O Congresso segue perdendo tempo. Ele invade as responsabilidades do esporte atacando princípio constitucional.
Aviso aos desavisados: a Constituição Federal garante, no artigo 217, autonomia às entidades esportivas. Ou seja, associações, federações, clubes etc. cuidam do que é deles. Não cometendo crime previsto em lei, são responsáveis por seus campeonatos, atletas e regras.
Sobre transgêneros no esporte também é importante saber: a Justiça Esportiva e o mundo do esporte têm debatido e estudado demais a questão. Por gente que entende, vive e estuda na área. A ciência, com muita pesquisa, também participa desse diálogo. Intervenção do Estado nessa área não me parece ser o caminho adequado. E claro que isso não tem a ver com perda de soberania. Pelo contrário. Foi o Estado, por meio da nossa Carta Magna, que deu essa prerrogativa.
Mesmo assim, o Congresso insiste em debater o assunto. Tem deputado querendo proibir transgêneros no esporte nacional.
Sério? Uma lei dessas poderia tirar o Brasil de competições internacionais.
Todos sabemos que o Poder Legislativo tem a prerrogativa de legislar. Claro que nossos legisladores (vereadores, deputados, senadores) não precisam ser advogados, nem especialistas em leis. Agora, eles têm verba para contratar funcionários. Seria muito importante que pelo menos um desses funcionários entenda sobre leis e preste a devida assessoria.
O Thiago Braga acompanhou o que o Congresso tem discutido sobre o assunto e conversou com especialistas para explicar o que pode acontecer.
A audiência pública para discutir se os transgêneros têm vantagem no esporte mostrou que é preciso haver mais debates acerca do tema. É o que acredita o deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), presidente da Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados.
“O COI está se esquivando de debater o tema. A comissão está buscando entender se há vantagem fisiológica. Mas é um tema que carece de mais estudos. O número de atletas trans é muito pequeno. Temos que buscar um caminho para fazer com que esses atletas tenham direito de competição mas sem tirar o direito do esporte, o direito da disputa igualitária”, afirmou Mitidieri, em entrevista para o Lei em Campo.
No mês de abril, o deputado estadual Altair Moraes (PRB-SP) protocolou na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei que estabelece o sexo biológico como único critério para definição do gênero no esporte. Mitidieri não criticou o colega paulista, mas deixou clara sua posição.
“É um assunto que vai ser muito debatido ainda. No meu entendimento é errado [o projeto de lei], porque não temos conhecimento suficiente sobre o tema. É uma situação que é um caminho sem volta. O simples fato de que ela é trans não garante vantagem esportiva. É preciso considerar o talento da jogadora. Precisamos debater sob a ótica esportiva, deixando a ideologia e o viés religioso de lado”, completou o presidente da comissão.
Presente na audiência, o deputado Altair Moraes frisou que não se arrepende de ter protocolado o primeiro projeto de lei no país que trata do tema, e que gerou um efeito cascata, com vários projetos prevendo o sexo biológico como critério para definição do gênero no esporte sendo protocolados Brasil afora.
“Depois de todas as explicações, sinto que foi com muito prazer e muito orgulho que protocolei o primeiro projeto de lei que define o sexo biológico como regra para participar do esporte”, afirmou Moraes.
Para a advogada Mônica Sapucaia Machado, especialista em compliance de gênero e coordenadora e autora das obras Women’s Rights International, “a questão central é que o Estado brasileiro já incorporou a mudança social de sexo. Isto é, é possível mudar civilmente de sexo; logo, uma vez que é possível essa mudança, não cabe mais o debate”, resumiu.
Segundo ela, no esporte, mulheres trans têm o direito adquirido de participar de qualquer modalidade.
“Entendo que sim. Que elas devem ter os mesmos direitos e ser submetidas às mesmas regras. Poderá haver questões biológicas como testosterona ou estrogênio, ou peso/altura, dependendo do esporte. Mas nunca basear em ser ou não trans para proibir alguém de participar. Ser trans não é uma definição permanente. Só faz sentido jurídico até o processo. Depois é mulher ou homem”, esclareceu a especialista.
Ponto central da discussão, Tiffany Abreu esteve presente na audiência e rebateu com veemência os argumentos de quem quer barrar os transgêneros no esporte profissional.
“Recebo muitos pedidos de gente querendo praticar esporte, indígenas pedindo bola, tênis, rede, material que usei, para poder jogar vôlei. Em vez de fazer lei para impedir os trans, não é melhor incentivar quem quer praticar? Ou incentivar quem é trans e quer ser jogadora, e ajudar no tratamento para que essa pessoa faça o tratamento de transição?”, disparou a jogadora do Sesi Bauru.
Tiffany, tema das polêmicas por conta do bom rendimento que teve em quadra na última edição da Superliga, se defendeu quando falaram que o desempenho dela estava atrelado ao passado como homem.
“Se eu não tivesse o controle hormonal, não teria capacidade de jogar no feminino, porque eu era muito forte. Não tem como comparar a minha força física com a de um homem agora. Tem que comparar com mulher. E tem mulher mais forte do que eu”, rebateu Tiffany.