A Câmara aprovou Projeto de Lei de relatoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) – e o incentivo do presidente da Casa, Rodrigo Maia –, que estimula clubes a mudarem a natureza jurídica, se transformando em empresa. Mais uma vez, políticos tomam uma decisão eleitoreira, e prestam um desserviço para o futebol.
O Projeto traz um verniz de modernidade, mas na verdade mais parece ressuscitar velhas práticas que nunca contribuíram para alimentar políticas de boa governança e transparência na gestão esportiva. E mais, gera profunda insegurança jurídica para os clubes.
Crédito, perdão de dívidas, compromissos vagos com responsabilidade e transparência. Tudo para salvar clubes que repetidamente esquecem as boas práticas de gestão.
E isso acontece principalmente pela falta de debate. O projeto sequer passou pela análise de uma comissão, como é o costume da casa, Isso porque foi aprovado em regime de “urgência urgentíssima”. Que urgência é essa? Por que justamente esse PL?
Só para lembrar, aproveitando esse interesse da classe política e de grande parte do mundo esportivo brasileiro por essas questões jurídicas: há uma nova Lei Geral do Esporte – o PL 68/2017 – pronta para ser analisada pelo Senado.
Um PL que trata a questão do esporte de maneira sistêmica, unifica a legislação esportiva e ataca, entre outras coisas, a corrupção privada no esporte (sim, corrupção privada passa a ser tipificada, e um dirigente que desviou dinheiro de entidade poderá ser preso).
Tem também um outro PL que está na Câmara, o PL 5082/2016, que foi elaborado por pensadores do direito esportivo e teve autoria do deputado Otávio Leite. Um projeto muito mais completo e menos perigoso sobre Sociedade Anônima do Futebol, as SAFs, e que também parece esquecido.
Por que se esquecer desses projetos e querer discutir em regime de “urgência urgentíssima” algo novo, sem o debate mais aprofundado e necessário com o movimento esportivo? Seria importante que nossos políticos respondessem.
O PL aprovado pela Câmara nesta quarta vai agora ao senado.
O projeto define que clubes poderão se transformar em sociedade empresariais, de acordo com o que estabelece o Código Civil, podendo fazer parte de fusão cisão ou incorporação a outras sociedades.
O texto estabelece ainda que, como sociedade empresarial, o clube-empresa deverá prestar informações de forma pública sobre atividades realizadas, dados econômico-financeiros e práticas de governança.
Ele também prevê um regime de tributação específico para os clubes, o chamado Simples-Fut.
Mas…
também define modalidades de quitação de dívidas tributárias e não tributárias, estabelecendo critérios para redução de juros e multa. Ou seja. um “prêmio” para o mau gestor. Quase um calote de dívida. Além de garantir aos clubes um regime especial de quitação de outras dívidas com a União.
Ou seja, um PL que mais uma vez ajuda a gestão irresponsável, afasta investidores e dificulta a profissionalização do futebol. Um desrespeito com a sociedade, e com os torcedores.
É fundamental, nesse momento em que o movimento esportivo e o Congresso debatem o esporte, que se discuta e se avance na construção de um mecanismo legal que corrija os descaminhos da gestão esportiva, que exija compromissos com ética e transparência. Caso contrário, não se tomará o caminho da modernização e moralidade da gestão, mas se repetirão fórmulas paliativas de amparo à incompetência.
A “negociação” da dívida traria vantagem financeira ao clube mal administrado, contrariando princípio caro ao esporte – o da igualdade entre os competidores. Seria uma espécie de “doping financeiro”. O clube que respeitou regras estaria em desvantagem.
Ou seja, uma lei com pontos controvertidos, caminhando para a inconstitucionalidade. Claro que ela geraria grande insegurança jurídica, não funcionando jamais como um catalizador de investimentos.
Importante reforçar que a natureza jurídica do clube, associação esportiva ou clube-empresa, não é determinante para a modernização da gestão. Temos exemplos de clubes bem administrados como associações e como empresas (como o Flamengo). E outros em crise, nos dois modelos.
O projeto defendido por Maia tem um mérito: provocar uma discussão necessária, mas não tem o conteúdo adequado para transformar a gestão esportiva no Brasil.
E por que isso aconteceu? Simples. Porque foi conduzido de maneira assoberbada, por quem não é da área, além de não se ter buscado um debate profundo com o movimento esportivo desde o início (mais tarde, movimento esportivo passou a participar do debate, mas ele não se profundou). E principalmente porque não ataca a questão esportiva de maneira sistêmica.
Claro que um projeto de clube-empresa não vai solucionar o problema de todos os clubes. Afinal, são centenas deles no Brasil, e não haverá investidor para todos. E também porque o futebol será sempre um espelho das nossas dificuldades sociais. Mas um projeto bem feito, com mecanismos que estimulem a profissionalização e que não beneficiem a gestão irresponsável, ajudará demais aqueles clubes que tentam trabalhar da melhor maneira.
Para isso é fundamental o diálogo. Que os senadores conversem mais, e entendam que o que está em jogo não é apenas uma injeção de recursos para salvar momentaneamente um clube que agoniza. O que está em jogo é o futuro da gestão responsável no futebol.
Sim, para um projeto que facilite a profissionalização do esporte. Não, para esse projeto que ajuda quem não está nem aí para isso.
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