desligado previamente do clube formador.  A indenização será limitada a 200 vezes os gastos comprovadamente efetuados com a formação do jogador e é de responsabilidade do novo clube, devendo ser paga em até 15 dias diretamente ao clube formador contados da data do contrato, para efeito de viabilizar o novo registro junto à respectiva Federação.

Vale frisar, ainda, que o chamado Certificado de Clube Formador (CCF), emitido pela CBF no caso do futebol, é requisito para que o clube possa ser formalmente considerado como formador e, consequentemente, fazer jus à indenização por formação nacional. Basicamente, a lei condiciona a emissão do certificado, que agora também é exigido para que os clubes mantenham alojamento (o que foi motivado pela tragédia do Ninho do Urubu em 2019), à comprovação de que o clube forneça e garanta, por exemplo, programas gratuitos de treinamento nas categorias de base, complementação educacional, inscrição dos atletas em competições oficiais, apoio médico, psicológico, fisioterapêutico e odontológico, alimentação, transporte e convivência familiar, instalações adequadas, especialmente em relação a alimentação, higiene, segurança e salubridade, além de instituir ouvidoria com o escopo de receber denúncias de maus tratos e exploração sexual. Para se ter uma ideia, o Brasil conta com mais de 800 clubes profissionais e apenas cerca de 60 agremiações possuem o CCF.

Com a presente coluna, encerramos a série de cinco textos repercutindo a importância histórica do caso Bosman, o fim do passe, a mudança na dinâmica das negociações, os mecanismos substitutivos e as possíveis consequências que o caso Diarra pode projetar para os próximos anos.

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[1] https://digitalhub.fifa.com/m/6a0797ec77cbc02c/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-February-2024-edition.pdf. Acesso em 20/11/2024.

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