Herói ou assassino? Um exemplo ou um criminoso? Provavelmente, tudo isso. Oscar Pistorius tinha tudo para ser lembrado como um fenômeno do esporte, mas um crime brutal mudou radicalmente sua história e sua relação com o mundo. Mas este será um espaço não para se analisar a pessoa Pistorius, nem o crime de assassinato da namorada pelo qual foi condenado, e sim para falar de outra disputa jurídica. Essa, vencida pelo atleta.
Pistorius venceu a lógica. Nasceu em 1986 sem as fíbulas (ossos das pernas), o que forçou uma dupla amputação aos 18 meses de idade. Aparentemente sem talento, aos 12 anos ele surpreendeu a todos e se tornou um fenômeno no atletismo.
Para vencer obstáculos, é preciso superar medos. Ele se misturava aos meninos da idade e participava de partidas de rúgbi. Aos 15 anos, também de competições de atletismo. Com a ajuda de um tipo revolucionário de prótese, virou um supercampeão das pistas. Ganhou o apelido de “Blade Runner” (corredor-lâmina).
Em três paralimpíadas, Atenas, Pequim e Londres, ganhou seis medalhas, sendo quatro de ouro. Mas ele precisava de mais. Pistorius quis competir entre os melhores do mundo. Participar também de competições para não deficientes. Ele tinha conseguido os índices exigidos para isso.
Em 2008 a Federação Internacional de Atletismo o proibiu de competir com atletas não amputados, alegando que sua prótese conferia vantagem com relação aos atletas convencionais, ferindo o princípio da igualdade perante a lex sportiva. Para a IAAF, a utilização da prótese violaria a regra da competição nº 144.2 (e), que proíbe o uso de qualquer equipamento que incorpore molas, rodas ou qualquer outro elemento que forneça ao atleta uma vantagem sobre outro.
A defesa de Pistorius recorreu ao TAS alegando que a decisão era discriminatória, ferindo princípios de Direitos Humanos, além de não respeitar acesso igualitário e valores olímpicos. Entre as alegações, usava o art. 30.5 da Convenção Internacional de Direitos de Pessoas com Deficiência.
Por decisão das partes, o TAS reforçou que as fontes aplicadas seriam os regulamentos esportivos e a legislação de Mônaco. Como Mônaco não ratificou a Convenção, ela não seria aplicada no julgamento. A questão se complicava para Pistorius. A lex sportiva não seria confrontada pela lex publica.
O painel passou a analisar então se a prótese daria mesmo vantagem esportiva para Pistorius, violando de fato o art. 144.2 das Regras de Competição, o que inviabilizaria sua participação nas olimpíadas e em competições para não amputados.
Entendeu o TAS que não. Que a IAAF não conseguiu comprovar por meio de estudos científicos vantagens para Pistorius e reforçou dizendo que outros atletas amputados, mesmo utilizando-se da mesma prótese, não conseguiram índices para competir com atletas convencionais.
Pistorius venceu. No dia 4 de agosto de 2012, em Londres, Inglaterra, se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com atletas considerados normais, alcançando a classificação para as semifinais dos 400 metros rasos.
No dia 9 de agosto de 2012, juntamente com a equipe de revezamento 4×400 da África do Sul, se classificou para a final da modalidade na Olimpíada de Londres.
Em fevereiro de 2013, a modelo Reeva Steenkamp, de 30 anos, apareceu morta na casa de Oscar Pistorius. Um ano depois, ele foi condenado por homicídio. O atleta cumpre pena de 15 anos de prisão. Com a decisão da Justiça, Pistorius passou a ser, além de um fenômeno das pistas, um assassino.
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Mais sobre: TAS, sentença n. 2008/A/1480, de 16 de maio de 2008.