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Pelo direito das jogadoras afegãs de jogarem futebol: a FIFA precisa dizer “sim”

O Talibã não poupa ninguém, mas as mulheres têm sido as principais vítimas de um regime que há 3 anos as tirou das faculdades, dos postos de trabalho e do esporte. É sempre difícil mudar realidades, mas o esporte tem o dever de proteger direitos.

Recentemente participei de um seminário do Instituto Asser – instituição internacional que promove e fomenta discussões na área jurídica – e um dos painéis foi com a jogadora afegã Khalida Popal.

Depois que foi obrigada a deixar o Afeganistão para poder jogar futebol, ela formou um coletivo que se chama “Girl Power Organization“, e a palestra dela traz um título que também é uma provocação: “O esporte tem o poder de transformar o mundo”.

Mas ele cumpre esse papel?

Desde 2021 que Popal e as companheiras de futebol não sabem o que é representar o país, mas ainda sonham em fazê-lo novamente. Se no Afeganistão isso é algo que parece impossível, fora de lá o esporte tem como ajudar. Para isso, elas precisam ser reconhecidas pelos órgãos dirigentes do esporte como uma seleção nacional

Um ano depois da volta do Talibá, Khalida Popal implorou à comunidade internacional por ajuda para tirar o time do Afeganistão, determinando às jogadoras que queimassem seus uniformes para que os combatentes do Talibã não as atacassem por ousarem praticar esportes competitivos, que agora são proibidos para mulheres no país.

Agora, ela está pedindo à Fifa, a autoridade máxima do esporte, que permita que meninas e mulheres entrem em campo novamente para representar o Afeganistão.

Violência sem fim

Em 2022, essas jogadoras jogadores estavam abrindo caminho em meio a outras milhares de pessoas em direção ao aeroporto de Cabul, segurando documentos que esperavam que confirmassem sua passagem.

Desde que o Talibã assumiu o poder, meninas e mulheres foram proibidas de ir à escola e ao trabalho e ficaram confinadas em suas casas, podendo sair apenas com um tutor homem.

Em agosto desse ano, a situação ficou ainda mais perigosa.

Uma lei anunciada pelo ministro afegão da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, com 114 páginas com 35 artigos, dá o enquadramento legal ao que já tem sido prática implementada pelo regime desde o regresso ao poder em 2021.

As leis preveem penas de multas ou mesmo de prisão para quem as infringir e o artigo dedicado às mulheres torna obrigatório o uso do véu integral fora de casa, enfatizando que o rosto deve estar sempre coberto para evitar a tentação alheia. As roupas não poderão ser finas, apertadas ou curtas. Mas as regras vão para além do vestuário ao considerar a voz feminina – como uma parte íntima – também deve ser ocultada.

Assim, as mulheres não devem ser ouvidas a cantar, recitar ou ler em voz alta em público. Além disso, não podem olhar para nenhum homem com quem não tenham laços de sangue ou casamento, e vice-versa..

A Human Rights Watch chama isso de “a mais séria crise de direitos das mulheres do mundo”.

No futebol, no vôlei em todos os esportes

Assim como Popal, jovens atletas afegãs estão espalhadas por todo o mundo, ainda com muito medo de sequer pensar em praticar esportes novamente e constantemente preocupadas com suas famílias que continuam ameaçadas no Afeganistão, simplesmente porque suas filhas participaram de uma atividade esportiva nos últimos 20 anos.

As que ficaram no país, abandonaram o esporte.

Não existe saída. Pelo menos no país delas.

O Talibã roubou vidas, sonhos, mas não a esperança dessas atletas.

No evento do Asser, Popal disse que o país não tem apenas uma seleção feminina de futebol adulta, “mas temos as equipes juvenis pela Europa, e até mesmo algumas delas nos EUA e Canadá. Essas jogadoras afegãs da diáspora podem representar o Afeganistão em jogos internacionais? Não é tão difícil. Não é como ir à lua.”

Nas olimpíadas de Paris, a B-Girl Manizha Talash, do Time de Refugiados, pediu liberdade para as mulheres no Afeganistão e foi punida pelo Comitê Olímpico Internacional!

Manizha , de 21 anos, fugiu do Afeganistão em 2021 devido ao regime talibã que proíbe mulheres de praticar esporte e dança. Ela encontrou refúgio na Espanha. A dançarina conseguiu participar dos jogos através do avanço do esporte em criar uma equipe para refugiados e também pela cota da universalidade, já que a inscrição da B-girl do Afeganistão não foi concluída a tempo.

Durante a apresentação no breaking, Talash usou um traje com a mensagem: “Libertem as mulheres afegãs”. A ação violou as regras da Federação Internacional de Dança Esportiva (IDF), responsável pelo breaking nos Jogos Olímpicos, e também a Regra 50 da Carta Olímpica, que trata da neutralidade esportiva.

Agora, a própria Carta Olímpica traz a proteção de direitos humanos como um compromisso inegociável. Poderia o COI, então, em nome da neutralidade política punir a competidora?

O esporte tem um papel importante na proteção de direitos humanos.

ONU, esporte e direitos humanos

O esporte como instrumento de paz e desenvolvimento já tem o reconhecimento da ONU há algum tempo. Em 2003 foi publicada a Resolução 58/5, intitulada “Esporte como um meio para promover educação, saúde, desenvolvimento e paz”.

Em 2005, a Resolução A/60/L.1, seguia essa mesma linha e reconhecia o esporte como promotor de paz e desenvolvimento. Diz a resolução que:

  1. Acreditamos que hoje, mais do que nunca, vivemos num mundo global e interdependente. Nenhum Estado pode existir numa situação de total isolamento. Reconhecemos que a segurança coletiva depende de uma cooperação eficaz na luta contra ameaças transnacionais, em conformidade com o direito internacional.”

Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmam seu compromisso na construção e manutenção da paz e do respeito aos Direitos Humanos.

Ou seja, o principal órgão mundial de política internacional reconhece a importância do esporte como meio eficaz na busca não somente da consecução dos “Objetivos do Milênio”, mas reforçam o esporte como instrumento da valorização da cultura de paz e a observância dos Direitos Humanos.

Dessa forma, a Resolução da ONU traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos países membros das Nações Unidas:

  1. Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas a utilização do termo “desporto” em vez de “esporte”, o que sobressai nesse ponto 145 da norma da ONU é (1) a importância do esporte na promoção da paz e do desenvolvimento e (2) sua relevância na promoção dos direitos humanos, por meio da construção de um clima de tolerância e compreensão.

Ou seja, não existe esporte longe dos Direitos Humanos.

Papel do esporte no Afeganistão

Claro que a religião e a soberania precisam ser sempre defendidas. Agora, elas jamais podem ser usadas como pretexto para uma política de violação a direitos humanos e agressão à igualdade. Nessa hora, todos precisam fazer a sua parte.

É fundamental que a ONU, coletivos globais de direitos humanos e o próprio movimento esportivo exerçam mecanismos de pressão internacional dando atenção especial a vigência, eficiência e vinculação dos direitos da pessoa humana não somente na proteção de Direitos Humanos, como também de Direitos Fundamentais.

Banir o país de competições internacionais é um caminho já tomado em outras situações como contra a África do Sul à época do regime segregacionista do Apartheid.

Outra atitude que poderia ser significativa seria o reconhecimento pelos órgãos esportivos dessas equipes como seleções nacionais. Esse caminho faria com que o mundo olhe com mais atenção para o problema das mulheres no Afeganistão e proteja o direito de praticar o esporte que amam

Ser diferente nem sempre é uma escolha, é uma necessidade. E isso precisa ser protegido.

Ajudar mulheres e minorias para que o regime do Talibã respeite a liberdade e o simples direito de escolha – como praticar e viver do esporte – é dever de todos nós. É preciso ouvir Khalida e as companheiras dela.

Quando dirigentes esquecem de fazer a parte deles é a pressão organizada de atletas, patrocinadores, opinião pública e coletivos globais que precisa fazer com que eles se lembrem.

Crédito imagem: Getty Images

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