Introdução
Há um ano, nesta coluna, falamos sobre o Projeto de Lei 3559/2020[1], que batizei de “Lei do Nocaute”.
O PL teria a finalidade de garantir os princípios da segurança desportiva, alterando artigos da Lei Pelé, impedindo então que um atleta recentemente nocauteado pudesse competir sem liberação médica.
O projeto traz a exigência de apresentação de parecer médico, exames clínicos e de imagem, como, por exemplo os exames radiológicos e neurológicos, com o fim de se atestar a integridade física e mental dos atletas a eles submetidos.
Será obrigatória a realização desses exames ao atleta que tenha sofrido nocaute na última luta profissional, seja no Brasil ou no exterior. O parecer médico deverá ser apresentado à entidade ou ao responsável pela organização do evento desportivo, sendo condição irrefutável para participação em nova disputa profissional.
O projeto de lei estabelece também a autorização ao poder público a instituir multa equivalente a um terço do valor da arrecadação auferida ao evento, que deverá ser cobrada da entidade ou pessoa autorizada a realizar o evento desportivo entre atletas que não apresentarem o referido parecer médico, conferindo segurança aos atletas participantes.
Ocorre que, com a possível revogação total da Lei Pelé[2], o projeto, que tem premissas bastante interessantes, estaria apontando para o lugar no errado, quando consideramos a lei que o PL busca alterar.
O confronto entre autonomia desportiva e saúde dos atletas
A Lei 14.597/2023, a nova Lei Geral do Esporte (LGE), em seu artigo 2º, inciso XV e XVI, traz como princípios do esporte a saúde e a segurança dos atletas, sendo que a nova lei possui previsão expressa quanto ao cuidado que eventos esportivos precisam ter com atletas de esporte de combate, uma vez que seu artigo 82, parágrafo único, enquadra o atleta de esporte de combate como atleta profissional, levando-se em conta que a grande maioria desses atletas têm a luta como sua principal fonte de renda.
A exigência de contratação de seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas profissionais também consta do artigo 84, incisos III, V e VI da mesma lei. Da mesma forma, o art 59 da referida lei prevê, em seu inciso VI, que, no âmbito da gestão do esporte, devem ser adotadas medidas que visem assegurar a integridade dos competidores.
O objetivo do Projeto de Lei seria proporcionar a máxima segurança, sob um caminho gerenciado que permita ao atleta competir dentro dos limites das regras estabelecidas nos regulamentos do esporte, sem descuido de sua saúde, fazendo-se cumprir as exigências legais da LGE, uma vez que a vida e a segurança dos atletas, garantias do artigo 5º da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, são obrigações das entidades desportivas, o que não pode ser sobreposto pela autonomia de tais entidades.
Não se desconhece que os lutadores de esporte de combate no Brasil não são considerados empregados. Porém, é importante destacar que o atleta de esportes de combate já pode ser considerado atleta profissional no Brasil por força da nova Lei Geral do Esporte, isso sempre que tenha a luta como sua fonte de renda e que isso seja feito de forma permanente e remunerada. Devido à nova visão legal na qual se enquadra hoje este trabalhador, entendo que o Ministério do Trabalho poderia editar normas regulamentadores que protejam sua saúde, nos moldes do artigo 200 da CLT.
A sugestão de substitutivo
Com o fito de aproveitamento do PL, seguem as alterações ao texto legal, que ora sugiro:
“O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º – O Artigo 84 da Lei Nº 14.597, de 14 de junho de 2023, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 84……………………………………………………………………………………………………………
§ 5º Nas competições profissionais de luta realizadas no Brasil, o atleta que sofreu nocaute no último combate profissional, realizado no Brasil ou no exterior, deverá apresentar à entidade ou pessoa responsável pela organização do espetáculo desportivo, como condição para participar de nova disputa, parecer médico baseado em exames clínicos e de imagem que atestem sua integridade física e mental.
§ 6º O poder público do local em que será realizado o combate profissional poderá aplicar multa, no valor equivalente a um terço da renda auferida com o evento desportivo quando não for observado o disposto no parágrafo anterior.
§ 7º O Ministério do Trabalho poderá criar normas complementares relativas à saúde dos atletas profissionais da luta, nos moldes do artigo 200 da CLT.”
Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Considerações finais
Embora esportes de combate tenham seus riscos, em outros países existem controles para evitar que os lutadores compitam logo após serem nocauteados. No Brasil não há esse controle.
A Associação de Comissões de Boxe e Esportes Combativos (ABC), entidade estatal que une as comissões atléticas de luta nos EUA, tem a posição de que nenhum atleta deve lutar por um período mínimo de 60 dias após uma derrota por nocaute[3]. Existem perigos médicos bem conhecidos quando atletas com concussão retornam a competições de impacto, e aos treinos, antes que suas concussões tenham tempo de se curar adequadamente.
Em que pese a tentativa de se legislar para o cuidado com a saúde do atleta, este precisa respeitar o tempo de suspensão aplicada pelo médico. É comum que muitos atletas voltem aos treinos sem terem cumprido o tempo total de recuperação.
A lesão cerebral não faz distinção entre prática e competição. Trauma é trauma. E é necessário um tempo de recuperação para o caso de um nocaute.
Ao poder público cabe legislar para impor a necessidade de cuidado com a saúde dos atletas da luta, mas a estes cabe respeitar os limites do próprio corpo.
Crédito imagem: depositphotos
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[1] BRASIL. Câmara dos Deputados. PL nº 3.559 de 2022. Altera a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, que institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências, para incluir medidas cautelares para preservar a saúde do atleta profissional de luta. Projeto de Lei. Brasília, DF, Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256421. Acesso em 10 mai. 2024.
[2] Em sessão do Senado, no dia 09 de maio de 2024, foram incluídos na Lei Geral do Esporte – LGE (Lei 14.597 de 2023) 50 dispositivos que haviam sido vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 294 ainda precisarão ser apreciados pelo Congresso. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/05/09/fundo-para-o-esporte-e-parte-do-direito-de-arena-aos-atletas-sao-restabelecidos.
[3] Neidecker J, Sethi NK, Taylor R, Monsell R, Muzzi D, Spizler B, Lovelace L, Ayoub E, Weinstein R, Estwanik J, Reyes P, Cantu RC, Jordan B, Goodman M, Stiller JW, Gelber J, Boltuch R, Coletta D, Gagliardi A, Gelfman S, Golden P, Rizzo N, Wallace P, Fields A, Inalsingh C. Concussion management in combat sports: consensus statement from the Association of Ringside Physicians. Br J Sports Med. 2019 Mar;53(6):328-333. doi: 10.1136/bjsports-2017-098799. Epub 2018 Jul 26. PMID: 30049779; PMCID: PMC6579496. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6579496/pdf/bjsports-2017-098799.pdf. Acesso em 10 mai. 2024.