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Personal Legislator Tabajara

As Organizações Tabajara, idealizadas pelo grupo de humor Casseta & Planeta, são responsáveis por apresentar uma linha fictícia de produtos hilários para solucionar qualquer problema que surge no cotidiano.

Por serem “feitos sob medida”, os artefatos quase sempre recebem o prefixo “personal” e possuem sufixos que lembram a língua inglesa, embora mantenham o radical em português.

Assim, por exemplo, o “Personal Mentirosation”, o Personal Afastator”, o ”Personal Banheiro Transportation”, dentre tantos outros que estão elencados no Livro “Seus problemas acabaram: os melhores produtos das Organizações Tabajara” (2004)

De fazer inveja ao “grupo econômico”, a Presidência da República editou a recente Medida Provisória nº 984, para modificar o titular do direito de arena dos espetáculos esportivos, atribuindo tal prerrogativa apenas ao detentor do mando de campo, numa manobra nitidamente voltada para atender aos desejos de uma determinada agremiação futebolística.

Com efeito, como fartamente divulgado pelos meios de comunicação, a MP teve finalidade casuística e desprovida de qualquer urgência e relevância, uma vez que todos os grandes clubes de futebol, à exceção de um, possuem acordos para transmitir os seus jogos com as diversas emissoras de televisão.

Não havia a menor necessidade de um tema que esteja regulado há tanto tempo pela Lei nº9615/98 tivesse sofrido uma mudança tão abrupta por uma medida provisória, que possui prazo limitadíssimo de vigência e não se presta para disciplinar relações de caráter duradouro, como são os contratos de transmissão de campeonatos esportivos.

A MP só era urgente e relevante para um único clube que pretende negociar livremente seus contratos, uma vez que não se encontra hoje vinculado a qualquer emissora de televisão e tem dificuldades de concretizar suas tratativas, ante o fato de todos os demais times já terem licenciado a transmissão de suas partidas.

Está-se diante de um autêntico “Personal Legislator Tabajara”: como num passe de mágica, um clube obtém do Poder Público uma norma sob medida para resolver um problema jurídico particular, em detrimento de toda a coletividade, que passou a respirar ares de insegurança jurídica após a entrada em vigor da Medida Provisória.

Dentre tantas inconstitucionalidades das quais é portadora, a MP viola um dos princípios mais caros à Administração Pública, qual seja, o princípio da impessoalidade, tanto que está expressamente destacado no art. 37 da Constituição.

Por este princípio, o Estado deve agir imparcialmente perante os administrados, não podendo beneficiar nem causar danos a pessoas específicas. Seu descumprimento por parte do agente público constitui inclusive ato de improbidade administrativa, submetendo o autor às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

O princípio da impessoalidade é aliás, uma decorrência de outro princípio ainda mais estruturante de nosso ordenamento jurídico que é o sagrado cânone da isonomia, conhecido pela impossibilidade de dar-se tratamento diferenciado às pessoas de forma injustificável.

Por outro lado, é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3, inciso I da CF), sendo lógico e natural que o representante máximo da República deveria ser o primeiro a dar cumprimento a esse objetivo.

Tão surreal quanto os acessórios Tabajara, a MP chega ao cúmulo de dizer que está sendo editada “em razão da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19” (!!!), numa clara afronta à inteligência de todos os brasileiros, que são obrigados a conviver com uma piada de muito mau gosto.

Engraçados mesmo são os itens fabricados pelas Organizações Tabajara. Entretanto, engana-se quem pensa que esse humor é mera alienação da realidade, pois ele traz embutido uma crítica às propagandas sensacionalistas que garantem verdadeiros milagres para os consumidores, com produtos frágeis e de detestável padrão, sob o slogan “seus problemas acabaram”.

Diferentemente porém da “garantia” dada pelo Casseta & Planeta, a MP está muito longe de acabar com os problemas relacionados aos direitos de transmissão.

Muito pelo contrário, ela cria uma enorme confusão, além de insegurança jurídica, provocando questionamentos como a eficácia dos contratos celebrados pelas equipes sob a égide da lei anterior, a forma de salvaguardar os direitos dos atletas da equipe visitante – que são direitos fundamentais e que precisam ser respeitados (Art 5º, inciso XXVIII da CF) – a constitucionalidade da supressão de direitos inerentes à personalidade, como é o caso do direito à imagem das equipes, dentre tantos outros.

O que a MP tem mesmo de parecido com os produtos Tabajara é sua péssima qualidade. Portanto, se alguém deseja celebrar negócios jurídicos com base nessa norma é bom tomar cuidado.

Seus problemas, ao invés de acabarem, podem estar apenas começando.

Porque, como todo produto Tabajara que se preze, ela não deve durar muito tempo.

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