O futebol é mais do que um jogo. É paixão, cultura, identidade. Mas, quando a violência se torna protagonista do jogo, o esporte perde sua essência. Perde porque esquece os valores que deveria representar: união, respeito e fair play. E quando isso acontece, até a bola precisaria parar. Mas não foi o que aconteceu no Recife no último sábado (1).
A barbárie tomou conta da cidade antes do clássico entre Santa Cruz e Sport. Violência, agressões, abusos e um clima de guerra se espalharam pela capital pernambucana. E, mesmo assim, a bola rolou.
Normalizamos o absurdo. E, ao fazer isso, perdemos todos – inclusive o futebol.
Era um dia para parar. Para refletir. Para tomar medidas concretas contra a selvageria que tem manchado o esporte. Mas, em vez disso, seguimos o script: a bola rolou, e a violência foi tratada como algo inevitável. As cenas do fim de semana são um retrato triste de um imaginário que precisa acabar: o futebol não é um mundo paralelo, onde as leis da sociedade não se aplicam.
O que é crime para um cidadão comum também é crime para um torcedor. E o que temos visto no Brasil é inaceitável: invasões a centros de treinamento, depredação de patrimônio, agressões em aeroportos, ameaças a atletas e um clima de medo que transforma estádios em campos de guerra. Não há justificativa para isso. Relevar, passar a mão na cabeça ou tentar encontrar desculpas só perpetua o problema.
A nova Lei Geral do Esporte e o combate à violência
A boa notícia é que o Brasil tem avançado no combate à violência no esporte. A Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), sancionada em 2023, trouxe mudanças significativas nesse sentido. Ela reforça a responsabilidade dos clubes e das autoridades em garantir a segurança nos eventos esportivos e amplia as punições para atos de violência.
A lei estabelece que os clubes são corresponsáveis pela segurança dos jogos e dos torcedores, podendo ser penalizados financeiramente e até perder pontos em competições caso não cumpram suas obrigações. Além disso, a nova legislação prevê a criação de um cadastro nacional de torcedores infratores, facilitando a identificação e o banimento daqueles que cometem atos violentos.
Outro ponto importante é a ampliação das punições para torcedores agressores. A lei aumenta o prazo de afastamento de estádios de 5 para 10 anos em casos graves, além de prever multas pesadas e a responsabilização civil dos envolvidos. A mensagem é clara: violência no esporte não será tolerada.
Além disso, claro que sim, também se aplicam ao torcedor-agressor toda a lista de crimes prevista no nosso ordenamento, como crime de ameaça, de agressão.
Claro que a tecnologia é uma auxiliar importante para tornar a lei efetiva. As imagens correm o mundo e são claras. Há como identificar os envolvidos, denunciar, julgar e punir no rigor da lei.
O papel da Justiça Desportiva e dos clubes
No âmbito da Justiça Desportiva, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) já prevê punições duras para clubes que falham em garantir a segurança. Os artigos 211 e 213 do CBJD reforçam a responsabilidade do clube mandante pela integridade do jogo e dos envolvidos. Em casos de violência, partidas podem ser adiadas, interrompidas ou até mesmo suspensas, com o clube infrator podendo ser declarado perdedor por 3 x 0.
Mas a punição desportiva não basta. Os criminosos precisam ser identificados, processados e punidos também pela Justiça comum. Crimes como ameaça, agressão e dano ao patrimônio devem ser tratados com o rigor da lei.
A relação clube-torcida: um problema histórico
Um dos grandes desafios é a relação promíscua entre clubes e torcidas organizadas. Em muitos casos, há uma troca de favores: ingressos gratuitos, apoio em eleições, dinheiro por “proteção”. Muitos dirigentes têm medo de enfrentar líderes de torcidas, o que só perpetua o ciclo de violência.
Essa relação precisa mudar. Os clubes devem adotar uma postura preventiva, criando mecanismos de governança que promovam a transparência e o diálogo com os torcedores. A aproximação entre torcedores e sócios, com mais controle e fiscalização, pode ajudar a construir um ambiente mais saudável e seguro.
O caminho para a paz nos estádios
Acabar com a violência no esporte é uma tarefa complexa, mas não impossível. O primeiro passo é identificar e punir os culpados, sem hesitação. A aplicação rigorosa da lei, tanto no âmbito desportivo quanto no civil, é essencial para coibir esses atos.
A Lei Geral do Esporte traz ferramentas poderosas nessa luta. Mas elas só terão efetividade se forem aplicadas com firmeza e consistência. A tecnologia, como câmeras de segurança e sistemas de identificação, pode ser uma grande aliada nesse processo.
O futebol não pode mais ser um refúgio para a impunidade. Enquanto alimentarmos a ideia de que o esporte é um “mundo paralelo”, onde as leis não se aplicam, cenas como as do Recife continuarão a se repetir. E a tragédia será sempre uma possibilidade.
O esporte tem a seu lado a lei. Mas ela só funciona quando é aplicada. Quando coíbe a violência e pune os culpados. Caso contrário, perde sua força e sua razão de ser.
O trabalho precisa ser coletivo. Estado, esporte e sociedade precisam estar juntos e dispostos a combater o problema.
O que aconteceu no Recife – e se repete em outras partes do Brasil – tem culpados. E eles precisam ser punidos. Só assim o futebol poderá recuperar sua essência e continuar a ser o esporte que une milhões de pessoas em torno de uma paixão comum.
Porque o futebol não é guerra. É jogo. É vida. E precisa ser protegido.
E, para isso, até a bola pode ter que parar.
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