Pesquisar
Close this search box.

Poderão os atletas russos e bielorrussos participarem dos Jogos Olímpicos de Paris?

Por Ricardo Garcia Horta

Conforme vem sendo discutido no Lei em campo, o Comitê Internacional Olímpico (COI) constatou que a Rússia quebrou os ideais olímpicos ao invadir a Ucrânia. Com isso, os atletas russos e bielorrussos não poderiam participar da competição, com início em 24 de julho, no próximo ano.

No entanto, mais recentemente, o mesmo COI possibilitou a participação desses mesmos atletas nos Jogos se atuassem como atletas individuais neutros, ou seja, sem filiação aos Estados russo ou bielorrusso.

A ordem pode ser vista como um afrouxamento das medidas repressivas aos Estados, que insistem na invasão ao território ucraniano e não tem a intenção de cessar o conflito internacional que já dura 14 meses. Ainda, contraria posicionamentos anteriores do próprio órgão. Veja:

HISTÓRICO

Em 24 de fevereiro de 2022, as tropas militares russas invadiram o território ucraniano.

Em 25 de fevereiro, o COI faz declaração para que países não organizem eventos esportivos na Rússia e Bielorrússia por violação da “trégua olímpica” ou mecanismo de garantia para a não existência de confrontos armados antes e depois dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. O acordo é aprovado em Assembleia Geral da ONU, com vigência de 4 de fevereiro de 2022 (início dos Jogos Olímpicos de inverno de Pequim) até 13 de março do mesmo ano (fim dos jogos paralímpicos)[1].

Em resposta à manifestação do COI, por intermédio de uma cooperação internacional do movimento esportivo, as Federações Internacionais e Continentais excluíram as equipes russas e bielorrussas de suas competições.

Apesar da inconformidade das Federações Nacionais dos respectivos países e entidades esportivas, em 16 de março de 2022, o Tribunal Arbitral do Esporte ratificou a exclusão de equipes de futebol russos em competições da UEFA. A decisão refletiu, diretamente, no sentido de justificar exclusões nos demais esportes, por conta do passaporte russo ou bielorrusso.

Já em 1 de dezembro de 2022, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na resolução A/77/L.28, reconheceu o esporte como um facilitador do desenvolvimento sustentável e que, acima de tudo, deve ser organizado em espírito de paz[2].

Assim, em 25 de janeiro de 2023, o COI declarou que nenhum atleta deveria ser impedido de competir por conta de seu passaporte. Isso permitiu a interpretação de que atletas russos que não apoiassem a guerra, poderiam competir sem estarem vinculados a uma Confederação[3].

Três dias depois, o Comitê Olímpico Asiático ofereceu a possibilidade a esses atletas de participarem em suas competições.

Em 3 de março de 2023, a Associação de atletas dos Comitês Olímpicos Africanos (ANOCA) aprovou a possibilidade de atletas russos disputarem competições em solo africano[4]. Isso levou à preocupação do Comitê Olímpico Europeu acerca de uma possível desfiliação da Rússia de seu quadro de membros.

Em 21 de março de 2023, o COI emitiu parecer que garante a conformidade entre as declarações da ONU e o posicionamento do comitê, mas que não admitiria intolerâncias políticas em relação a seus membros, ora em conflito[5].

Em 26 de março de 2023, a Panam Sports Organization entidade que rege os esportes olímpicos no continente panamericano e organiza os Jogos Pan-americanos, emitiu parecer favorável ao retorno de participantes russos e bielorrussos nos Jogos, desde que sem filiação ou como atletas individuais neutros[6].

Por fim, no dia 28, o COI se manifestou no sentido de manter sanções anteriormente previstas – não ocorrência de competições internacionais na Rússia ou Bielorrússia; as bandeiras, hinos ou símbolos dos países estão proibidos em eventos internacionais; além da desaprovação das políticas governamentais dos Estados – ao passo que sugeriu às Federações Internacionais a possibilidade de participação de atletas neutros, desde que não apoiassem ou participassem da guerra, ou ainda tivessem qualquer tipo de vínculo com o exército russo, ou bielorrusso[7]. No entanto, não foi especificada como seria a fiscalização de tais pressupostos ou como seria julgada tal neutralidade.

Vale fazer a menção, ainda, que a possibilidade de atletas russos competirem sem a vinculação ao Estado russo já foi adquirida anteriormente, quando o Tribunal Mundial Anti-dopagem (WADA) puniu a Federação russa  com a desqualificação nas olimpíadas do Rio (2016), Pyeonchang (2018), Tóquio (2020) e Pequim (2022) – em resposta aos múltiplos escândalos do uso de esteroides anabolizantes e recursos ergo gênicos proibidos entre os atletas – mas aqueles que não haviam sido flagrados no exame e conseguiram se classificar (um total de 282 atletas no Rio e 333, em Tóquio) ainda assim participaram, após o litígio ter sido levado ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS)[8].

MAS COMO FUNCIONA A ELEGIBILIDADE DE UMA EQUIPE PARA OS JOGOS?

O COI em conjunto com as Federações Internacionais de cada modalidade delimita o número total de vagas disponíveis entre os esportes olímpicos. Ainda, o órgão determina as regras de qualificação dos competidores e prazos que as Federações Internacionais precisam respeitar, ao indicarem os participantes.

Após definidos o número de participantes, as Federações Internacionais determinam as vagas alocadas a cada Comitê Olímpico Nacional, com base em rankings estabelecidos com a disputa de competições Continentais e Internacionais.

Na hipótese de um comitê recusar a vaga, caberá a Federação Internacional realocá-la a outro. Nos Jogos de Tóquio, por exemplo, participaram 11.420 atletas, de 206 Estados diferentes[9].

 Em seguida, caberá ao comitê nacional em conjunto da Federação Nacional determinarem o sistema de escolha dos atletas que irão representá-lo, seja por resultados em competições domésticas ou internacionais.

Por fim, é reservado ao COI o direito de recusar – a qualquer momento – a participação de um Estado nos Jogos, conforme previsão do Art. 44.3 da carta olímpica[10].

CONCLUSÃO

Se no ano passado o COI e a ONU eram contrários à ideia da Rússia em Paris, hoje, seu interesse consiste em regularizar a participação dos atletas russos nos Jogos.

No entanto, a postura mundial é contrária. Isso se evidencia pelas incontáveis rescisões de entidades esportivas e patrocinadores russos, além das manifestações solidárias à Ucrânia e pedidos de cessar-fogo. É preciso fazer a menção, ainda, de que muitos atletas ucranianos estão impossibilitados de exercerem sua atividade profissional devido à guerra.

Entretanto, as medidas de exclusão dos atletas russos – um protesto a invasão na Ucrânia, não apresenta fundamento legal e, ainda, viola os princípios do contraditório e ampla defesa. Além disso, seria justo impedir a atividade profissional de indivíduos pela violação aos Direitos Humanos por culpa exclusiva de seu Estado?

Ainda que não haja consenso, enquanto alguns esportes já estão com participantes definidos, outros estão em aberto, ainda. Esportes, como o futebol e o basquete, não será possível que as equipes russas e bielorrussas participem devido às circunstâncias do calendário, prazos e sistema de qualificação.

Já em outros esportes, como o atletismo, natação e ginástica artística, os sistemas qualificatórios olímpico continuam em vigor, com seus prazos e pressupostos para participação em vigência.

Assim, caberá às respectivas Federações Internacionais decidirem se vão aderir ou não a possibilidade da participação de atletas neutros em seu sistema de qualificação – o que, pelo histórico recente de decisões favoráveis do TAS e devido ao grande impacto econômico da Rússia no esporte em sua totalidade (ou, em outras palavras, sua ‘tradição’), é muito provável que aconteça.

Crédito imagem: getty images

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


Ricardo Garcia Horta é Mestrando em Direito Desportivo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); bacharel em Direito pela PUC-SP e mentorado FUTJUR na área de Transferências e Contratos no futebol.

[1]https://olympics.com/ioc/news/ioc-eb-recommends-no-participation-of-russian-and-belarusian-athletes-and-officials

[2]https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/LTD/N22/710/24/PDF/N2271024.pdf?OpenElement

[3]https://olympics.com/ioc/news/statement-on-solidarity-with-ukraine-sanctions-against-russia-and-belarus-and-the-status-of-athletes

[4] https://africaolympic.com/en/?s=statement+on+russia

[5]https://olympics.com/ioc/news/q-a-on-solidarity-with-ukraine-sanctions-against-russia-and-belarus-and-the-status-of-athletes-from-these-countries

[6] https://www.panamsports.org/news-sport/comunicado-publico-de-panam-sports/

[7]https://olympics.com/ioc/news/ioc-issues-recommendations-for-international-federations-and-international-sports-event-organisers

[8] https://www.tas-cas.org/fileadmin/user_upload/CAS_Media_Release_6689_decision.pdf

[9] https://olympics.com/en/olympic-games/tokyo-2020

[10]https://stillmed.olympics.com/media/Document%20Library/OlympicOrg/General/EN-Olympic-Charter.pdf?_ga=2.86592408.1485103789.1680285745-2044915260.1680121882

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.