Desde que foi anunciada, em 19 de julho, a parceria entre o Banco Regional de Brasília (BRB) e o Flamengo é cercada de polêmicas. E o principal fator para isso é o valor destinado pelo banco para estampar a camisa do atual campeão brasileiro e da Libertadores, R$ 32 milhões por ano de contrato. O banco afirma que firmou uma parceria negocial, e não patrocínio, com o Flamengo para a criação de um novo banco digital.
Mas o valor garantido pelo BRB ao Flamengo de R$ 32 milhões/ano, pelos próximos três anos, entrou na mira do Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC-DF), que entrou com representação pedindo ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) que determine o fornecimento de informações sobre a parceria e analise o caso.
“De fato, não se devem desconsiderar, nessa discussão, os valores (R$ 32 milhões/ano) envolvidos na efetivação de patrocínio em curso. Para se ter ideia, o valor anunciado é 400% maior que todo o orçamento do BRB com patrocínio em 2019, conforme o demonstrativo de gastos com publicidade, propaganda e patrocínios de 2019, publicado no DODF, o BRB dispunha de R$ 8 milhões para patrocínios”, ressalva a decisão da procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira.
Assim, o valor destinado para o Flamengo em 2020 é 267% superior ao montante previsto para todo este ano. Por isso, o órgão vai apurar se houve violação ao princípio da impessoalidade, da isonomia e, também, do interesse público. Em acréscimo, às queixas ainda se dirigem à falta de patrocínio ao esporte local; ao momento vivenciado pelo esporte olímpico brasileiro e à crise causada pela covid-19, nesse caso, citando o fato de que o volume de recursos envolvido no patrocínio é semelhante aos valores repassados pelo governo federal, para o enfrentamento ao novo coronavírus, no Distrito Federal.
“Será que esse patrocínio atende aos princípios da moralidade ou da eficiência? Qual o interesse de uma sociedade de economia mista do Distrito Federal, com pouquíssimas agências fora do território do DF, em patrocinar um clube de futebol de outra unidade federativa?”, questiona Daniel Falcão, advogado constitucionalista.
A “Lei das Estatais”, dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O artigo 27 fala que a empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.
O parágrafo 3º diz que “a empresa pública e a sociedade de economia mista poderão celebrar convênio ou contrato de patrocínio com pessoa física ou com pessoa jurídica para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica, desde que comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de sua marca, observando-se, no que couber, as normas de licitação e contratos desta Lei”.
A Constituição Federal também estabelece parâmetros para a definição de patrocínio por parte das empresas estatais no Brasil. No artigo 217, a CF fala que “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um”.
O inciso II da CF afirma que “a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento”.
Pela parceria, o BRB vai oferecer atendimento bancário em plataforma digital com produtos de identidade personalizada, programa de relacionamento e de experiências exclusivas, além de atendimento nos canais físicos. Por isso, a parceria também prevê a instalação de uma unidade do BRB nas dependências do clube para atendimento a atletas, torcedores e empregados do Flamengo.
O contrato possibilita ainda ao BRB direito exclusivo de pagamento da folha salarial do clube, e preferência na contratação, por parte do Flamengo, de produtos e serviços bancários como empréstimos, cartões e seguros. Em contrapartida, o clube terá participação nos resultados alcançados com a comercialização de produtos e serviços, o que vai gerar aumento de receita à instituição.
Fato é que o valor de mercado do BRB subiu de R$ 2,5 bilhões para R$ 4 bilhões após o anúncio da parceria com o Flamengo. Os dados foram confirmados pelo presidente do BRB, Paulo Henrique Costa. A previsão é de que os lucros sejam de R$ 50 milhões por ano para o Flamengo e R$ 50 milhões para o BRB. “Mas a gente espera que o resultado seja positivo e com valores ainda maiores”, destacou o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, durante a apresentação da parceria na semana passada.
Um dos argumentos de quem defende a parceria é de que o BRB é um banco de economia mista, fazendo com que o valor não saísse de uma estatal para o Flamengo. Mas não é bem assim.
“Só 3,15% é privado, negociado em bolsa, outros 80% pertencem ao governo do Distrito Federal e 17% é do Fundo de Previdência do DF. Nesse sentido, não dá para dizer que é um banco misto. É sim um banco estatal, e como tal deveria ter uma preocupação com esportes de menor exposição, como era o caso do patrocínio que já fazia ao basquete do Flamengo”, afirma César Grafietti, economista e consultor de gestão e finanças no esporte.
A situação é complexa porque o BRB compete em um mercado cada vez mais competitivo, especialmente relacionado ao de bancos digitais, e a exposição da marca é parte fundamental de qualquer estratégia.
“Do ponto de vista de exposição a escolha de um clube de futebol é sempre mais impactante que de qualquer outra modalidade. Não é algo que agrade dizer, mas é a realidade: o futebol canibaliza os demais esportes, chama mais atenção, tem mais força em sob qualquer ótica. Não significa que não pudesse ocorrer uma maior adesão a outros esportes, que tem inúmeras formas de retribuir a exposição. O impacto de estar na mídia e na camisa do Flamengo é inúmeras vezes maior que estar em 16 clubes do NBB, por exemplo”, analisa Grafietti.
O Ministério Público de Contas do Distrito Federal também apura a relação entre o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e o Flamengo. Ibaneis não deixa dúvidas sobre sua paixão pelo clube carioca, inclusive viajando no avião do elenco durante a campanha do título na Libertadores do ano passado.
“Por outro lado, não raras vezes, a imagem dos símbolos do Clube de Regatas do Flamengo é utilizada e associada ao Chefe do Executivo, inclusive em eventos nos quais participa nesta qualidade, e, não, como cidadão torcedor de seu time. Tais fatos serviriam de embasamento às denúncias feitas ao MPC-DF, evidenciando a possibilidade de ampliação, em nível nacional inclusive, da projeção pessoal, atual e futura, propiciada ao político em tela, em virtude da parceria e do patrocínio ora em análise”, diz o procedimento instaurado pelo MPC-DF.
Questionado sobre se essa parceria com o Flamengo foi fruto de articulação política do presidente do clube carioca Rodolfo Landim e da paixão do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, pelo rubro-negro, o BRB disse que “foi uma decisão técnica, negocial. O Flamengo tem a maior torcida do mundo. Com a parceria será possível a criação de um banco digital com produtos personalizados para 40 milhões de torcedores”.
Na semana passada, representantes do Gama e do Brasiliense, clubes tradicionais de Brasília e que vão disputar a Série D do Campeonato Brasileiro neste ano, se reuniram com o presidente do BRB onde foi prometido que o banco faria um aporte para as duas equipes e também ajudaria na retomada do esporte na capital federal, com a possibilidade inclusive de o banco patrocinar o campeonato estadual local.
O BRB rebateu as acusações de que não incentiva o esporte na capital federal. “O banco ressalta que tem orgulho de fazer parte do esporte do Distrito Federal, como a instituição que mais apoia equipes participantes do Campeonato Brasiliense de Futebol, há mais de 10 anos. O BRB também elabora, em conjunto com equipes do futebol do DF, um novo plano de incentivo ao times da modalidade. Atualmente, os nossos patrocínios esportivos em Brasília são para a Cerrado Basquete; Basquete Universo Brasília; equipe masculina e feminina do Brasília Vôlei; equipe Brasília Futsal; equipe de futebol feminino As Minas e Federação Brasiliense de Vela Adaptada”, explicou o BRB, em nota.
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