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Os riscos do retorno das competições desportivas no Brasil

Inicialmente devo dizer que é uma honra figurar como colunista deste renomado blog Lei em Campo que tem se notabilizado por levar ao leitor informações atuais do esporte e do Direito Desportivo. Na coluna “Sem Olé na Lei” pretendo abordar temas atuais e candentes deste ramo do direito que tem se desenvolvido de forma espetacular e global nos últimos anos.

Neste artigo de estreia, considerando o momento delicado pelo qual o planeta atravessa e luta pelo bem maior que é a preservação da vida, vamos falar acerca das possíveis consequências de uma retomada das competições desportivas no Brasil.

No dia 11.03.2020 a Organização Mundial de Saúde declarou tratar-se a Covid-19 de uma pandemia e recomendou a limpeza e higienização do local de trabalho, a promoção regular de limpeza das mãos e a disposição de lenços em locais de fácil acesso, com a adoção do teletrabalho sempre que possível.

Os campeonatos de futebol foram suspensos em praticamente todos os países do mundo. Alguns optaram pelo seu encerramento e apenas a Bielorrússia, Nicarágua, Burundi e Turcomenistão mantiveram as competições.

No intuito de se evitar a circulação de pessoas e limitar os vetores de transmissão da Covid-19, o isolamento social foi recomendado em muitos países, inclusive no Brasil.

A Lei n. 13.979/2020 dispõe acerca das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, dentre elas a determinação de realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos.

A lei define como isolamento a separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus. Já a quarentena é a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

Em países como a Alemanha e Portugal os campeonatos já foram retomados, com a adoção de todas as medidas de proteção da saúde dos atletas e dos profissionais do esporte, com a observância das medidas propostas pelos departamentos de saúde locais.

O Brasil tem sido muito criticado em razão das medidas tomadas no combate ao coronavírus e o assustador número total de óbitos sugere que o país ainda não atingiu o pico da contaminação. Desta forma, o atual momento, a princípio, não seria o mais indicado para uma efetiva retomada dos campeonatos.

Contudo, nesta altura é necessário um debate acerca do tema, definir protocolos, apontar os estádios que estão aptos para receber as partidas, periodicidade de testes e todos os elementos mínimos de segurança necessários para a retomada. Com isso, devemos expor quais são os riscos na hipótese de uma retomada.

É sabido que a paralisação das competições é extremamente danosa para os atletas que estão com sua forma física prejudicada em razão da falta (ou precariedade) dos treinos, bem como os abalos psicológicos, pois a vida útil do atleta profissional é por natureza, de curta duração, razão pela qual, alguns meses de inatividade representam uma eternidade quando se trata deste profissional.

Importante ressaltar que não se pode tomar como parâmetro a realidade dos países europeus onde os campeonatos foram retomados, tendo em vista que o estágio da doença é diferente e os meios de prevenção e combate foram distintos. Portanto, neste momento, no Brasil, o risco para os atletas é muito elevado, mesmo se for adotado um isolamento para todos aqueles que estão envolvidos na realização das partidas.

O direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante normas de saúde, higiene e segurança está prevista no artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal também é aplicado ao atleta profissional de futebol.

Sempre defendemos uma autonomia e não intervenção estatal no desporto. Porém, neste momento, quando da retomada das competições, esta deverá ser precedida da autorização do Ministério da Saúde ou secretarias regionais, até mesmo para evitar uma responsabilização futura das entidades de prática desportiva e de administração do desporto.

Independentemente da situação pela qual vivemos neste momento, onde milhares de vidas estão sendo ceifadas no Brasil e no mundo, deve ser lembrado que a lex sportiva já traz previsão relacionada ao meio ambiente de trabalho desportivo e enumera, de forma exemplificativa, quais são os deveres do clube empregador, conforme se infere do art. 34 da Lei n. 9.615/1998. Além da obrigação de registrar o contrato de trabalho desportivo perante a entidade de administração do desporto, o clube deve proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais, bem como submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva.

No momento de retomada das atividades a realização dos exames médicos e clínicos serão essenciais e indispensáveis, sendo que sua regularidade será necessária.

A Lei Pelé prevê a obrigatoriedade de contratação de um seguro desportivo (seguro de vida e acidentes pessoais). Todavia, tal fato não afasta a responsabilidade de indenização do clube empregador, tendo em vista que os contratos de seguro em geral excluem riscos associados às pandemias. As consequências da Covid-19 na carreira do atleta ainda são desconhecidas, mas poderão acarretar incapacitação temporária ou permanente, transferindo para os clubes o dever de indenizar.

A MP 927 trazia previsão que demonstrava a intenção do Governo brasileiro de deixar claro que o coronavírus não seria uma doença decorrente do trabalho, como regra, mas assim reconhecida, apenas para aqueles empregados que trabalhassem em atendimento hospitalar, por exemplo. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 29/04/2020, pela suspensão da eficácia do referido dispositivo legal, permitindo a análise de eventual contaminação de empregados pelo coronavírus ser considerada como doença ocupacional.

É importante ressaltar que com essa decisão o STF não afirmou que o coronavírus será automaticamente reconhecido como doença profissional, mas poderá vir a ser de acordo com a distribuição dinâmica do ônus da prova.

A partir do momento em que o retorno das atividades seja autorizado pelos órgãos estatais de saúde, com definição de critérios e normas de segurança, o atleta, mesmo que esteja com receio, deverá retomar os treinos e competições, sob pena de ser penalizado pelo clube empregador, tendo em vista que é obrigação do jogador participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas, conforme se infere do art. 35, I da Lei Pelé.

A não observância deste preceito por parte do atleta poderá ensejar a aplicação multas, advertências e até suspensões.

No intuito de se manter a lisura das competições e igualdade de condições é fundamental que os treinos se iniciem simultaneamente para todos os clubes, pois, do contrário, o clube que eventualmente iniciou a preparação dos atletas de forma antecipada poderá obter vantagem em relação aos demais concorrentes.

Nota-se, portanto, que a retomada das competições irá acontecer e deverá ser precedida de cautela e observância das diretrizes determinadas pelas autoridades de saúde.

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