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Pela livre manifestação de opiniões nos Jogos Olímpicos de Tóquio

Nesta semana, nossas redes sociais foram invadidas por matérias jornalísticas e opiniões de internautas a respeito da manifestação pública da atleta de vôlei de praia, Carol Solberg.

Em um vídeo que viralizou na internet, Carol, embalada pela emoção de ter conquistado o bronze na etapa de abertura do Circuito Brasileiro, registra, ao final de uma entrevista concedida ao vivo, ainda em quadra e usando o uniforme da Confederação Brasileira de Voleibol, o frase “só para não esquecer: fora, Bolsonaro!”,

Vestida com o uniforme oficial de quadra que tem a marca do Banco do Brasil enquanto patrocinador da modalidade, a atleta torna público o seu desejo de que o Brasil não seja mais governado pelo atual Presidente, postura que lhe trouxe apoios, mas também represálias, seja por parte dos internautas, seja por parte da Confederação Brasileira de Vôlei e da Comissão de Atletas da modalidade. Estas últimas divulgaram notas oficiais censurando a posição da atleta.

Além dos julgamentos prematuros via internet, se tem notícia de que a atleta deverá ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportivo da modalidade, por possíveis ofensas ao Código Brasileiro de Justiça Desportiva, especificamente aos artigos 191 e 258, que, respectivamente, tipificam as condutas de deixar de cumprir o regulamento da competição e assumir conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva.

Desde que li as matérias, venho fazendo um exercício de futurologia que divido com vocês, leitores: qual será o tratamento do Comitê Olímpico Internacional se a mesma conduta vier a ocorrer nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020?

Para avaliar a situação pelo prisma que propus acima, lembro que especificamente para regular os eventos dos Jogos Olímpicos, vigora a Carta Olímpica, codificação dos princípios fundamentais do Olimpismo,  contendo as regras a serem observadas por quem participa do evento.

E para tratar das manifestações ou propagandas políticas, religiosas ou raciais, as proibindo expressamente em qualquer local olímpico ou outras áreas do evento multiesportivo, existe a regra de número 50 da Carta Olímpica, cujo fundamento é a proteção à neutralidade do esporte e dos Jogos Olímpicos e que tangenciamos quando publicamos os ensaios  https://leiemcampo.com.br/gloria-olimpica-performance-profissional/    e  https://leiemcampo.com.br/jogos-olimpicos-da-igualdade/.

De forma a tornar mais clara a interpretação da chamada Regra 50, como permite a mesma Carta Olímpica, o Comitê Olímpico Internacional divulgou um documento contendo diretrizes https://www.olympic.org/-/media/Document%20Library/OlympicOrg/News/2020/01/Rule-50-Guidelines-Tokyo-2020.pdf desenvolvidas pela Comissão de Atletas do COI e que objetivam orientar os comportamentos e posturas a serem observados pelos participantes quanto aos locais da competição onde seria permitido o livre exercício de opinião e quanto às temáticas e formas de abordagem.

Não seriam permitidos protestos e manifestações durante os Jogos Olímpicos quando e se ocorridas: no campo de jogo, na vila olímpica, durante as cerimônias de abertura, encerramento e outras cerimônias oficiais. Por outro lado, o mesmo documento permite a manifestação da opinião durante as conferências de imprensa e entrevistas, nas chamadas zonas mistas e nos centros de imprensa e de televisão, assim como também seriam permitidas em reuniões de equipe, em mídias digitais ou tradicionais, ou em outras plataformas.

Ainda que o objetivo do documento seja aclarar dúvidas, sua leitura não sana todas as imprecisões da regra. Assim, por exemplo, ao informar que há determinados locais em que o protesto e a manifestação não são permitidos, o COI nos leva a crer, inicialmente e por interpretação a contrário sensu, que em todos os demais locais, esse direito poderia ser exercido.

De tal modo, voltando ao caso da atleta brasileira de voleibol de praia, tendo em vista que ela expressou sua opinião durante uma entrevista, caso estivesse nos Jogos Olímpicos, não haveria ofensa à Regra 50 quanto ao local onde a manifestação de opinião ocorreu. Embora a entrevista concedida pela atleta Carol tenha ocorrido ainda em quadra, o mesmo, provavelmente, não se daria nos Jogos Olímpicos onde haveria locais e acessos específicos para tal finalidade.

Ocorre que ao chegarmos à lista dos locais permitidos as palavras “protestos” e “manifestações” são substituídos pela mera “oportunidade de expressar suas opiniões”. Além disso, o documento publicado pelo COI faz questão de apontar diferenças entre o ato de expressar opiniões e o de realizar protestos e manifestações e aponta alguns exemplos do que constituiria um protesto e, portanto, seria ofensivo à regra 50. Assim, a exibição de mensagens políticas, incluindo sinais ou braçadeiras, gestos de natureza política, como um gesto de mão ou ajoelhado e a recusa em seguir o protocolo estipulado para as cerimônias são exemplos de condutas que poderiam vir a ser interpretadas como protesto.

Diante das regras acima descritas, que mais confundem do que auxiliam, restaria à atleta Carol, caso a manifestação desta semana  ocorresse nos Jogos de Tóquio, defender que seu ato teria ocorrido em um local permitido – durante uma entrevista – e que se tratava do exercício ao seu direito de se expressar favoravelmente à saída de um dirigente do poder ou função que ocupa.

Apenas nos resta esperar e acompanhar como o Comitê Olímpico Internacional enfrentará, nos Jogos de Tóquio, ocorrências que possam aparentar ofensa à regra 50, norma que vem sendo mantida em nome da preservação do esporte, mas que ofende claramente o direito à livre manifestação do pensamento, uma das expressões dos Direitos Humanos que, por sua vez, tem ligação indiscutível com os valores do Olimpismo.

Esperemos que o Comitê Olímpico Internacional, devido ao seu caráter transnacional e projeção além das fronteiras, use sua capacidade de afetar positivamente a questão dos Direitos Humanos quando exercidos por seus atletas e reavalie, com olhos atuais, a questão da Regra 50 e sua interpretação, em nome dos mesmos valores olímpicos que garantem autonomia e sustentabilidade ao esporte.

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