Por Ivana Negrão e Thiago Braga
No dia 14 de junho de 1970, Pelé, camisa 10 do Brasil às costas, agachou-se no círculo central do gramado do estádio Jalisco, em Guadalajara, no México, sob olhar de Tostão, e amarrou pacientemente sua chuteira. A cena foi registrada pelas câmeras da transmissão e retransmitida ao vivo mundo afora – a Copa de 1970 foi a primeira a ser transmitida ao vivo -, e gerou uma crise entre as empresas de material esportivo Adidas e Puma.
Ao amarrar sua chuteira Puma King, e dar total publicidade ao ato, Pelé ajudou a colocar a Puma em evidência, abrindo caminho para que a empresa se tornasse ainda mais conhecida, e viesse a assinar contratos com jogadores como Johan Cruyff, Diego Maradona, entre outros. O que ele não sabia, porém, é que o ato reabriria uma guerra entre Puma e Adidas.
“O que parecia um ato inocente do brasileiro foi na verdade um momento crucial que estava ocorrendo durante a segunda metade do século 20 entre as empresas de roupas esportivas Puma e Adidas. Os dois fabricantes de calçados passaram por um período de intensa rivalidade na década de 1960. Ambas as empresas competiam por uma maior participação no mercado devido à crescente demanda por tênis, e o apoio a atletas tornou-se uma importante ferramenta de publicidade para as empresas. Atletas com experiência financeira logo perceberam essa rivalidade e começaram a exigir somas cada vez mais significativas para usar seus produtos. Em resposta a essas demandas crescentes, Adidas e Puma começaram a cooperar entre si, tentando reduzir o que havia se tornado uma corrida armamentista para as maiores estrelas do esporte. A forma de cooperação mais notável na época foi o Pacto Pelé: tanto a Adidas quanto a Puma concordaram que nenhuma delas contrataria o maior jogador de futebol do mundo para a Copa do Mundo de 1970”, conta Mario Leo, CEO da RESULT Sports, uma empresa que coleta e analisa dados e estatísticas digitais de esportes com sede na Alemanha.
Para entender como as duas empresas alemãs de material esportivo criaram a rivalidade, é preciso voltar até 1924, para a pequena cidade alemã de Herzogenaurach. Lá, os irmãos Adolf (Adi) e Rudolf Dassler, criaram a Adidas. Apesar de alguns percalços, e da obrigatoriedade de fornecerem calçados para o regime nazista comandado por Adolf Hitler, a Adidas brilhou na Olimpíada de Berlim, em 1936, quando atletas equipados por eles ganharam sete ouros, cinco pratas e cinco bronzes. Mas a guerra abriu uma fratura na empresa. Rudolf foi recrutado para defender as trincheiras alemãs durante a Segunda Guerra Mundial, deixando a companhia nas mãos do irmão.
“Depois que Rudolf voltou da guerra após um ano de prisão, a produção de calçados foi reiniciada – mas em janeiro de 1948, um racha se formou entre os irmãos que permaneceria até suas mortes. O real motivo é mantido em sigilo, mas há duas teorias. Uma teoria é que, pelo fato de Rudolf ter fugido do front em 1945 e ser preso na volta, Adolf deu aos ocupantes norte-americanos informações sobre seu irmão para que ele ficasse fora do caminho. De acordo com outra teoria, Adolf tinha ciúmes de seu irmão – rumores de que algo aconteceu entre Rudolf e a esposa de seu irmão, e ele era conhecido como um mulherengo”, recorda Mario Leo.
Assim, eles se separaram e enquanto Adolf cuidava da Adidas (inicial de seu apelido com o sobrenome da família), Rudolf fundou a Puma e instalou a guerra entre os irmãos.
Na Copa de 1970, no México, Adolf e Rudolf não estavam mais à frente das empresas, que eram administradas pelos filhos de ambos, Horst e Armin, respectivamente. Horst, um visionário que colocou a Adidas no meio das federações esportivas, conseguiu fechar um contrato de exclusividade com a Fifa, com direito a ser parceiro oficial da entidade e ao lançamento da Tango, bola oficial da Copa.
Para a Adidas, o “Pacto Pelé” era extremamente vantajoso: ela já era parceira oficial da competição e não teria a concorrência do maior astro da Copa do Mundo. Mas tudo caiu por terra quando o jornalista espanhol de ascendência alemã Hans Henningsen fechou um acordo com Pelé para que ele calçasse as chuteiras Puma no Mundial e pelos próximos quatro anos por U$S 125 mil (aproximadamente R$ 4,5 milhões nos dias atuais, corrigidos pela inflação).
“A Adidas ficou naturalmente furiosa porque a Puma violou o Pacto de Pelé e a rivalidade feroz entre as duas empresas recomeçou. Se a Adidas soubesse que as condições puras necessárias para a cooperação estavam ausentes, talvez não tivesse agido com tanta ingenuidade”, analisa o consultor de marketing Mario Leo.
“Pelé entendeu perfeitamente como uma imagem pode se tornar global. Teve o patrocínio da Puma, quando ele abaixava para amarrar a chuteira e era um ritual. Sem dúvida nenhuma ele deu o pontapé inicial para o entendimento enquanto desportista de criador de conteúdo monetizável”, analisa o advogado Marcos Motta, especialista em direito esportivo e na junção de esporte com entretenimento, o “Sportstainment”.
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