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Poder judiciário, Ministério Público e o presidente da CBF e como essa situação reflete na autonomia desportiva

O caso envolvendo o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, destaca-se pelos desdobramentos jurídicos significativos. Ednaldo Rodrigues foi reconduzido ao cargo após decisões judiciais controversas que haviam questionado sua legitimidade.

O Supremo Tribunal Federal, através do ministro Gilmar Mendes, interveio, suspendendo as decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que afetavam a governança da CBF. Este caso, que aguarda decisão colegiada do STF, sublinha a intersecção entre direito desportivo e as práticas administrativas dentro das entidades esportivas nacionais.

A base jurídica esmerada pelo ministro do STF justificou a atuação e intervenção do Ministério Público em assuntos referentes às entidades desportivas e à prática esportiva do país ante ao “interesse social inerente ao tema”, tendo o objetivo de “privilegiar a consensualidade e o diálogo entre o ente ministerial e as entidades desportivas, privilegiando soluções pautadas pela mínima intervenção estatal no âmbito esportivo”.

A esse respeito, cita-se o art. 82 do Código de Processo Civil, o qual determina as possibilidades de intervenção do Ministério Público, as quais envolvem interesse de incapazes, causas que envolvam o estado da pessoa (como casamento, por exemplo), litígios coletivos pela posse de terra rural e causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

Se analisa, com isso, que de um lado há fundamento jurídico para intervenção do Parquet, em contraponto à vedação imposta pela FIFA em relação às federações membro se submeterem a interferência de terceiros na resolução de conflitos internos, consoante  prevê a norma desportiva, a qual impõe a independência das federações membro e seus órgãos (art. 19, Estatuto da FIFA), e as obrigações relativas à resolução de disputas (art. 58, Estatuto da FIFA) que obrigam que assuntos internos sejam geridos de forma independente, sem ingerência de terceiros, incluindo autoridades estatais, devendo submeter tais assuntos a um órgão arbitral independente.

Em outras palavras, o Estatuto da FIFA determina que questões internas sejam resolvidas pela própria federação, sob pena de suspensão das atividades, exclusão em competições internacionais e multa.

Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, a observância das regras transnacionais impostas pela FIFA são amparadas pela autonomia desportiva, constitucionalmente preconizado (art. 217, CF).

Inclusive o Código Disciplinar da FIFA reforça esses princípios ao estabelecer as responsabilidades disciplinares das associações membros, incluindo a proibição de influência de terceiros. O código destina-se a garantir que todas as competições ocorram em um ambiente justo e regulamentado, onde as decisões sejam tomadas sem coação externa.

A intervenção judicial em situações internas da entidade, como o critério de elegibilidade e as mudanças estatutárias da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), abrange pontos subjetivos e essenciais acerca da autonomia desportiva. Ednaldo foi reconduzido ao cargo após decisões judiciais as quais tiveram como base e fundamento o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), negociado entre a CBF e o Ministério Público do Rio de Janeiro.  O TAC visava ajustar práticas administrativas na CBF, mas teve a sua validade questionada judicialmente sob argumento de interferir na autonomia da CBF.

A situação sucedeu a uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu as decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, reafirmando a autonomia das entidades esportivas frente a intervenções externas até que uma decisão final seja tomada pelo plenário do STF.

Este caso destaca o delicado equilíbrio entre regulamentação e independência no esporte profissional.

No Brasil, o Ministério Público (MP) possui competência para propor ação civil pública contra entidades privadas em diversas situações que afetem direitos coletivos, como a defesa do consumidor, do meio ambiente, do patrimônio público e outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, incluindo a defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, a ordem econômica e o regime democrático. Essa competência está assegurada pela Constituição Federal e pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985). O objetivo é proteger direitos sociais e garantir que as entidades privadas não prejudiquem o bem-estar público.

Assim, o MP pode agir quando identifica que ações de entidades privadas, como clubes e confederações esportivas, estão em desacordo com a legislação vigente ou que comprometem o interesse público, tendo como competência para provocar o judiciário ao se deparar com irregularidades administrativas, ainda que operadas por entidades sem fins lucrativos ou de natureza privada.

A reforma estatutária da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), aprovada em março de 2017, trouxe mudanças significativas que refletiram nos processos eleitorais e na estrutura organizacional da entidade. Essa reforma foi parte de um esforço maior de modernização, incluindo a adoção de práticas de gestão empresarial e governança corporativa alinhadas às normas da FIFA e da CONMEBOL.

Entre as principais mudanças, destacam-se a inclusão dos clubes da Série B no Colégio Eleitoral, alteração no peso dos votos atribuídos às federações e aos clubes das Séries A e B, e a criação de novas diretorias e comissões para melhor governança. Essas mudanças visaram aumentar a transparência e a representatividade no processo eleitoral da CBF, dando maior voz a uma base mais ampla de participantes no futebol brasileiro.

O novo estatuto também instituiu mecanismos rigorosos para contratação e aquisições, exigindo múltiplas assinaturas em contratos e procedimentos competitivos para aquisição de bens e serviços, além de estabelecer um Código de Ética e uma Comissão de Ética para supervisionar a conduta dentro da organização.

Tais mudanças correspondem a uma resposta direta às críticas e demandas por maior profissionalismo e responsabilidade na gestão do futebol brasileiro, seguindo uma tendência global de fortalecimento da integridade e governança nas federações esportivas.

Contudo, a legitimidade e interferência do MP nesses assuntos da CBF foram questionados, sob a justificativa de se ferir a autonomia desportiva.

Trata-se de princípio que garante às entidades esportivas a liberdade de se organizar, funcionar e regular suas próprias atividades sem interferência indevida de órgãos externos, conforme a legislação vigente, incluindo a Constituição Federal. A autonomia desportiva é fundamental para a gestão independente das entidades esportivas, permitindo que essas regulamentem os esportes conforme padrões internacionais, especialmente em alinhamento com a FIFA e a CONMEBOL.

As normas que asseguram a autonomia desportiva são cruciais para a governança do futebol global, assegurando que o esporte mantenha sua universalidade e independência em face de pressões políticas ou comerciais, sendo a adesão restrita de tais regras correspondentes a vital manutenção da integridade e a continuidade das competições sob a égide da FIFA.

Evidente, no entanto, que não se refere a uma autonomia absoluta, sendo a intervenção da Justiça possível quando há alegações de irregularidades que transcendem as questões meramente desportivas e tocam em direitos fundamentais ou condutas ilegais. A dúvida que se suscita é se o sistema judiciário poderia que acionado para resolver disputas que envolvam desde questões de governança e conformidade da organização privada, que não incorram diretamente em práticas contrárias à legislação, ainda que possa atingir o esporte e sua cadeia mercadológica.

A tensão entre a autonomia desportiva e a necessidade de intervenção judicial reflete o desafio contínuo de equilibrar independência e responsabilidade, garantindo que a gestão esportiva seja tanto autônoma quanto alinhada com os princípios democráticos e as normas brasileiras vigentes. A resolução dessas questões requer uma análise detalhada do contexto específico das alegações, das regras internas da entidade, dos regulamentos transnacionais desportivas e da legislação nacional.

Crédito imagem: CBF/Divulgação

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