Pesquisar
Close this search box.

Perspectiva sobre a carga fiscal do Marco Legal dos Jogos

No último dia 24, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei (PL) 442/91, que acabou conhecido como o Marco Legal dos Jogos, cujo objetivo é legalizar os jogos no Brasil, como cassinos, bingos, apostas eletrônicas, jogos lotéricos federais e estaduais, jogo do bicho e on-line. Com a aprovação na Câmara dos Deputados, o texto segue agora para análise do Senado.

Um dos pontos mais polêmicos do projeto diz respeito à carga tributária. Esse fato não chega a ser novidade, afinal, no Brasil, a tributação sempre é um ponto sensível e decisivo para qualquer negócio.

O PL 442/91 propõe a criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre a comercialização de jogos e apostas, a chamada CIDE-jogos. A contribuição tem como base de cálculo a “receita bruta das empresas”, assim considerada a diferença positiva “entre o total das apostas efetuadas e o total dos prêmios pagos”. Sob essa base, conforme prevê o projeto, recairá uma alíquota de até 17%, que proíbe a cobrança de qualquer outra contribuição ou imposto sobre “o faturamento, a renda ou o lucro decorrentes da exploração de jogos e apostas”.

Também está prevista a criação da Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas, a TAFIJA, que surge com a finalidade de financiar  fiscalização das diferentes modalidades de jogos autorizadas pelo PL 442/91. Os operadores de jogos e apostas ficarão sujeitos à referida taxa trimestralmente, com base em valores fixos, previamente estipulados de acordo com o perfil de cada modalidade.

Da perspectiva dos jogadores e apostadores, o PL 442/91 cria uma faixa de isenção para os prêmios líquidos de até R$ 10.000,00, que passam a ser isentos do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF). Para os valores que forem iguais ou superarem esse teto, o projeto determina que seja cobrada uma alíquota de 20% de IRPF, sobre o valor do lucro líquido, isto é, a diferença positiva entre o que se apostou e o que foi ganho.

Parlamentares contrários à aprovação do PL 442/91 criticaram durante a votação a carga tributária. O PT, por exemplo, apresentou um destaque para aumentar o percentual de cobrança da CIDE-jogos para 30%, com o argumento de que a alteração era uma questão de justiça tributária, uma vez que os demais setores da economia, como a indústria, comércio, serviços e a agricultura, são onerados por todos os tributos incidentes sobre lucro, receita e folha de pagamentos, além dos tributos incidentes sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços.[1]

De fato, em princípio, não nos parece adequado criar uma diferenciação entre setores produtivos para fins fiscais, salvo se existir alguma razão justificável para isso. Mas o racional desenvolvido pelos opositores ao PL 442/91 nos parece invertido. Explico o porquê.

A despeito da matéria veiculada no projeto, uma carga fiscal de 17% é muito ou é pouco? Segundo apontam estudos, o setor de serviços atualmente tem uma carga tributária de 12,7% do seu faturamento, quando considerados tributos federais e o ISS. A indústria, considerando-se os tributos federais e o ICMS, tem uma carga de 11,8%, enquanto que o setor agrícola tem uma carga fiscal média de 12,9%.[2]

Analisando esses números, uma carga fiscal de 17% não é pouco, pelo contrário, é um tanto quanto elevada, e nos leva a crer que a pretensão de certos parlamentares de elevá-la para 30% é, no mínimo, exagerada, para não dizer extorsiva.

Nos debates que antecederam a aprovação na Câmara dos Deputados, a Deputada Federal Erika Kokay (PT-DF) trouxe a seguinte indagação: “temos, aqui no Brasil, quase 60% de impostos sobre a cachaça em função do risco que se corre com esse produto e agora se quer fazer um processo que a contribuição dos jogos que seja só 17%?”.[3] O ponto trazido pela parlamentar é interessante, pois não podemos tratar de forma díspares, situações semelhantes.

Mas questiono: é razoável falar-se em uma carga fiscal próxima a 60% para bebidas alcoólicas? A resposta é um claro e retumbante não. Uma carga nesse patamar é confiscatória. Autorizar uma atividade e sobre ela impor tributos nesse volume é simplesmente uma permissão proibitiva.

O raciocínio é equivocado. Ao invés de se buscar no sistema tributário as atividades ou produtos que têm a maior carga tributária para traçar um paralelo com o que se está propondo para os jogos e buscar elevar os tributos sobre eles incidentes, o correto (e mais equilibrado) é buscar identificar uma carga tributária que ao mesmo tempo traga retorno significativo para o Governo e fomente o crescimento da indústria.

O legislador não pode se esquecer que nos mercados nos quais a carga tributária é muito elevada, as atividades não se desenvolvem plenamente, ficam aquém dos seus potenciais, geram menos receitas e empregos.

O Brasil é mundialmente visto como um dos países com maiores tributos e menores retornos em termos de políticas públicas.[4] Não há mais espaço para elevar a carga fiscal. Não podemos deixar que equiparações sejam feitas pelo teto. É preciso razoabilidade, para não matarmos “a galinha dos ovos de ouro”.

Como contraponto à declaração da Deputada Federal Erika Kokay (PT-DF) entendo que uma carga fiscal de 17% para os jogos não é pouco. É bastante adequada, considerando os outros setores da indústria brasileira, como apontado acima. O que é excessivo é uma carga tributária de quase 60% sobre a cachaça. Um produto de uma indústria tipicamente nacional, com amplo mercado no Brasil e no exterior e que, se contasse com tributos mais módicos, certamente geraria ainda mais recursos e empregos para o nosso País.

Em termos fiscais, as equiparações devem ser feitas para menos. A “régua” deve ser nivelada para baixo, pois para cima, o empresário que atua no Brasil, não suporta mais. O legislador vai aniquilar sua fonte de recursos.

Alguém questiona que o atual limite da faixa de isenção do IRPF fixado em R$ 1.903,98 em 2007 está completamente fora dos padrões atuais, especialmente considerando a elevada inflação que o Brasil teve nos últimos anos? Acredito que não. Tanto que quando o PL 442/91 prevê a isenção para os prêmios de até R$ 10.000,00, são poucos aqueles que levantam a voz contra esse ponto. Essa previsão do Marco Legal apenas traz à luz a necessidade de o Governo providenciar uma urgente atualização das margens de isenção da tabela do IRPF, que a cada ano, sem a devida correção, cada vez onera mais os menos favorecidos.

Volto aqui ao que foi dito ao longo do texto, para se apurar se a carga tributária de uma atividade é alta ou baixa, devemos entender o mercado, as margens praticadas pelos operadores e o que é adequado para se impor ao segmento em termos fiscais, de modo a não desestimular a indústria. O fato de haver atividades mais oneradas do que outras, não nos leva para o caminho de tentar equiparar (para cima) todas elas, pelo contrário, nos faz pensar se o que já tem sido praticado para alguns setores não é abusivo. Fica a reflexão.

Crédito imagem: Getty Images

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-02/camara-conclui-votacao-do-projeto-que-libera-jogos-no-pais, acesso em 2.3.2022.

[2] https://atlantico.org.br/setor-de-servicos-tem-alta-tributacao/, acesso em 2.3.2022.

[3] https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-02/camara-conclui-votacao-do-projeto-que-libera-jogos-no-pais, acesso em 2.3.2022.

[4] https://ibpt.com.br/brasil-tem-alta-carga-tributaria-mas-continua-oferecendo-menor-retorno-a-populacao/, acesso em 2.3.2022.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.