Por Cáscio Cardoso
Todos nós que acompanhamos futebol no Brasil já nos acostumamos com a “dança dos técnicos.” Nem no atual mundo “do comum acordo”, que, em tese, limita o número de dispensas e trocas de comando nas séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, a prática diminuiu de forma relevante. Nenhuma novidade até aqui, ok, vou aos finalmentes: o que vem ganhando força em minhas percepções e provocando minha atenção, na verdade, está além do frenesi do fato novo. Hoje, a vacância do cargo de técnico traz, embutida (isso mesmo, no vazio), seja em tom professoral, equilibrado, apoiado em teses acadêmicas e práticas de gestão ou em gritos desesperados da claque que “só torce”, o mesmo clamor: “traz um técnico estrangeiro.”
Ainda durante as tratativas iniciais, demarco território: sou absolutamente favorável à abertura do nosso futebol não só a técnicos estrangeiros, como a um amplo intercâmbio de práticas de gestão, inovação, propostas táticas, preparação física, tecnologias e o que mais esse mundo diverso que negamos tanto enquanto nação pode oferecer. Falamos há 15 dias no Futebol S/A sobre o que importamos e exportamos para o mundo, no que diz respeito ao futebol, e percebemos o quanto podemos abrir nossas fronteiras para melhorar o esporte e o entretenimento. O técnico estrangeiro é uma camada desse processo. Reforço: positiva e necessária.
Então, vou ao ponto direto, sem volta, prometo: temos que tomar cuidado para não tratar o tema como se aborda hoje um “meme” da internet. O assunto “técnico estrangeiro” está sendo desenvolvido em um formato “modinha”. E isso é mais uma grande armadilha que o futebol feito com paixão nos prepara.
Para muitos torcedores, os sucessos de Jorge Jesus, Abel Ferreira, e, até certo ponto, de Jorge Sampaoli, mostraram a solução para os problemas de rotatividade de comandantes e, por tabela, da qualidade do nosso futebol. O técnico estrangeiro. Só que tinha um detalhe: essa medida parecia viável apenas para clubes brasileiros com alto poder aquisitivo. Só até o trabalho de Juan Pablo Vojvoda, técnico argentino do Fortaleza, ganhar destaque, com jogos e resultados surpreendentes, na ponta da tabela desde o começo da série A, com um clube nordestino, com orçamento modesto em comparação aos grandes clubes do país.
A partir do sucesso do argentino no Fortaleza, o técnico estrangeiro virou o “ouro de mina” dos clubes brasileiros também da “classe média”. Bahia, com Diego Dabove, e Sport, com Gustavo Florentín, por exemplo, já embarcaram na aventura. No dia que escrevi este texto, Guto Ferreira, do Ceará, foi demitido, com um desempenho questionável, mesmo o time figurando no 8º lugar. O que se clama pelas bandas de Porangabussu a partir de então? Técnico estrangeiro.
Não sabemos o que vai acontecer ainda com Dabove e Florentín. Nem quem será o técnico do Ceará. Porém, além dos sucessos de Jorge Jesus, Abel Ferreira e, repito, relativo de Jorge Sampaoli, temos exemplos de trabalhos discretos ou até mesmo muito ruins de técnicos estrangeiros no Brasil, como de Juan Carlos Osório, Reinaldo Rueda, Dudamel, Ricardo Gareca, Jesualdo Ferreira, Augusto Inácio, Paulo Bento, Lothar Matthaus, entre muitos outros. Técnico estrangeiro não é garantia, apenas por ser estrangeiro, de qualidade. De trabalho vitorioso e, principalmente, de resultados que possam contrariar a lógica do que os clubes fazem de errado em suas respectivas gestões.
O técnico estrangeiro não é a solução. O técnico brasileiro não é o problema. Precisamos deixar abordagens simplistas para o torcedor. Trazer técnico de fora exige, como pré-requisito, tempo para adaptação. Querem um técnico estrangeiro, mas vão entender se ele fizer um rodízio no time titular? Ou estabelecer critérios “novos” para nossos padrões conservadores? Bahia, Sport, e o futebol brasileiro, estão prontos para isso? Ou querem respostas fáceis? Fazem movimentos populistas que dão algum oxigênio perante a opinião pública na expectativa da “sorte voltar”? A boa gestão é que faz um clube forte e vencedor. A capacidade de gerar receita e investir no futebol. A saúde financeira, os processos profissionalizados. O Red Bull Bragantino tinha Felipe Conceição e hoje tem Maurício Barbieri. Mesmo com know-how de gestão que até facilitaria a adaptação de um profissional de outro país. Para o clube, organizado, sem clamor da torcida, com gestão profissional, a pressão por “estrangeiro” não deu as cartas. O intercâmbio é fundamental, mas as decisões precisam ser tomadas com o propósito certo. Hoje 35% da série A do Campeonato Brasileiro é de estrangeiros. Campeonato em que o líder, o Atlético-MG, é treinado por um brasileiro e o vice-líder, Palmeiras, por um estrangeiro. O time de melhor futebol do país, o Flamengo, é treinado por um brasileiro. Sabe o que isso quer dizer? Nada. São clubes de altíssimo investimento no futebol. “Hablando” ou falando, os trabalhos dos seus técnicos refletem muito mais esse conjunto de forças do que o CEP de nascimento ou a língua nativa.
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Crédito foto: Flickr Esporte Clube Bahia.
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Cáscio Cardoso é apresentador e comentarista esportivo da Rádio Sociedade da Bahia, do Podcast 45 Minutos e do Futebol S/A. Acredita em um futebol melhor a partir do aprofundamento das ideias e do equilíbrio na relação entre paixão e razão na condução do esporte mais encantador do mundo. É sócio do Futebol S/A.