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Parem o Brasileirão

Por Pitágoras Dytz

Nada do que é humano me é estranho.
Terêncio

Parem o Brasileirão!

Mas não o parem por causa dos times do Rio Grande do Sul cujos campos – e não só os de futebol – estão debaixo d’água, mas porque o moral também está. Vidas se foram, levadas pela água, futuros ceifados ainda no talo, passados arrastados na caudalosa fúria da natureza, que arrastou casas, móveis, bichos, lembranças. Como assistir um jogo de futebol e esquecer que pessoas não têm água para beber, que milhares não têm um teto para se abrigar de mais chuva e do frio que penetra até os ossos? Como?

O futebol já serviu a causas humanitárias. A Seleção Brasileira não jogou num Haiti devastado por uma guerra civil? O Santos de Pelé não provocou um cessar-fogo na Nigéria para que os combatentes pudessem ver o Rei jogar? Por que então não paralisar o campeonato num momento como esse, de dor, de incerteza sobre como será o dia de amanhã nas cidades e campos depois que os grandes rios do Rio Grande retomarem seus cursos em suas margens, as pessoas tiverem voltados ao curso de suas vidas no que sobrou de suas casas, de suas criações, plantações, existências?

O Esporte é o locus do êxtase, da distração e da comunhão entre adversários. Mas o êxtase que ele provoca não consegue superar a dor, a perda, o luto, ele não pode distrair os olhares enquanto a tragédia está se desenrolando, e não há comunhão possível que não seja em prol da reconstrução. Não podemos repetir Munique em 1972. Aquilo foi desumano e o Esporte não o é. Ele é um dos maiores constructos sociais e, portanto, humanos, que há. O espetáculo vale menos do que uma vida. Não há compromisso comercial que se sobreponha a isso. Qualquer mensagem que passe nas placas de publicidade do estádio, ainda que de solidariedade, será como um animal carniceiro pousado sobre um monte de cadáveres. Os gritos de gol, um riso de escárnio sobre a tragédia. Uma mancha indelével sobre o Esporte, sobre o futebol, já tão contestado, já tão desacreditado em tantas plagas.

Parem o Brasileirão, mas não pelos times do Rio Grande do Sul. Parem-no pela empatia que, outrora, levou os antigos à trégua para que pudessem honrar os deuses nos jogos a eles dedicados, fazendo do Esporte um mecanismo de congregação.

Parem o Brasileirão, mas não pelos gaúchos. Suspendam-no por todos os brasileiros que se viram separados por dissensões políticas.

Parem o Brasileirão, mas não pelos que sofrem no Sul, e sim pela humanidade, inscrita na bandeira gaúcha, e que há em cada um de nós, que carregamos essa centelha que os estoicos chamavam pneuma, uma mistura de fogo e ar, parcela da Natureza do Todo que nos une antes mesmo de nascermos e para onde havemos de voltar quando já não estivermos, lembrando sempre que, quando o corpóreo houver perecido, serão os nossos feitos que serão lembrados por nossos pósteros. Portanto, parem o Brasileirão pela memórias das coisas que ainda estão por ser construídas e para que essa façanha sirva de modelo de humanidade a toda Terra.

Crédito imagem: Reprodução/X

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Pitágoras Dytz

Escritor, Advogado da União, ex-Consultor Jurídico junto ao Ministério do Esporte

@pitagoras_dytz

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