Nada como as discussões saudáveis entre os torcedores para inflamar as conversas de bar e, ainda, promover o futebol. Cada região do país tem as suas “cutucadas”, como o “vice do Vasco” no Rio ou o “bi do Atlético” em Minas.
Em São Paulo, diante da ascensão do Palmeiras com o título brasileiro de 2016, o mantra “Palmeiras não tem Mundial” caiu nas graças dos torcedores de São Paulo, Corinthians e Santos.
Vale dizer que o São Paulo se considera campeão do mundo em 1992 e 1993 (Copa Intercontinental) e 2005 (Fifa), o Corinthians em 2000 e 2012 (Fifa) e o Santos em 1962 e 1963 (Copa Intercontinental).
Os torcedores do Palmeiras, por seu turno, defendem-se afirmando serem campeões mundiais de 1951 (Copa Rio/Torneio Internacional de Clubes).
Sem dúvidas, o que se busca nos esportes é a hegemonia. O melhor da rua deseja se tornar o melhor do bairro, que por sua vez quer ser o melhor da cidade, depois do Estado, do país, do continente e do mundo.
Na ausência de um campeonato de clubes verdadeiramente global, até 2004 era a realizada a Copa Intercontinental entre o melhor clube da América do Sul e o melhor da Europa, e o vencedor se proclamava “campeão do mundo”.
Nesse ínterim, em 2000, pela primeira vez a Fifa organizou um campeonato de clubes reunindo representante de todas as suas confederações. Infelizmente, por questões financeiras, a competição somente voltou a ser disputada em 2005.
O primeiro clube a se proclamar campeão mundial foi o escocês Hibernian, então campeão da Copa da Escócia, que, em 1887, venceu o clube inglês Preston North End. Até 1902 o vencedor do confronto “Inglaterra x Escócia” se declarava campeão do mundo.
No início dos anos 1950, o secretário-geral da Fifa Stanley Rous, sugeriu à CBD (atual CBF) a realização de um “torneio de campeões de todos os países filiados à Fifa” – daí surgiu a Copa Rio Internacional.
A Copa Rio Internacional de 1951 foi a primeira competição de clubes com abrangência intercontinental. Segundo os jornais da época, foi criada para indicar o campeão mundial de clubes. Participaram do torneio Vasco da Gama, Áustria Viena, Nacional, Sporting, Juventus, Nice, Estrela Vermelha e Palmeiras, que acabou vencendo o torneio.
A Fifa, recentemente, informou só reconhecer como Mundial de Clubes as competições de 2000 e a partir de 2005, tanto que em seu site não há menção aos campeões da Copa Intercontinental.
Sob esse prisma, somente Corinthians, São Paulo e Internacional seriam campeões mundiais, ou seja, em SP, nem Palmeiras, nem Santos teriam mundial.
Sob o aspecto jurídico-federativo, a Fifa tem a competência exclusiva e absoluta de organizar e chancelar competições oficiais entre seus filiados.
Não obstante isso, não se pode apagar o fato de terem existido competições “extraoficiais” toleradas (aceitas/aprovadas pela Fifa de forma tácita). Não se apaga, também, a relevância dos clubes envolvidos e, principalmente, o sentimento no momento de realização da competição de que dali sairia um legítimo campeão mundial.
Sendo assim, na lacuna deixada pela Fifa pela ausência de competições oficiais que consagrassem um campeão do mundo, os próprios clubes legitimaram competições que ao seu tempo indicavam o melhor do mundo naquele ano.
Para isso, pouco importa o nome da competição, o que vale mesmo é o sentimento e a legitimidade dos envolvidos no momento da competição.
Portanto, o Palmeiras deve, sim, se orgulhar do título da Copa Rio de 1951, trazê-lo no rol de suas mais importantes conquistas e honrar o legítimo título mundial daquele ano, pois, caso contrário, sob o fundamento de uma mera formalidade, desrespeitaria toda uma geração de atletas e clubes, bem como desconstituiria os títulos mundiais do Santos de Pelé (1962/1963), do Flamengo de Nunes (1981), do Grêmio de Renato Gaúcho (1983) e do São Paulo de Telê Santana (1992/1993) – e, por que não, do Fluminense, campeão da Copa Rio de 1952.
Salve, salve os brasileiros campeões mundiais com ou sem chancela da Fifa, mas com a tradição e legitimidade de um grande mundial de clubes.