Esporte não se separa da política, por mais que ele tenha como princípio a neutralidade esportiva. Os exemplos estão aí. O desafio está em encontrar posições que tentem preservar a competição sem violentar direitos humanos. E quando as Guerras e situações de violência o colocam diante de situações em que direitos humanos se apresentam em aparente conflito?
Vou trazer mais um caso aqui.
Sem luta e sem Olimpíada
A permanente tensão entre Israel e Palestina já gerou muitas discussões e punições no ambiente esportivo. Em 2021, por exemplo, o argelino Fethi Nourine foi suspenso pela Federação Internacional de Judô (IJF) por 10 anos por abandonar a Olimpíada de Tóquio (Japão) quando a chave da competição colocou o judoca a caminho de uma luta contra um atleta israelense.
Pelo chaveamento ele deveria enfrentar o sudanês Mohamed Abdalrasool na primeira luta na categoria até 73 quilos. Vencendo, enfrentaria o israelense Tohar Butbul na rodada seguinte.
Nourine justificou a difícil decisão com um posicionamento político: disse que seu apoio político à causa palestina tornou impossível a ele enfrentar Butbul.
O Comitê Olímpico Argelino retirou as credenciais do judoca e de seu técnico, Amar Benikhlef, e os mandou de volta para casa. A IJF suspendeu o atleta e seu técnico, com base na neutralidade esportiva, alegando que os dois usaram os Jogos “como uma plataforma de protesto e promoção de propaganda política e religiosa”, o que violou seu código de ética e a Carta Olímpica.
As tensões do conflito entre israelenses e palestinos já provocaram muitas discussões no ambiente esportivo. Em 2013, por exemplo, a Palestina chegou a pedir a exclusão de Israel à Fifa da Copa de 2014.
A neutralidade esportiva
A neutralidade esportiva é um princípio importante na organização esportiva. Ele tem a ideia de preservar a competição e mantê-la distante de discussões difíceis.
Certo.
Agora, daria para fazer um paralelo aqui com a ilha de Malthus, a Utopia. Ela é muita mais projeto, desejo e caminho do que fim. Não existe a ilha perfeita imaginada pelo escritor, como não existe esporte imune à política.
A neutralidade no ambiente esportivo
No necessário posicionamento do esporte contra a guerra, por exemplo, assumindo o papel que tem de pressão, como outros organismos internacionais e transnacionais, ele precisa superar a neutralidade e abraçar direitos inegociáveis.
Encontrar caminhos que protejam a autonomia esportiva, mas mantendo diálogo permanente com princípios gerais de direitos e direitos humanos é um dos grandes desafios do movimento jurídico privado do esporte, que tem o Tribunal Arbitral do Esporte como palavra final.
E esse olhar, em atenção ao que dizem tratados internacionais de direitos humanos, ao que determina a Convenção Europeia de Direitos Humanos e as próprias decisões de Tribunais internacionais de direitos humanos, tem sido decisivo para que suas decisões sejam cada vez mais legítimas.
É importante entender que mesmo tendo como meta a neutralidade, o esporte não pode se omitir diante da necessidade de se posicionar a favor da vida e contra o absurdo da guerra e de direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão e o direito ao trabalho.
A neutralidade pode provocar punições mais simples, com a do judoca argelino que abandonou uma olimpíada. Mas jamais ela pode calar alguém que defende direitos fundamentais.
Afinal, quando há aparente conflito entre um pilar esportivo e a proteção da dignidade humana, só existe um caminho a seguir. E todo mundo sabe qual é!
Crédito imagem: Getty Images
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