O final de semana que marcou o retorno do Flamengo às glórias nacionais e internacionais com os títulos do Brasileiro e da Libertadores também registrou políticos tentando ganhar capital político através das conquistas rubro-negras. Parlamentares de todos os espectros políticos manifestaram apoio ao time. Os deputados Alexandre Frota (PSL-SP), David Miranda (PSOL-RJ), Celina Leão (PP-DF), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), são alguns que usaram as redes sociais para demonstrar o amor pelo Flamengo. O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) e o presidente da República, Jair Bolsonaro, foram além. Witzel foi até o Peru acompanhar a decisão contra o River Plate. Já Bolsonaro usou um avião da Força Aérea Brasileira para enviar os parabéns pela conquista à equipe do Flamengo ainda durante o voo dos jogadores de volta ao Rio de Janeiro. Para transmitir a mensagem, um caça F-5M da FAB interceptou o sinal de rádio da aeronave que trouxe o elenco flamenguista para o Brasil.
“Uma aeronave de caça F-5M da Força Aérea Brasileira acompanhou, na manhã de domingo (24), no espaço aéreo que se sobrepõe ao estado do Rio de Janeiro, o avião que transportava a equipe de futebol do Flamengo no retorno ao Brasil. O voo ocorreu em aproveitamento a uma missão de treinamento realizada pela aeronave da FAB, que fica sediada na Ala 12, em Santa Cruz (RJ). Os custos operacionais das missões em aeronaves da FAB são classificados com grau de sigilo, pois são considerados estratégicos por envolverem aviões militares”, informou a FAB. O órgão porém não disse de quem foi a ordem para o caça escoltar o avião do Flamengo e passar a mensagem ao elenco, que incluiu o slogan da campanha de Bolsonaro.
“A princípio, o fato de o avião da FAB recepcionar os jogadores do Flamengo não configura ato de improbidade administrativa ou crime contra a probidade na administração. Partindo do pressuposto de que ‘qualquer cidadão tem direito de viajar pela FAB’, acredito que a utilização da aeronave para recepcionar o Flamengo não tenha caracterizado um ato ilícito em face da Administração Pública, até porque, o evento é de conhecimento público e remete a grande massa com interesses comuns”, analisa Vera Chemim, advogada constitucionalista.
Não é de hoje que políticos usam o esporte como instrumento para aumentar a popularidade junto ao povo. Os casos mais conhecidos datam do início do século passado, como o uso da Copa do Mundo de 1934 na Itália como propaganda para o governo do italiano Benito Mussolini, ou a Olimpíada de Berlim, em 1936, quando Adolf Hitler queria provar para o mundo a superioridade da raça ariana.
“O futebol é um esporte importantíssimo na cultura brasileira e é válido que o poder público o utilize para fins benéficos à sociedade, como a criação de programas com aulas do esporte, campanhas de conscientização em apoio de times e clubes e mesmo com o patrocínio de eventos esportivos, que gerem recursos para o ente da federação. O futebol, assim como qualquer outra atividade cultural, tem lugar na administração pública enquanto instrumento de políticas públicas em consonância com os preceitos constitucionais, agora não são salvaguarda de gastos pessoais dos políticos”, aponta a advogada especialista em direito administrativo Mônica Sapucaia Machado.
Witzel, que durante a campanha para o governo do Rio de Janeiro, no ano passado, se declarou corintiano, com direito a exaltação ao ex-jogador Sócrates, foi presença constante durante a estadia do Flamengo em Lima. Ele viajou na sexta-feira (22) e retornou para o Rio no domingo (24). Vestido com um cachecol do Flamengo, teve acesso ao gramado depois da conquista e subiu no trio elétrico dos jogadores na comemoração do título pelas ruas do Rio no domingo. Tudo isso com direito a um presente especial, uma medalha de ouro dada pelo título continental, isso sem nunca ter chutado uma bola profissionalmente na vida.
Segundo a Casa Civil do governo do Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel foi para Lima em voo fretado pela CBF. “A Confederação fez o transporte de sua direção e abriu vaga para o governador, sem custos adicionais para a entidade”, disse o governo, em nota. Os outros gastos de Witzel em Lima foram arcados pela Conmebol porque “o Rio será sede da próxima final da Libertadores da América”, completou a assessoria do governo fluminense. Witzel voltou ao Rio no domingo de carona no avião que trouxe os jogadores do Flamengo de volta ao Brasil.
A Confederação Brasileira de Futebol confirmou a carona Witzel no avião que levou dirigentes da entidade até Lima para acompanhar a decisão da Libertadores. “O governador Wilson Witzel foi convidado para ir ao jogo pela Conmebol, em razão da final única da Copa Libertadores de 2020, que será realizada no Rio de Janeiro. A CBF apenas proveu a ele um lugar no voo. Nenhum outro político esteve presente”, afirmou a entidade.
“Um cidadão comum não poderia estar naquele voo e o governador se serviu da sua condição no poder, sabe-se lá a que custo, para estar ali. Deixou uma população de um estado bastante debilitado nas mãos do presidente do Poder Judiciário. Será que foi para isso que ele foi eleito?”, pergunta o cientista político Humberto Dantas. “Deixar o Rio e se servir do status de governador para estar com seu time do coração, definitivamente se distancia muito do que o cidadão espera de um governador e do que o Estado do Rio de Janeiro precisa nesse momento. Eu acho absolutamente lamentável”, completa Humberto.
“Nós podemos pensar que a política seria um espaço de escolha racional do eleitor que, consequentemente, vai escolher a partir de uma fala racional de um político. Mas não é assim. A gente sabe que muitas vezes a identificação afetiva emocional conta muito em relação a política como no esporte. Essa tentativa de lidar com o futebol no âmbito político é porque você quer no fundo a simpatia do eleitorado ou do que se chama povo em relação ao político e também é uma tentativa de estabelecer empatia”, resume o cientista político Rodrigo Prandi.
Todo mundo quer se aproveitar do sucesso do Flamengo. O técnico português Jorge Jesus recebeu na manhã da segunda-feira (26) o título de cidadão honorário da cidade do Rio de Janeiro, pelas conquistas da Taça Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro.
Em 1970, o general Emílio Garrastazu Médici teve presença constante ao lado da seleção tricampeã do mundo, ao ponto de creditarem a ele a convocação de Dadá Maravilha, centroavante raçudo de quem Médici era fã.
Apesar de se declarar palmeirense, Bolsonaro já apareceu em público com camisas diversas. Entre elas estão: Vasco, Internacional e Goiás são alguns do times cuja camisa Bolsonaro já apareceu em público. E no início deste mês, em viagem oficial, presenteou o presidente da China , Xi Jinping, com um agasalho do Flamengo e chegou a anunciar que iria à final da Libertadores. Embora não tenha ido ao Peru, Bolsonaro pensa em ir para o Catar acompanhar o rubro-negro no Mundial de Clubes.
“Quando vemos políticos irem a estádios de modo esporádico, em geral para acompanhar seu time do coração, podemos até relevar. Agora ir frequentemente a estádios, vestir várias camisas, usar sua influência para tirar fotos com atletas de renome, sobretudo quando a política e a economia vão mal, ou quando escândalos com políticos tornam-se públicos, aí há que se fazer uma crítica contundente” disparou o historiador Marcel Diego Tonini.
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