Herói ou assassino? Um exemplo ou um criminoso? Provavelmente, tudo isso. Oscar Pistorius tinha tudo para ser lembrado como um fenômeno do esporte, mas um crime brutal mudou radicalmente sua história e sua relação com o mundo. Mas este será um espaço não para se analisar a pessoa Pistorius, nem o crime de assassinato da namorada pelo qual foi condenado, e sim para falar de uma outra disputa jurídica. Essa, vencida pelo atleta.
Neste dia 4 de agosto, completam-se 8 anos que Pistorius se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com atletas sem deficiência. E o caminho não foi fácil.
Pistorius venceu a lógica. Nasceu em 1986 sem as fíbulas (ossos das pernas), o que forçou uma dupla amputação aos 18 meses de idade. Aparentemente sem talento, aos 12 anos ele surpreendeu a todos e se tornou um fenômeno no atletismo.
Para vencer obstáculos, é preciso superar medos. Ele se misturava aos meninos da idade e participava de partidas de rúgbi. Aos 15 anos, também de competições de atletismo. Com a ajuda de um tipo revolucionário de prótese, virou um supercampeão das pistas. Ganhou o apelido de “Blade Runner” (corredor-lâmina).
Em três paralimpíadas, Atenas, Pequim e Londres, ganhou seis medalhas, sendo quatro de ouro. Mas ele precisava de mais. Pistorius quis competir entre os melhores do mundo em competições para não deficientes. E ele tinha conseguido os índices exigidos para isso.
Mas alcançar o tempo mínimo estabelecido não era suficiente. Era preciso saber se a prótese de Pistorius daria a ele vantagem competitiva.
Em 2008 a Federação Internacional de Atletismo o proibiu de competir com atletas não amputados, alegando que sua prótese conferia vantagem com relação aos atletas convencionais, ferindo o princípio da igualdade entre os competidores, algo indispensável dentro da Lex Sportiva. Para a IAAF, a utilização da prótese violaria a regra da competição nº 144.2 (e), que proíbe o uso de qualquer equipamento que incorpore molas, rodas ou qualquer outro elemento que forneça ao atleta uma vantagem sobre outro.
A defesa de Pistorius recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) alegando que a decisão era discriminatória, ferindo princípios de Direitos Humanos, além de não respeitar acesso igualitário e valores olímpicos. Entre as alegações, usava o art. 30.5 da Convenção Internacional de Direitos de Pessoas com Deficiência.
Por decisão das partes, o TAS reforçou que as fontes aplicadas seriam os regulamentos esportivos e a legislação de Mônaco. Como Mônaco não ratificou a Convenção, ela não seria aplicada no julgamento. A questão se complicava para Pistorius. A Lex Sportiva não seria confrontada pela Lex Publica.
O painel passou a analisar unicamente se a prótese traria mesmo vantagem esportiva para Pistorius, violando de fato o art. 144.2 das Regras de Competição, o que inviabilizaria sua participação nas olimpíadas e em competições para não amputados.
Entendeu o TAS que não.
O Tribunal Arbitral julgou que a IAAF não conseguiu comprovar por meio de estudos científicos vantagens para Pistorius, e reforçou a decisão dizendo que outros atletas amputados, mesmo utilizando-se da mesma prótese, não conseguiram índices para competir com atletas convencionais.
Pistorius venceu.
No dia 4 de agosto de 2012, na Olimpíada de Londres, Inglaterra, se tornou o primeiro atleta paralímpico a disputar uma olimpíada em igualdade de condições com os demais atletas, alcançando a classificação para as semifinais dos 400 metros rasos.
No dia 9 de agosto de 2012, juntamente com a equipe de revezamento 4×400 da África do Sul, se classificou para a final da modalidade na Olimpíada de Londres.
Menos de um ano depois, a vida desse fenômeno do esporte mudou totalmente de rumo.
Em fevereiro de 2013, a modelo e namorada de Pistorius, Reeva Steenkamp, de 30 anos, apareceu morta na casa do atleta.
A acusação sustentou que Pistorius sempre foi uma pessoa agressiva e perigosa. Ela demonstrou que o ex-atleta tinha brigas constantes com a companheira e mostrou diversos momentos em que ele utilizou armas em público. Além disso, apresentou mensagens em que a modelo dizia que ele a assustava.
Já Oscar Pistorius e a defesa sempre alegaram inocência, e sustentaram a tese de que ele atirou por achar que um ladrão havia entrado em seu banheiro. O sul-africano também lembrou sua infância violenta e o trauma por ter perdido as duas pernas.
Um ano depois, ele foi condenado por homicídio. O atleta cumpre pena de 13 anos de prisão.
Com a decisão da Justiça, Pistorius passou a ser, além de um fenômeno das pistas, um assassino.
Mais sobre: TAS, sentença n. 2008/A/1480, de 16 de maio de 2008.
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