A Corte Arbitral do Esporte (CAS) confirmou, na última sexta-feira (28), a punição dada ao Milan por ter violado o fair play financeiro da Uefa. O Tribunal apenas reformou a pena ao clube italiano aplicada pela entidade que rege o futebol europeu. Em vez de ficar dois anos sem disputar qualquer competição europeia, o rossonero pegou um gancho de um ano de suspensão por infringir os parâmetros do fair play financeiro entre 2015 e 2018. Assim, o clube foi excluído da próxima edição da Liga Europa, que começa no segundo semestre deste ano.
No Brasil, o mais próximo de uma punição tão pesada a um clube de futebol foi o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, ou Profut. O castigo previsto na medida 40 do Profut foi enterrado pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que o artigo viola a autonomia das entidades esportivas, prática proibida pelo artigo 217 da Constituição. Assim, o STF formou maioria para tornar a medida – que exigia certidões negativas de débitos para que o clube entrasse em competições, podendo assim rebaixar os devedores – inconstitucional.
“Isso foi tentado, mas nunca foi feito. É muito difícil colocar isso em prática aqui. O que poderia ser feito por CBF e Conmebol é exigir no licenciamento que o clube estivesse de acordo com as regras do fair play financeiro, assim como eles fizeram com a exigência de os clubes terem um time feminino. É o mais próximo possível do que tem na Europa”, afirmou para o Lei em Campo o advogado Igor Serrano, especialista em direito esportivo.
O artigo 20 do Regulamento Específico do Campeonato Brasileiro prevê que “o clube que, por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, estiver em atraso com o pagamento de remuneração, devida única e exclusivamente durante a competição, conforme pactuado em Contrato Especial de Trabalho Desportivo, a atleta profissional registrado, ficará sujeito à perda de 3 (três) pontos por partida a ser disputada, depois de reconhecida a mora e o inadimplemento por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva”. Mas são poucas as denúncias feitas no STJD contra clubes por atraso de salário.
“O fair play financeiro da CBF é uma mentira, nunca vai acontecer. A CBF não consegue que as federações estaduais publiquem um balanço que siga todas as normas contábeis”, analisa Amir Somoggi, especialista em marketing e gestão esportiva.
O calvário do Milan começou em abril de 2017, quando o clube italiano foi vendido para o grupo chinês Rossoneri Sport Investment Lux por 740 milhões de euros. Porém, 15 meses depois, o grupo, encabeçado pelo chinês Yonghong Li, não conseguiu honrar com um empréstimo de 180 milhões de euros tomado do fundo de investimento Elliott Management Corporation, que então passou a controlar o tradicional rubro-negro italiano, sete vezes campeão da Liga dos Campeões da Europa.
“O fair play funcionou, apesar de precisar de ajustes. Vale como regulação firme e vale para passar um recado para os outros clubes. Mas é muito mais fácil punir o Milan do que punir o PSG. E não sei, se o Milan estivesse na Champions, se ele seria punido com exclusão”, resumiu Somoggi.
Neste ano, o CAS deu razão ao Paris Saint-Germain e impediu a Uefa de investigar as contas do clube por suspeitas de violação do FFP. “Pode ter faltado ao Milan um pouco de força política”, alerta Somoggi.
O presidente do Paris Saint-Germain, o empresário Nasser Al-Khelaifi, assumiu neste ano como integrante do Comitê Executivo da Uefa, o que desagradou outros membros da entidade.
Na visão de Somoggi, punições como a que o Milan recebeu só acontecerão no Brasil se os clubes formarem uma liga independente da CBF e administrarem o Campeonato Brasileiro.
“O governo tem que executar as dívidas. Daqui a pouco os clubes vão parar de pagar o Profut, como não pagaram a Timemania e o Refis. O Brasil é a sexta liga em faturamento no mundo. Tem que profissionalizar gestão e, assim, atrair capital. Para isso, tem que passar por uma reestruturação da administração, com governança. Assim, pode disputar com a Itália e colar na Espanha em faturamento”, defende Somoggi. “O modelo alemão, onde há a regra do 50+1, é o ideal para o Brasil. A Adidas paga um baita patrocínio para o Bayern de Munique, mas ela é acionista do clube e no fim do ano recebe dividendos” argumenta.
A regra define que mais de 50% das ações do clube não estejam nas mãos de uma única pessoa. Assim, fica impossível um investidor externo controlá-lo e tomar decisões à revelia dos outros sócios.
Esse sistema evitaria que a frieza de um único dono acabasse com os rumos do clube. “O acionista, ainda que seja alguém envolvido com o time, primordialmente está preocupado em ter lucro e evitar o prejuízo. Vemos esse distanciamento de não ter sentimento com o clube e os torcedores na série que tem na Netflix sobre o Sunderland, da Inglaterra. O clube brigando contra o rebaixamento, e o dono resolveu que iria vender o clube e que não colocaria dinheiro no que ele queria vender”, lembra Serrano, citando a série Sunderla til I die (“Sunderland até eu morrer”, em tradução livre) do serviço de streaming.