Uma pesquisa feita pela ex-nadadora brasileira e integrante da Comissão de Ética do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), Joanna Maranhão, constatou uma triste realidade no esporte brasileiro. Os dados apontaram que 93% dos atletas brasileiros já sofreram algum tipo de assédio, seja físico, sexual ou psicológico. Especialistas ouvidos pelo Lei em Campo são claros: as entidades de práticas esportivas precisam criar mecanismos de proteção aos seus atletas.
“Os números são alarmantes e demonstram que temos um grave problema de cultura, que ultrapassa as barreiras do esporte e do Brasil. Vemos diversos escândalos de assédio acontecendo e, em muitos casos, as entidades agem para acobertar ou tentar normalizar estes comportamentos inadequados. Pesquisas como essa ajudam, pois colocam o problema em evidência. Agora é preciso que a sociedade e instituições se unam para conscientização, educação e mecanismos de prevenção, detecção e tratamento de casos de assédio moral e sexual, sempre visando a preservação das vítimas”, afirma Fernando Monfardini, advogado especializado em compliance.
“O alcance do esporte o insere em um papel social de responsabilidade perante demandas como essa. Por essa razão, as organizações que administram o esporte e as entidades desportivas devem conter com estrutura adequada para assegurar que mecanismos de integridade e governança sejam implementados e cumpridos”, reforça Ana Mizutori, advogada especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
Andrei Kampff, advogado especializado em direito desportivo e autor dessa coluna lembra que “decisões recentes de tribunais na Inglaterra e nos Estados Unidos já confirmaram a responsabilidade das entidades esportivas na proteção de menores. Esse é um problema sério e um compromisso inegociável de todos, sociedade, Estado e entidades privadas de esporte. Investir em governança, compliance e treinamentos é algo que precisa estar dentro do planejamento de qualquer entidade do esporte, por uma questão legal, social e moral”.
Ana reforça esse entendimento, para ela as entidades desportivas têm a obrigação de disponibilizar “canais de denúncia e outros meios que possibilitem o reporte de situações de assédio moral, sexual ou quaisquer atos contrários a ética e integridade corporativa e um departamento independente apto a apurar essas condutas desviada, além de assegurar a aplicação da respectiva sanção. Possibilitar a transparência e o diálogo entre os membros que integram as entidades de prática desportiva e as organizações que as administram favorece a identificação de abusos e o eficaz combate”.
Ao todo, 1043 atletas foram ouvidos. Desses, 93% relataram casos de assédio psicológico, 64% de assédio sexual e 49,7% de assédio físico. Mais da metade dos entrevistados eram mulheres e apenas 1% preferiu não se identificar com nenhum gênero.
Segundo Joanna, entre os países que fizeram pesquisas nesse sentido, o Brasil detém mais que o dobro de casos de assédio, dados esse que servem de alerta. A ex-nadadora se diz uma militante pelo esporte seguro e é uma vítima de assédio sexual.
“Eu sou uma mulher de 35 anos, eu fui uma atleta de alto rendimento por muitos anos, já representei o Brasil em quatro Jogos Olímpicos. E, se tratando desse tema, eu tenho a pior experiência que uma pessoa pode ter: eu sofri abuso sexual aos nove anos de idade pelo meu treinador. Como a maioria das vítimas, eu só fui trazer isso à tona muitos anos depois e isso, infelizmente, ditou a minha vida. E hoje eu falo como pesquisadora na área”, disse Joanna em entrevista para o ‘ge’.
Agora, Joanna quer tornar os dados da pesquisa feita para seu mestrado mais públicos e gerar uma conscientização de jovens atletas sobre o assédio no esporte.
A responsabilidade das entidades desportivas para casos de assédio está sendo discutida no Congresso brasileiro. Em fevereiro, avançou na Câmara o Projeto de Lei 9.622/2018, que acrescenta à Lei Pelé um dispositivo que exige clubes de futebol e entidades esportivas a promoção de medidas de proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual, como condição para receber recursos de bancos públicos.
Infelizmente esse problema não é exclusivo do esporte brasileiro. Em dezembro do ano passado, após cinco anos de batalhas judiciais, as vítimas de abuso sexual do ex-médico da equipe feminina de ginástica dos Estados Unidos, Larry Nassar, chegaram a um acordo com a Federação Americana de Ginástica, os Comitês Olímpico e Paralímpico americano e suas seguradoras. As ginastas receberão ao todo cerca de US$ 380 milhões (R$ 2,1 bilhões).
Um pouco antes, em junho de 2021, na Inglaterra, uma investigação independente apontou falhas de clubes e da própria federação em um dos maiores escândalos de abuso contra menores da história do futebol inglês. Um relatório de mais de 700 páginas apontou a falta de mecanismos internos de controle e apresentou caminhos necessários a serem tomados pelas entidades esportivas na proteção de atletas.
Um na Inglaterra, outro nos Estados Unidos. Dois casos históricos que reforçam compromisso legal de clubes e federações na proteção de atletas e servem também de exemplos para caminhos necessários a serem tomados no Brasil.
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