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Os perigos de uma vitória fácil

Apesar das finais dos campeonatos esportivos estaduais, a atenção de grande parte dos fãs de futebol, nos últimos dias, voltou-se para algo que está fora das 4 linhas. A matéria exibida no “Fantástico” de 12 de março trouxe a público a história de agora frustrados “investimentos” feitos por atletas de futebol, que teriam sido seduzidos por tentadores convites a obterem relevantes ganhos financeiros

Os atletas foram atraídos pela promessa de ganhos fáceis e rápidos, com uma taxa de retorno de 3 a 5% ao mês, que parecia mais tentadora do que até mesmo um troféu de um campeonato. Infelizmente, essa ilusão de ligeiro enriquecimento acabou levando-os a prejuízos consideráveis, tornando-os, aparentemente, e vítimas de um esquema fraudulento conhecido como “pirâmide financeira”.

A história triste e impactante é apenas a ponta de um iceberg – ou melhor, de uma “pirâmide”, como um trocadilho infeliz. Lamentavelmente, esse é apenas um exemplo de muitas situações semelhantes que assombram inúmeras pessoas, que motivadas por uma série de fatores psicossociais, culturais, econômicos e outros, buscam receitas quase instantâneas e fáceis, mas acabam sendo vítimas de esquemas fraudulentos disfarçados de produtos ou serviços legítimos.

Os atletas estão expostos constantemente na mídia e muitos se mostram nas redes sociais, que chegam, em alguns casos, a divulgar informações financeiras relacionadas às suas carreiras, salários e patrocínios. Essa exposição excessiva atrai indivíduos inescrupulosos que utilizam propagandas enganosas para obterem ganhos financeiros às custas do dinheiro suado (literalmente) dos jogadores. Eles usam táticas insistentes e oportunas, prometendo investimentos rentáveis e seguros em curto prazo, mas que, na verdade, são golpes.

Do outro lado, encontramos as vítimas que caem nas investidas dos golpistas. Ao aderirem ao mundo ilusório e atraente dos ganhos fáceis, expõem sua vulnerabilidade. Esse comportamento pode ser atribuído, em grande parte, à chamada Síndrome de FOMO – “Fear of Missing Out”, ou medo de perder algo e ficar de fora. Embora as razões desse comportamento ainda não sejam totalmente conhecidas, erros absurdos, aos olhos de pessoas mais – ou até menos – instruídas, têm se tornado cada vez mais comuns.

Apenas a título de exemplo: imagine que, em uma confraternização, o CEO de uma empresa conta ter comprado produtos originais baratos de um ambulante conhecido e incentiva os outros a comprarem também. Sob uma ilusória “pressão social” e medo de perderem uma boa oportunidade, as pessoas ali presentes também compram, mas descobrem depois que foram enganadas.

Essa história hipotética tem algo em comum com a situação descrita pelo “Fantástico”: muitas pessoas, mesmo sendo bem-sucedidas em suas atividades profissionais, tendem a achar que podem aplicar supostos conhecimentos, por mais parcos que sejam, em áreas estranhas ao seu cotidiano, ou seja, que não têm correlação com suas habilidades. Isso pode levá-las, tal como aparentemente ocorreu com os jogadores identificados na matéria, a investirem tempo e dinheiro em ativos falsificados ou fraudulentos, algo que para um observador externo poderia parecer óbvio. No entanto, o medo de perder uma aparente grande oportunidade, que um amigo ou pessoa próxima estaria aproveitando, faz com que o cérebro funcione de maneira irracional, deixando o instinto prevalecer sobre a razão.

Como é frequente em casos semelhantes, as promessas parecem ser tão boas em termos de espaço/tempo que algumas pessoas não se deixaram levar pela tentação, por terem deixado a desconfiança prevalecer. Afinal, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Parece que nenhum dos envolvidos no esquema revelado pela matéria teve essa conduta defensiva. Agora, sentindo-se seriamente lesados, em cifras que abarcam milhões, a opção que lhes parece sobressair é buscar a reparação na Justiça, já que, agora, até o santo desconfia de uma intervenção divina.

Esse caso não é um evento isolado no mundo do futebol. O esporte e aqueles que nele atuam não vivem em um mundo apartado da sociedade. Vale dizer, o fato de os jogadores terem conquistado, com muito esforço e dedicação, posições de destaque no cenário esportivo não lhes torna protegidos da ação de estelionatários. Pelo contrário, o dinheiro que acumulam com seus altos salários, patrocínios e por uma exposição de suas vidas, atrai oportunistas de toda ordem.

De acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, em 2021, o órgão aplicou cerca de R$ 30 milhões em multas por esquemas fraudulentos do tipo Ponzi. Portanto, não é surpreendente que os atletas também estejam sujeitos a cair em golpes ou investimentos mal orientados, sobretudo porque investimentos financeiros não fazem parte de sua área de atuação. Com isso, desprovidos de necessária e séria orientação de especialista, seu dinheiro acaba sendo lançado às incógnitas de um risco muito mal calculado.

Não seria surpreendente que novos casos, semelhantes ao que foi anunciado, surjam, vitimando mais atletas brasileiros e estrangeiros. Afinal, o futebol também está inserido na nossa sociedade, não fora dela e ou de modo alheio ao que acontece no mundo. Fato é que integrantes majoritários dessa sociedade se veem escravizados pelo dinheiro, encarando-o como um fim e não um meio. Muitos deles acabam se tornando vulneráveis às promessas que a moeda carrega desejos e ilusões. E, conforme diz Warren Buffett em relação tanto à vida financeira quanto a outros aspectos da vida em geral, “risco vem de você não saber o que está fazendo.”.

Crédito imagem: Fantástico/TV Globo/Reprodução

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Autores

Eduardo Torres Vignoli – Assessor Judiciário – Mestre em Direito Público.

Leonardo Carvalho Biscaro – Advogado, mestre em Direito Internacional Desportivo.

Otávio Guisard Faria – Especialista em mercado financeiro.

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