Ainda me impressiono com o tempo e dinheiro público gasto por políticos fazendo o que não podem. Discutindo o que não é da sua competência. Em muitos casos, colocam o esporte e o futebol no meio desse desperdício.
Popular que é, claro que o esporte merece cuidado e vigilância. Agora, a necessidade de aparecer, de se fazer presente em causas populares faz com que muitos dos nossos representantes esqueçam algo indispensável no processo legislativo do qual eles são protagonistas: as leis.
Não faz muito tempo, tivemos um deputado querendo proibir transgêneros no esporte. Depois apareceu o vereador querendo proibir o árbitro de vídeo – o VAR – na capital fluminense.
A justificativa para suspender o uso da tecnologia seria o fato do VAR “não estar contribuindo para a melhora do futebol, apesar de ser uma tecnologia muito cara“.
Com outra finalidade, até mais nobre e coerente, o VAR está também na pauta do Congresso. Ele criou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar denúncias de manipulação de resultados depois das denúncias do dono da SAF do Botafogo John Textor. Algo importante, claro, mas que não pode ultrapassar limites legais.
Um deles, imagino que a maioria dos nossos congressistas saiba (se não souber o assistente jurídico sabe), é a autonomia esportiva para questões relacionadas as regras do esporte.
Quando esquece disso, está perdendo tempo e botando fora o dinheiro do contribuinte com discussões que não cabem ao Estado. É fácil entender.
Como esporte se organiza
Esqueça se você é a favor ou contra o VAR, o mesmo vale para transgêneros do esporte, ou para qualquer assunto relacionado ao jogo (não interessa o que você pensa, ou se eu sou a favor). A discussão aqui não é sobre uma causa que se defende, mas sobre a estrutura jurídica do movimento esportivo.
O esporte se organiza dentro do princípio da autonomia esportiva, garantida inclusive pela nossa Constituição Federal no art 217. Esta no inciso I do artigo 217 da Constituição Federal, que garante a autonomia às entidades desportivas, dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.
E por que precisa ser assim?
Simples: imagine um Campeonato Brasileiro em que o VAR é permitido em São Paulo e Rio Grande do Sul, mas proibido no Rio de Janeiro e na Bahia… Ou um campeonato de vôlei em que transgênero pode jogar na França e nos Estados Unidos, e não no Brasil e no Irã.
Como ficaria um dos princípios mais caros ao esporte o da paridade de armas, que garante equilíbrio entre os competidores?
Por isso existe a pirâmide associativa do esporte.
Clubes são filiados a federações, que são ligados a confederações, que seguem (todas) as determinações do Comitê Olímpico Internacional (no caso do futebol, da FIFA). Essa associação é voluntária, e no direito esportivo é conhecida como Ein Platz Prinzip.
E TODOS precisam cumprir as mesmas regras.
Quer fazer diferente? Tudo bem, mas sai da cadeia associativa.
Por que não pode
Então, sendo assunto de competição ou organização, como reforça a nossa Constituição Federal, a competência para definir regras e protocolos é do esporte.
Portanto, são as entidades esportivas que precisam debater sobre o VAR e decidir o que pode ser feito para melhorar a ferramenta. Assim como são essas entidades que precisam, com a ajuda da ciência, dos personagens do esporte e de especialistas, tratar da questão dos transgêneros.
O protocolo do VAR é internacional e determinado pela International Board (IFAB), que cuida das regras do futebol. E ele precisa ser o mesmo no mundo, pelos motivos ali em cima citados.
No site da IFAB é possível entender quando o árbitro de vídeo pode agir e como ele deve agir. Se ele não agir corretamente, de acordo com o protocolo estabelecido e protegendo a integridade do jogo, o movimento jurídico privado do esporte tem caminhos determinados para agir.
Claro que nada impede que alguém, como um vereador, deputado ou senador, leve sugestões de aprimoramento de regras e protocolos às associações esportivas e essas discutam internamente sobre elas. Esse, um caminho legítimo que pode vir a ser produtivo.
Agora, querer discutir VAR – e qualquer assunto relacionado as regras do jogo – em casas legislativas será sempre um desperdício de tempo e de dinheiro. Uma discussão que muitos já sabem que não levará a lugar nenhum. E quem não sabe, pode se informar.
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