No último domingo, o volante brasileiro Fabinho saiu do banco de reservas do Liverpool para enfrentar o Cardiff. Mas após apenas quatro minutos em campo, ele teve um choque de cabeça com um jogador do time adversário. Não precisou de exames muito elaborados para o médico do Liverpool decretar que o jogador não tinha condições de continuar em campo. A suspeita óbvia era de que Fabinho tivesse sofrido uma concussão. Onze meses antes, na final da Liga dos Campeões, o então goleiro do Liverpool Loris Karius precisou de atendimento após uma pancada na cabeça. Porém, ele continuou em campo e falhou nos dois gols que deram ao Real Madrid o título da competição. Dias depois, foi diagnosticado que Karius teve uma concussão na decisão. A diferença na atitude dos médicos do Liverpool mostra uma falha no protocolo de concussão no futebol.
Por isso, a Fifa e outras entidades que controlam o futebol já foram avisadas para instituir um protocolo de concussão sério, senão correm o risco de uma enxurrada de ações na Justiça pedindo reparação. Principalmente por não permitir a substituição temporária em caso dos choques de cabeça. O argumento da Fifa para não deixar um time substituir um jogador que bateu a cabeça é a tática: um técnico poderia levar vantagem por isso.
“É uma ação de indenização dos danos que os jogadores sofreram, pela doença que eles desenvolvem, que é a encefalopatia traumática crônica (ETC). O pedido é indenização em razão da falta de comunicação e de preocupação da Fifa em relação às medidas de proteção aos atletas e de a regra do jogo não ter sido adaptada nunca. É uma discussão interessante sobre a responsabilidade da Fifa, se é responsabilidade direta. Porque é diferente dos casos das ligas americanas, em que a relação é mais direta. No fim das contas, o atleta é um empregado da liga. Há contrato padrão da liga, por isso a responsabilidade é dela. Até porque o acordo de trabalho nos Estados Unidos é feito entre a liga, no caso a NFL, e a NFLPA, que é o sindicato dos jogadores”, explicou Américo Espallargas, advogado especializado em Direito Esportivo.
O caso mais famoso de encefalopatia traumática crônica no futebol é do ex-zagueiro Hideraldo Luís Bellini. Primeiro capitão brasileiro a levantar a taça de campeão da Copa do Mundo, em 1958, ele foi diagnosticado com o mal de Alzheimer. Convencida pelo médico que cuidava dele, a família resolveu doar o cérebro de Bellini para estudos. Em setembro de 2014, saiu o resultado: ele sofria de encefalopatia traumática crônica por conta das seguidas lesões que sofrera durante os quase 20 anos de carreira no futebol.
O último mapeamento realizado pela Comissão Nacional de Médicos do Futebol (CNMF) da CBF, em 2017, mostra que, no Campeonato Brasileiro daquele ano, foram registradas 14 concussões, ou 4% do total das 327 lesões ocorridas nos 380 jogos do torneio.
No futebol, apesar de certos protocolos estarem em vigor, essa área parece ser menos desenvolvida. Se o jogador puder provar que a ausência de um protocolo adequdo levou à doença no longo prazo, pode ser possível que esse jogador tenha sucesso em uma ação contra uma entidade que controla o esporte.
“A FIFPro seria uma grande entidade, mas um jogador pode entrar com uma ação na Justiça sozinho. Qualquer ação proposta coletivamente é mais interessante, e a chance de êxito é maior. É uma relação complexa essa relação direta entre o dano causado aos jogadores e o papel da Fifa. A gente precisa de um grande número de atletas que tenham comprovadamente desenvolvido a doença para comprovar a responsabilidade direta da Fifa. Isso ainda não existe hoje. Para uma tese ser mais bem-sucedida nos tribunais, é preciso que haja uma comprovação clara do dano que a Fifa causou com a ausência do protocolo de concussão”, analisa Américo.
Hoje o que a Fifa tem é um protocolo que permite que o jogador seja avaliado por três minutos dentro de campo. Passado esse tempo, ele tem de deixar o gramado para ser atendido – mas sem nenhum exame complexo para identificar a gravidade do problema.
E a maior preocupação dos órgãos que pressionam a Fifa para tomar atitudes mais severas é o que eles chamam de “síndrome do segundo impacto”.
“A concussão é uma lesão cerebral que gera uma desaceleração brusca. É um tipo de traumatismo craniano que se caracteriza por uma perda transitória da consciência. Na maioria absoluta dos casos, a recuperação é completa, ficando apenas um esquecimento para eventos que ocorreram momentos antes ou logo após a lesão e sonolência. É consenso que não se deve voltar aos esportes no mesmo dia do ferimento, ainda que a pessoa não apresente sintomas físicos. Retomar os esportes muito cedo aumenta o risco de uma segunda concussão, o que pode ser fatal”, alerta a neurologista Aline Turbino.
É importante ressaltar que, se os órgãos competentes têm uma política mas não a colocam em prática, há margem para que sejam ajuizadas ações contra eles.
“O que a Fifa tem de fazer é ter um protocolo de concussão preocupado com os jogadores. O protocolo da NFL evoluiu com o tempo, e o que a gente tem hoje na Fifa não é um protocolo, é uma recomendação, que os médicos podem seguir ou não. O médico decide se o atleta pode jogar ou não, e o juiz não pode interferir. A Fifa precisa estabelecer um protocolo pelo qual o atleta precisa ser avaliado, com critérios objetivos médicos para saber se ele tem concussão e para proteger a integridade física do atleta”, completa Espallargas.
Enquanto o protocolo de concussão da Fifa se mostra falho, o protocolo de recuperação após comprovada a concussão está mais próximo do ideal. Ele é progressivo e leva um total de cinco dias a partir da data da lesão, considerando que as primeiras 48 horas são de repouso.
Na NFL há um médico independente para avaliar a situação do atleta. Para Aline Turbino, além do repouso e da redução nas atividades, há uma saída para melhorar a avaliação dos riscos de concussão no futebol.
“Não é porque o jogador está em pé que ele está bem. Ele pode ter um edema cerebral, um sangramento. A concussão é mesmo tratada de forma errada. Um exame completo não dura só três minutos. Por isso a saída pode ser ter um neurologista no campo para poder fazer a avaliação”, finalizou Aline Turbino.