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PLS 68/2017 busca por um fim a disputas tributárias envolvendo o pagamento de luvas e bicho a atletas

O Projeto de Lei originário do Senado 68/2017 (PLS 68/2017), que propõe a criação da nova Lei Geral do Esporte, é constituído por mais de 200 artigos e é resultado do trabalho de uma comissão de juristas constituída em 2015, que teve como presidente o Sr. Caio Cesar Vieira Rocha; vice-presidente, Sr. Álvaro Melo Filho; e relator, Sr. Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos, além da participação de outros renomados juristas e expoentes do Direito Desportivo no Brasil, como Ana Paula Terra, Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira e Luiz Felipe Santoro, dentre outros.

O projeto prevê a sistematização e atualização da legislação esportiva em vigor, consolidando pontos presentes na Lei Pelé, no Estatuto do Torcedor, na Lei de Incentivo ao Esporte, no Programa Bolsa-Atleta, além de regulamentar a prestação de patrocínios.

O PLS 68/2017 teve sua votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) iniciada em dezembro de 2021 e foi aprovada no último dia 23. O texto, até o momento, contou com nada menos do que 54 emendas. As emendas tratam de temas como direito de imagem, adequação à nova lei da Sociedade Anônima do Futebol, Bolsa Atleta, dentre outros pontos.

Porém chama a atenção uma novidade proposta pelo Senador Carlos Portinho (PL-RJ) e acolhida pelo relator, o Senador Roberto Rocha (PSDB): estabelece-se que as as “luvas”, que tecnicamente representam um adicional pago na assinatura do contrato aos atletas, por serem eventuais, não devem configurar parcela de natureza salarial. O mesmo racional é aplicado para as premiações por resultado, conhecidas no meio esportivo como “bicho”, por ser considerado imprevisível e pontual.

A iniciativa do Parlamento é não somente interessante, mas também importante, pois busca pacificar uma séria discussão tributária que diz respeito à tributação dessas duas figuras tão comuns no mundo dos esportes.

As luvas, como colocado na CCJ, correspondem a pagamentos feitos espontaneamente e de forma isolada, com a intenção de incentivar, por meio da disponibilização de montante previamente determinado, a aceitação ou a renovação de uma proposta de trabalho oferecida. Trata-se de uma retribuição esporádica.

O valor das luvas é pago antes da prestação do serviço, não sendo adiantamento de salário pelo fato de o empregado receber seu salário no mês seguinte ao da prestação do serviço de forma integral. Com as luvas, o que se remunera não é o trabalho prestado, mas o fato de o clube ter o profissional trabalhando em seu quadro de empregados, sem que, com isso, corra o risco de vê-lo trabalhando em seu concorrente.

Na Justiça Trabalhista, as verbas pagas como luvas têm sido vistas como uma remuneração que integra o salário, assim como as eventuais comissões, porcentagens, gratificações e abonos. Esse entendimento, aliás, foi consolidado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST)[1] e tem sido reafirmado na esfera administrativa fiscal.[2]

No entanto, o texto inserido no PLS 68/2017, mostra-se acertado, pois as luvas pagas a atletas não se enquadram no conceito de salário. Os requisitos previstos nos artigos 2.º e 3.º da CLT impõem, entre as condições necessárias à caracterização do salário, a existência de pagamentos habituais. O artigo 201, § 11, da CF reforça esse entendimento ao prever que somente os ganhos frequentes devem incorporar o salário, e o artigo 28, § 9.º, “e”, item 7, da Lei 8.212/1991 reitera que não integram o salário as importâncias “recebidas a título de ganhos eventuais”.

Portanto, a legislação, tanto no âmbito constitucional quanto infraconstitucional, deixa claro o traço distintivo do salário: a habitualidade, inexistente no caso das luvas. Se estamos diante de uma figura que se verifica somente esporadicamente, ela não pode ser vista como salário por lhe faltar o traço da constância. Ademais, as luvas têm uma feição bastante singular, são pagas antes que haja a efetiva prestação de serviço pelo empregado em favor do empregador, sem qualquer caráter contraprestacional. O salário, diversamente, só é pago a posteriori, quando o trabalhador prestou os serviços pelos quais foi contratado.

Essa matéria, vale notar, já chegou a ser analisada pelo CARF em caso envolvendo o Vitória S.A.[3] Na ocasião o Tribunal afastou a natureza salarial das luvas pelo fato de não estar atrelado à prestação de um serviço. O Tribunal ainda considerou que as luvas teriam natureza de indenização por representarem uma compensação, pois “o contratante visa a estimular a retirada do atleta de outra ocupação anterior”. As luvas serviriam como forma de reparar uma perda de oportunidade em decorrência da assinatura de contrato de trabalho.

O bicho, por sua vez, nada mais é do que uma quantia paga pelos clubes a seus técnicos e atletas em decorrência do alcance de certos objetivos que a agremiação esportiva considera importantes, tais como uma vitória, a obtenção de um título ou a classificação para um campeonato. É o suplemento, não compulsório, destinado ao trabalhador que demonstra maior eficiência ou diligência especial no serviço.

O artigo 457, § 4.º, da CLT corrobora esse entendimento ao definir os prêmios como verbas não integrantes do salário, por serem “liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”.

Nesse sentido, a Lei 8.212/1991, em seu artigo 28, § 9.º, “z”, traz expressa previsão no sentido de os prêmios não integrarem o salário de contribuição, base de cálculo das contribuições previdenciárias.

Por outro lado, o artigo 31, § 1.º, da Lei Pelé estabelece que “são entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho”. Tal previsão, em uma primeira análise, parece levar a uma contradição entre os dispositivos legais, que logo se desfaz, quando feita uma análise conjunta dos normativos que regem a matéria.

A análise deve partir da Constituição Federal que, em seu artigo 201, § 11, estabelece que apenas “os ganhos habituais do empregado […] serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária” e, com isso, ao trazer a frequência como traço fundamental à caracterização do salário, afasta a possibilidade de enquadramento do bicho no conceito de verba salarial.

Logo, se nota que a iniciativa constante do PLS 68/2017, busca, na verdade, sanar dúvidas interpretativas decorrentes da redação pouco precisa do artigo 31, § 1.º, da Lei Pelé.

A consequência prática disso é que não tendo as luvas e o bicho natureza salarial, os clubes ficam dispensados de recolher os encargos que recaem sobre a folha de salários, tais como: contribuições ao INSS, ao FGTS e para terceiras entidades, além de férias, seu adicional constitucional e 13.º salário. Sob a perspectiva do atleta, o fato de a luva e o bicho não integrarem o salário faz com que ele não seja obrigado a contribuir para o INSS, ficando sujeito somente à tributação pelo IRPF, que deverá ser retido pela fonte pagadora, no caso, o clube empregador.

A iniciativa da Câmara dos Deputados com relação ao tratamento fiscal e trabalhista das luvas e do bicho é bastante oportuna e pode vir a reduzir um volume enorme de litígios que hoje assolam a Justiça Trabalhista e a Justiça Cível, no tocante a temas tributários. Trata-se de iniciativa que, sem sombra de dúvidas, surge com o objetivo de traçar diretrizes mais claras e seguras para atletas e agremiações esportivas.

Antes de ir ao Plenário do Senado, a matéria agora deve passar pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. Vamos observar como esse tema avança.

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[1] A Subseção I, Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), em julgamento realizado nos autos dos Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista com Agravo TST-E-ED-ARR-723-08.2013.5.04.0008, sob a relatoria do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, publicado no DEJT 21.06.2019, considerou que “o abono pago no momento da contratação”, também conhecido como hiring bonus, “equipara-se às luvas pagas aos atletas profissionais”, de modo que “ostenta natureza salarial”, muito embora o seu pagamento tenha ocorrido uma única vez, razão pela qual “integra a remuneração do empregado para todos os efeitos legais”.

[2] O CSRF decidiu, em 28.01.2020, no Acórdão 9202-008.525, sob a relatoria do conselheiro Maurício Nogueira Righetti, por voto de qualidade, que “a verba paga a título de hiring bonus é decorrente do contrato de trabalho […], não tem natureza de verba eventual […], sendo esperada desde a contratação”, razão pela qual “deve compor o salário de contribuição”.

[3] Acórdão 2403-002.722. Sobre o assunto, o CARF se posicionou pela não tributação dos valores pagos a título de bônus de contratação pelas contribuições previdenciárias nos Acórdãos 9202-008.044 e 9202-08.254, ambos da 2.ª Turma do CSRF, j. 24.07.2019 e 22.10.2019, respectivamente. No mesmo sentido foram proferidos acórdãos pelo TRF da 3.ª Região, nos autos das Apelações/Remessas Necessárias 0013872-21.2014.4.03.6128 e 0010061-06.2015.4.03.6100, e-DJF3 14.05.2019 e 18.10.2019, respectivamente.

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